Enquanto Belém se prepara para receber a COP30 em novembro, uma revolução silenciosa está mudando as regras do jogo econômico global. Não é mais sobre salvar baleias e ursos polares — é sobre dinheiro.
O mundo caminha para colocar preço no carbono, e quem não se antecipar pode acordar do lado errado da maior transformação econômica desde a revolução industrial.
“Sem coordenação global na precificação do carbono, o risco climático se transforma em colapso sistêmico para economias e cadeias produtivas inteiras“, disse Tony Goldner, CEO da Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), ao Brazil Journal.
A TNFD é uma iniciativa global que desenvolve padrões para empresas e instituições financeiras reportarem seus riscos e impactos relacionados à natureza e à biodiversidade.
O objetivo é fazer com que bancos, fundos de pensão e empresas relatem sua exposição a riscos climáticos e de biodiversidade — da mesma forma que já fazem com riscos de crédito ou câmbio.
Por exemplo, uma empresa de agronegócios teria de reportar como a degradação do solo ou perda de polinizadores pode afetar sua produtividade e valor de mercado.
O Brasil, que historicamente se posicionou como protagonista nas discussões climáticas, enfrenta agora um dilema estratégico: liderar a transição para uma economia de baixo carbono ou ser marginalizado por mercados que já penalizam empresas sem estratégias climáticas claras.
A escolha, segundo Goldner, definirá não apenas o futuro ambiental do país, mas sua relevância econômica nas próximas décadas.
Os números são brutais: apenas 23% das emissões globais têm preço hoje. Mas essa realidade está mudando, impulsionada por uma combinação de pressão regulatória, demanda de investidores e barreiras comerciais.
A União Europeia já implementou o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), que taxa produtos importados de países sem precificação de carbono adequada. A China prepara mecanismos similares.
“Não é protecionismo disfarçado, é a nova geometria do comércio internacional”, explica Goldner.
Para empresas brasileiras, especialmente nos setores de commodities intensivas em carbono como aço, cimento, soja e carne, o cenário é preocupante. Sem um mecanismo interno de precificação, essas empresas podem perder competitividade nos mercados mais valiosos do mundo.
“O risco climático não é uma externalidade. É um risco financeiro sistêmico que pode quebrar portfólios e destruir valor”, afirma Goldner.
A lógica é simples: uma siderúrgica sem estratégia de descarbonização pode perder 40% do seu valor de mercado quando investidores precificarem o risco de obsolescência de seus ativos.
Onde está o Brasil nesse tabuleiro?
Para Goldner, o país vive um paradoxo climático. Por um lado, possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e lidera tecnologias tropicais como bioenergia e regeneração de solos. Por outro, ainda não definiu seu mercado regulado de carbono — o projeto de lei do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) segue travado no Congresso.
“O Brasil tem todas as cartas para liderar, mas está jogando de forma defensiva”, critica Goldner. O executivo vê uma janela de oportunidade única: transformar as vantagens comparativas brasileiras em vantagens competitivas nos mercados globais de carbono.
A bioeconomia amazônica, projetos de regeneração de pastagens degradadas e créditos jurisdicionais (gerados por estados e municípios) representam trilhões de reais em valor potencial. Mas isso exige que o Brasil negocie para que essas soluções entrem na contabilidade global de emissões, via Artigo 6 do Acordo de Paris — cuja regulamentação é tema recorrente nas negociações das COPs, o que não será diferente este ano.
O custo da inação cresce exponencialmente, diz Goldner, seja via barreiras tarifárias climáticas, queda de valuation ou perda de acesso a financiamento verde. Empresas sem estratégia climática enfrentarão headwinds crescentes.
“Assim como o preço do carbono, o risco de reputação também se tornou transnacional”, alerta Goldner.
Uma empresa de agronegócios que não conseguir provar a sustentabilidade de sua cadeia pode perder contratos milionários na Europa ou Ásia.
A COP30 não será apenas mais uma conferência climática. Será o palco onde se definirão as regras do jogo econômico das próximas décadas. Para CEOs brasileiros, há uma escolha estratégica clara: moldar o jogo ou pagar o preço do atraso.
O país que tem a maior floresta do mundo não pode ser apenas expectador dessa transformação. Quem liderar a precificação do carbono e a adaptação climática poderá exportar soluções e ganhar escala global.
O resto vai correr atrás — se conseguir.