Se ainda restasse alguma dúvida, algum fiapo de esperança pueril, ficou dolorosamente claro nas últimas 48 horas que a crise de confiança da economia brasileira ainda tem espaço para se agravar.
As manifestações públicas do presidente do Banco Central, do Ministro da Fazenda e do ex-Presidente Lula mostram que, na cabeça do Governo, a solução para nossos problemas é adotar justamente algumas das medidas que nos enfiaram no buraco atual.
As três falas — proferidas em lugares e contextos diferentes — convergem para a ideia de que, para tirar a economia do coma, é preciso que o Governo patrocine uma infusão de grana na veia.
Não só não vai funcionar, como vai piorar as coisas ainda mais.
O primeiro a falar foi Alexandre Tombini. O presidente do Banco Central ‘autônomo mas não independente’ — como a Presidente Dilma fez questão de lembrar recentemente — achou que tinha encontrado a desculpa perfeita para reverter semanas de sinalização ao mercado de que a Selic iria subir. Depois de uma reunião fora da agenda com a Presidente Dilma, Tombini usou as novas estimativas do FMI para a economia brasileira — contração de 3,5% este ano — para dizer que aquilo mudava o jogo do Copom. Oportunismo tático ou confissão de incompetência?
O jogo já estava jogado. Tombini já sabia que a média dos economistas brasileiros — reunidos no relatório Focus do BC — estimavam contração dessa magnitude para este ano. Ou será que o departamento econômico do BC foi surpreendido pela estimativa do FMI? Foi um episódio clássico de incompetência, ou Tombini precisava de uma desculpa para o desvio de rota? Infelizmente para o presidente do BC, a sociedade brasileira é aberta, plural e algumas pessoas ainda dizem o que pensam. Entre outros adjetivos, sua manobra foi qualificada de ‘esquisita’ e ‘decepcionante’ por economistas que se disseram perplexos.
(Notem que, no mérito, havia até bons argumentos para não se mexer na Selic. Muita gente boa no debate econômico já acredita que o Brasil está em ‘dominância fiscal’ — uma situação em que um aperto monetário não surte mais efeito, dado o nível dos gastos públicos — e duvida que uma alta da Selic faria algum bem num momento em que o País já está em depressão. Mas ao usar uma desculpa esfarrapada, Tombini, antes de mais nada, errou na forma: a capacidade de um Banco Central de se comunicar com transparência e consistência é um ativo que não pode ser subestimado.)
Ontem, a alta da Selic ficou em zero — o mesmo patamar da credibilidade do BC junto ao mercado.
O segundo a falar foi o ex-Presidente Lula. Você já podia imaginar o que viria quando a Folha de São Paulo anunciou na terça à noite: “Lula se reúne com Belluzzo e Delfim Netto para discutir crise econômica.” Mas nem o maior crítico de Belluzzo ou o maior desafeto de Delfim poderiam imaginar o que Lula diria no dia seguinte, em entrevista a blogueiros. Sentem-se.
“A Dilma tem que ter como obsessão a retomada do crescimento, o controle da inflação e a geração de emprego,” afirmou o ex-Presidente, até aí dizendo o óbvio. “É preciso ter clareza que não se convence empresários se o governo não está pondo dinheiro, porque empresários não vão pôr se o governo não fizer. O governo tem que tomar a iniciativa. É preciso uma forte política de financiamento. Se quiser salvar o país temos que colocar os pobres em cena outra vez. Pensar em como financiá-los para voltar a comprar.”
Presidente Lula, os empresários não querem que o Governo ponha dinheiro: eles querem que o Governo saia do caminho. É verdade que alguns empresários são viciados numa linha camarada no BNDES, mas até estes já entenderam que a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, Barbosa?
O que a sociedade espera é que o governo se reinvente: repense o seu papel na economia e proponha uma nova lista de prioridades. Os empresários querem um governo que poupe, e que permita, assim, que os juros caiam e que o poder de compra das pessoas seja devolvido. Os empresários querem um governo que acredite em regras claras para os investimentos, com menos burocracia e impostos menores e mais fáceis de pagar. Isto, presidente Lula, é justamente o oposto de achar que o governo tem que botar dinheiro em qualquer lugar que seja para reativar a economia.
E quanto aos pobres, presidente, o senhor vai me desculpar. Todos sabemos que, na sua cabeça, “ninguém neste país” pode entender mais de pobre do que o senhor. Mas os pobres da vida real (não os dos seus discursos) talvez sejam pessoas bem diferentes daquilo que o senhor imagina. As pessoas ficam gratas, sim, com um cartão do Bolsa-Familia ou uma linha da Caixa para comprar uma casa e os móveis que dão dignidade. Mas dignidade maior existiria se o país simplesmente gerasse empregos, se a escola pública preparasse as pessoas para estes empregos, e se, uma vez recebendo o salário, este não fosse aviltado pela inflação que só fez crescer nos cinco anos do governo Dilma. Dignidade maior é não ter que ser grato a nenhum político, mas sentir gratidão ao País pelas oportunidades que o crescimento gera.
Mas o mais imperdoável na fala de Lula foi a forma como um homem que já viveu a pobreza de perto minimizou a inflação: “Eu, que vivi uma inflação de 80% ao mês, com 8% ao ano dá até para guardar dinheiro debaixo do colchão.”
Por conveniência política, Lula finge desconhecer que a inflação é o imposto mais pesado sobre os pobres que ele diz defender. Enquanto a classe média ainda consegue se proteger no CDI, a inflação bate a carteira em tempo real do trabalhador que ganha um ou dois salários mínimos. Ao comparar os dias de hoje com a fase mais sombria da hiperinflação brasileira, Lula cospe na cara de quem sofreu aqueles anos. A inflação está para o Brasil como a cachaça está para um alcoólatra em recuperação. Vinte e um anos depois do Plano Real, a indexação continua aí, firme e forte. Esta fala é um escárnio ao nosso duro aprendizado coletivo de que a moeda tem que ser defendida. Foi uma desonestidade cruel, um cinismo perverso. As oposições deveriam usar seu tempo na TV e no rádio para exibir a fala de Lula e ver se os brasileiros acham graça.
O último da troika a falar foi o Ministro da Fazenda. Mesmo depois de ouvir do próprio presidente do Bradesco (em Davos) que a demanda por crédito na economia hoje é quase inexistente, Nelson Barbosa resolveu traficar aquele keynesianismo paraguaio que propõe que TUDO na economia é uma questão de estímulo. “O paciente não reagiu? Basta dobrar a dose.”
Explicando seu plano de incentivar novos financiamentos, Barbosa disse que vai “levar o cavalo á água para ver se ele quer bebê-la.” Esta coluna aposta que o cavalo da economia está simplesmente sem sede, sem esperança, e sem horizonte.
Vai ser preciso mais do que um veterinário amador, um banqueiro central claudicante e um ex-presidente palpiteiro para consertar o estrago que os três ajudaram a fazer.