Apesar da preocupação pertinente com a destruição da demanda nos países mais afetados e a interrupção das cadeias de suprimento globais, existe uma outra narrativa mais benigna que o mercado tem relevado: aquela que retrata o novo coronavírus como equivalente ao Influenza, o vírus que causa a gripe.
Tiramos as dúvidas com o presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, o médico Sidney Klajner.
Quão grave é essa crise de saúde, afinal?
É certo que estamos falando de um vírus até agora desconhecido, mas, do que sabemos, ele é, sim, menos grave do que o Influenza. No entanto, não dá pra dizer “segue o jogo como está, ninguém precisa se preocupar”. É uma situação que preocupa muito.
Na sexta-feira 28, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou o risco de disseminação da doença Covid-19 de alto para muito alto. Já são 51 os países afetados. Uma epidemia desta magnitude exige a implementação rápida de medidas globais para interromper a multiplicação dos casos. As ações colocam à prova os sistemas de contenção, diagnóstico e atendimento do mundo inteiro.
Mas a título de comparação: a OMS contabiliza cerca de 84 mil casos do novo coronavírus. A gripe afeta 1 bilhão de pessoas anualmente. Até sexta-feira, a Covid-19 tinha matado 2.858 pessoas. O Influenza causa a morte de 300 mil a 650 mil pessoas por ano. Cerca de 85% dos infectados pelo coronavírus ou não têm sintomas ou apresentam manifestações leves como coriza e dor de garganta.
Além de um risco potencial menor à saúde, a boa notícia é que aprendemos com as crises já vividas. O engajamento para a informação é essencial para minimizar impactos. Lembrando que todos os desafios de atenção à saúde seguem aí. As pessoas não podem parar de se cuidar por medo de contrair o vírus. O pânico pode trazer problemas maiores que o próprio risco de contrair a doença.
Se a Covid-19 é similar à gripe comum, por que as autoridades da China tomaram medidas de contenção tão drásticas?
Não podemos nos esquecer de que se trata de um agente infeccioso novo, cujo comportamento ainda não é totalmente conhecido. E sua disseminação aconteceu de forma muito rápida. Por essas razões, as autoridades de saúde chinesas decidiram aplicar os métodos mais rigorosos de controle.
Os dados parecem indicar que este vírus tem uma taxa de infecção mais alta — li que uma pessoa infectada contamina outras três. Essa taxa é diferente da apresentada na gripe comum?
Em média, um indivíduo contaminado transmite o vírus para 2 ou 3 pessoas. É uma taxa semelhante à apresentada pela cepa pandêmica do Influenza de 1918, responsável pela chamada gripe espanhola, doença que matou milhões de pessoas em todo o mundo. Ou seja, a taxa de infecção do novo coronavírus é alta, mas o nível de letalidade é baixo.
A taxa de mortalidade do vírus é de 2,3%, mas a distribuição é assimétrica. O vírus tem se mostrado letal para qual público?
Para os idosos, principalmente, e para pessoas em condições de saúde mais frágeis, como pacientes com doenças cardiovasculares e os imunodeprimidos.
Você está vendo muita paranoia em relação ao assunto?
Sim, já tive pacientes me perguntando se não era melhor adiar uma cirurgia porque estava com medo de vir ao Einstein, onde detectamos o primeiro caso da América Latina.
Na verdade, o fato de termos identificado um paciente infectado só prova o quanto o hospital está preparado para fazer o diagnóstico rapidamente e tratar os pacientes com eficácia e segurança, além de garantir um ambiente seguro a todos os que circulam por nossas unidades.
Muita gente, por exemplo, achou que o paciente infectado ficou internado no Einstein. Ele não precisou ser hospitalizado. Logo após a coleta para o teste, ele foi para casa esperar o resultado porque não apresentava complicações. Está em sua residência, bem. Continuamos a monitorá-lo usando inclusive a telemedicina, um excelente recurso em situações como essa. O paciente pode ser acompanhado de longe por meio de tecnologias usuais, como o celular, chegando à videoconferência quando é necessário que o médico tenha imagens do doente. O próprio Centers for Disease Control (CDC), nos Estados Unidos, recomenda o uso da telemedicina como uma das medidas a serem usadas nesta epidemia.
Há também um número crescente de pessoas aparecendo com máscara em todo lugar, no hospital, na padaria…. E, ao mesmo tempo em que tentamos explicar que é para as pessoas terem calma, já vi até apresentador de TV dizendo que “não é pra ter calma”. Isso é um absurdo. Mais uma vez, o que precisamos é disponibilizar informação correta, útil, coerente e responsável.
Você diria que o impacto dessa epidemia sobre a vida diária das pessoas — e por extensão sobre a economia — tende a ser menor (ou de duração mais curta) do que a reação dos mercados faz parecer?
Ainda é difícil prever a evolução da epidemia, até por se tratar de um vírus novo. Mas com certeza podemos dizer que não há razão para pânico.
Grande parte dos infectados sequer apresenta sintomas e, quando os manifesta, eles são bem leves, parecidos com os de uma gripe ou de um resfriado. É preciso seguir a vida normalmente, tomando as precauções que todos precisamos adotar para nos proteger de qualquer vírus respiratório: lavar as mãos com frequência, evitar aglomerações e, se estivermos doentes, evitar a transmissão seguindo a etiqueta respiratória (cobrir a boca e o nariz quando tossir ou espirrar).
Se tem algo de oportunidade nessa crise é educar as pessoas para a saúde, criar uma cultura de responsabilidade e prevenção em ambientes públicos.