RIO DE JANEIRO — Com a crise do petróleo começando a ficar no retrovisor, os números do segundo trimestre mostram que a Petrobras reagiu rápido e passou pela turbulência relativamente tranquila.
Dentre todas as petroleiras listadas em Bolsa, a brasileira foi a que gerou mais caixa operacional no segundo trimestre: US$ 5,5 bilhões, um leve crescimento ano contra ano.
E enquanto a produção da Petrobras caiu 4% no período, suas cinco principais concorrentes (BP, Chevron, Equinor, Exxon e Shell) tiveram uma queda média de 8%.
Nesta conversa com o Brazil Journal, o CEO da Petrobras, Roberto Castello Branco, faz um balanço da crise e trata de temas sensíveis para o futuro da empresa: a preocupação crescente dos investidores com ESG e os carros elétricos.
“Eu costumo dizer que a Tesla é o nosso maior competidor… vai roubar os nossos clientes”, disse Castello Branco.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Vocês tiveram que fazer mudanças estruturais na empresa quando o petróleo foi negociado abaixo de zero, ali por volta de abril. Que balanço você faz dessa crise, das medidas tomadas e de como estão saindo dela?
Olha, saindo da crise eu não posso garantir, porque ela está aí ainda. Mas acho que nos saímos muito bem. Fomos ágeis o suficientes para evitar o que mais temíamos: a queima de caixa. As primeiras projeções que fizemos nos davam uma perda de caixa de US$ 1 bilhão por mês, que seria uma situação muito ruim. Conseguimos evitar isso de várias maneiras: cortando custos, negociando a postergação de desembolsos internamente e externamente e exportando mais.
A exportação foi uma conquista interessante porque uma das mudanças que fizemos já no final do ano, início de 2020, foi criar uma área de logística para a companhia, que antes era separada. Somos uma companhia que tem que transportar mais de 1 bilhão de barris por ano, mas tínhamos uma logística setorizada: era uma na área de exploração e produção de petróleo, uma na área de refino, e a transpetro completamente isolada.
Então, juntamos as três e fortalecemos a comercialização externa. Isso nos viabilizou de saída: batemos o recorde de exportações de petróleo bruto em abril. Exportamos 1 milhão de barris diários. Recorte de exportação de óleo combustível. E quebramos paradigmas, porque a logística da companhia dizia que não dava para exportar 1 milhão de barris por dia, na melhor das hipóteses daria pra fazer 700 mil. E nós conseguimos 1 milhão, e poderíamos mais. Só não vamos porque não temos petróleo suficiente, já que a demanda interna por combustíveis começou a se normalizar e com isso a exportação de petróleo bruto teve que reduzir.
Como a Petrobras se saiu em comparação com as principais petroleiras do mundo?
Os números falam melhor do que palavras. Entre as petroleiras listadas em Bolsa, tivemos a melhor geração de caixa operacional no segundo trimestre: US$ 5,5 bilhões. Não ficamos com excesso de estoques. A produção ficou quase normal, caímos em 4% em relação ao trimestre anterior. As outras companhias em média caíram 8%. As refinarias tiveram uma queda substancial na operação. Foi um fator de utilização que caiu abaixo de 60%. Hoje, voltamos e estamos operando acima de 80%. E houve ganhos muito bons para o futuro, porque o trabalho em home office gerou uma interação maior, maior frequência de reuniões… Por exemplo, na Petrobras não tínhamos um dashboard de dados que desse aos diretores a visão em tempo real de como a companhia está funcionando.
Hoje tenho um app feito internamente que me mostra como está o caixa, o capital de giro, as vendas, o estoque, a operação das refinarias, a produção de petróleo, os preços de combustíveis nossos e no mundo. Isso não existia…
Criamos um “Comitê de Liquidez”, que tinha que interagir com todas as áreas, todas as contratações tinham que passar por ele… Nós apelidamos esse grupo dos “Sentinelas da Resiliência.” Isso funcionou muito bem e continua funcionando. Também turbinamos o programa de demissão voluntária que estava indo meio devagar até março. O resultado: temos 10 mil pessoas, 20% dos nossos funcionários diretos, saindo até o ano que vem. Cortamos 25% dos cargos comissionados e aceleramos a transformação digital, que é muito importante para uma empresa que até o ano passado usava o ‘Lotus Notes’ [programa de software desconhecido pelos millennials].
Tudo na vida tem aspectos negativos e positivos. O lado positivo do covid foi um ponto de inflexão na implementação da estratégia, que passou a ser acelerada.
Essa tendência de forte geração de caixa, de bons resultados, ela tem se mantido no terceiro trimestre? Como está o resultado agora?
Ela tem se mantido. Não posso falar nada quantitativo, mas a situação está melhor, porque os preços do petróleo estão mais altos, o preço dos combustíveis estão mais altos, a demanda está se recuperando. O único produto com recuperação muito fraca ainda é o querosene de aviação. A demanda por querosene de aviação está 30% do que era no período pré-covid. Mas em abril, a demanda chegou a ser 8%.
Você diria então que julho foi melhor que o segundo tri, e que agosto foi melhor que julho?
Tudo que eu posso dizer é que está indo bem. Vamos ter uma redução de produção lá na frente, porque com a covid tivemos que postergar paradas para manutenção preventiva, então vamos ter que fazer provavelmente depois de setembro. Estamos nos preparando para aumentar o pessoal na operação e gradualmente nos preparando para parar algumas plataformas para manutenção preventiva. Mas isso todo ano tem, está dentro do plano de produção.
Em termos da base de custos da Petrobras, a sua gestão no primeiro ano cortou custos, no segundo cortou mais. No final deste ano, o custo operacional deve estar quanto abaixo de quando você assumiu?
É difícil dizer, porque algumas coisas estão gerando resultado pequeno a curto prazo, mas vão se acumular daqui um ano, dois anos. Mas em termos de pessoal, estamos tomando medidas para cortar em US$ 1 bilhão a folha de pagamentos em relação ao ano passado. Isso representa praticamente 23% do total. Esse corte vai ser sentido em 2021.
Tem uma série de medidas que estamos tomando para eliminar ineficiências. Na logística, por exemplo, descobrimos que tínhamos 4 milhões de barris de petróleo boiando, parados em tanques porque não atendiam às especificações. Com uma pequena manobra conseguimos se adequar às especificações e colocar no mercado. Descobrimos 50 mil toneladas de sucata. A Petrobras tem 45 armazéns. Vamos reduzir para 25. Vamos melhorar a gestão de estoque.
Os prédios: quando eu tomei posse a Petrobras ocupava 23 prédios, no início do ano passamos para 17 e vamos chegar a 8 no primeiro trimestre de 2021. Tudo isso faz parte do processo de redução de custos.
Tem um projeto em tramitação no Senado que dá discricionariedade ao CNPE para decidir adotar o regime de concessão — um regime visto com melhores olhos pelo mercado — mesmo dentro do chamado Polígono do Pré-Sal. Você acha que precisa aprovar esse projeto para aumentar a atratividade dos leilões no ano que vem?
Sem dúvida o regime de concessão é o melhor. O Brasil optou por uma complicação de vários regimes de exploração. O contrato de partilha definitivamente não é um bom contrato, nem para as empresas nem para a economia. E nós torcemos e esperamos que isso chegue ao fim.
Mas essas são variáveis que estão fora do nosso controle. Dentro do que está sob nosso controle, estamos seguindo com os desinvestimentos. Esse ano foi difícil para desinvestir ativos, mas mesmo assim conseguimos gerar US$ 1 bilhão, que ainda é pouco em relação ao previsto.
A refinaria da Bahia já tem um vencedor na licitação, o Mubadala, e estamos negociando alguns detalhes para fechar um acordo de compra e venda. Na refinaria do Paraná, vamos receber as propostas vinculantes dia 27 de agosto. E olhando para um prazo mais longo continuamos a desenvolver vários projetos de inovação na área de exploração de petróleo que envolvem em última instância reduzir o preço que equilibra do ponto de vista econômico uma operação.
Existe um debate dentro do Governo a respeito de privatizar a Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA), o veículo que recebe o excedente de petróleo dentro do regime da partilha. O Paulo Guedes diz que vale centenas de bilhões de reais, que poderia pagar a conta da covid. O que falta para esse negócio acontecer?
Não participamos da decisão do governo, mas minha sugestão é o seguinte: a PPSA é uma empresa que tem fluxos futuros de óleo a receber. Você pode transformar isso em caixa vendendo esses fluxos futuros de óleo. Na mineração acontece muito disso, é a operação de streaming que se chama. A Vale fez com ouro, com cobalto… Ao mesmo tempo, o Brasil deveria aprovar um projeto de lei para acabar com o regime de partilha. Aí a PPSA fica só com o passado.
Os investidores estão cada vez mais usando parâmetros ESG na sua alocação de recursos. Como a Petrobras tem trabalhado isso? O que tem mudado efetivamente na empresa?
Lançamos 10 compromissos com a sustentabilidade, em termos de redução de emissão de gás de efeito estufa, de reinjeção de CO2, reuso de água. Vários projetos desse tipo. Na governança, a Petrobras tem excelentes padrões, é algo que não precisa mexer. E no social, a Petrobras tem sido muita ativa como empresa cidadã, ajudando em casos de enchente, tendo programas de educação infantil para crianças mais pobres, Na crise, mesmo com recursos restritos, doamos testes PCR, milhões de litros de combustíveis, material médico e EPI’s, cestas básicas com material de higiene e botijões de gás de cozinha.
Vamos voltar no E de ‘environment’. Você disse que lançaram 10 compromissos com a sustentabilidade…
Nossa política é primeiro limpar a nossa casa. Isso significa emitir muito menos carbono por barril de petróleo. Já somos a segunda petroleira do mundo nesse quesito, perdemos apenas para a Equinor, da Noruega… e queremos melhorar nossa posição.
Outro exemplo: estamos aguardando a autorização da ANP para o diesel renovável. O diesel renovável é quando ele é refinado junto com o óleo de soja, o que reduz em 70% a emissão de carbono e gera um ganho de 15% na eficiência em relação ao biodiesel normal.
Esse projeto já foi desenvolvido, testado. Ainda não lançamos comercialmente porque dependemos da aprovação da ANP. Já entramos com o pedido de autorização e estamos aguardando.
Nós sempre somos cobrados: ‘por que vocês não investem em renováveis?’ Simplesmente pelo fato de que não temos as competências. Estamos investindo em pesquisa e desenvolvimento. A Petrobras se meteu a produzir óleo de dendê, óleo de mamona, óleo de não sei o quê… olha o prejuízo enorme que essas empresas estão dando… porque a Petrobras se meteu num negócio que não conhecia e, como era esperado, teve um prejuízo muito grande. Foram pequenas empresas que deram um prejuízo de R$ 1 bilhão.
Quando esse projeto do diesel renovável entrar em operação, vai ter um tamanho relevante dentro da operação da Petrobras? Ou vai ser algo pequeno dado o tamanho da empresa?
Vai ter um tamanho relevante. A tendência é ele gradualmente ir substituindo o diesel comum. Ele pode substituir até 100% do diesel comum, mas ainda não temos uma estimativa de em quanto tempo isso pode acontecer. Porque não depende só da Petrobras, depende também do óleo de soja.
Como você vê a curva de adoção dos carros elétricos, e qual deve ser o impacto disso na Petrobras no médio e longo prazo?
Sem dúvida nenhuma, tem um impacto negativo para a indústria de petróleo. Eu costumo dizer que a Tesla é o nosso maior competidor, vai roubar os nossos clientes. E a única forma de competirmos com o carro elétrico é termos custos mais baixos, poder sustentar preços de petróleo bem mais baixos para que tenhamos competitividade. Fazer o dever de casa em termos de limpeza das nossas operações. Ter uma operação mais clean, green, inovando com projetos como o do diesel renovável.
Mas temos visto petroleiras no mundo fazendo investimentos nessas áreas, comprando ativos renováveis. Vocês tem planos nesse sentido?
Como eu disse, não estamos investindo em renováveis porque ainda não temos as competências para vencer nessa atividade. Estamos investindo em P&D justamente para adquirir as competências para um negócio que é completamente diferente do petróleo. São mercados com lógicas, riscos e dinâmicas diferentes.
Mas desses P&Ds provavelmente surgirão soluções de renováveis dentro da própria empresa?
Provavelmente sim, mas ainda é cedo para ter uma resposta.
Vocês têm algum benchmark de petroleira que esteja investindo em renováveis e vocês considerem um caso de sucesso?
As petroleiras em geral não tem um bom ‘track record’ de investimentos em renováveis. Tem tido prejuízos… E, apesar de toda a publicidade sobre o assunto, as petroleiras europeias, que são as mais avançadas nesse assunto, projetam um percentual de receita para 2030 de no máximo 1,5% vindo de energias renováveis.
Qual o risco que você atribui ao negócio de petróleo nos próximos anos? Acha que a curva de adoção dos carros elétricos pode ser mais rápida do que se imagina?
Sempre pode haver surpresas. Mas nas nossas projeções, estimamos uma evolução lenta da demanda para o petróleo nos próximos anos e eventualmente uma estagnação, o que vai gerar preços baixos. Usamos um preço-base de US$ 35 nas nossas projeções. Os novos projetos têm que ser resilientes nesse cenário.
A partir de qual ano você acha que pode começar a ter essa estagnação na demanda?
O que projetamos é preço, e os preços são reflexo de demanda. O preço nominal que trabalhamos no futuro é de US$ 35 o barril.
Qual o lifting cost hoje, no consolidado e no pré-sal?
No pré-sal é de US$ 2,40, e no consolidado é ligeiramente abaixo de US$ 5. O pré-sal hoje é 66% da produção e tende a ser maior, pelo seu próprio crescimento, a venda dos campos terrestres e em águas rasas e o declínio natural da Bacia de Campos.
Entre o lifting cost e preço de venda, quanto tem de custo?
Quando se diz que um projeto é resiliente ao preço de US$ 35 o barril, isso quer dizer que ele cobre todos os custos. O lifting cost é apenas o custo de extração no fundo do mar. E o problema de Petrobras não está no fundo do mar, está na superfície. Por isso, além de atacar o fundo do mar, estamos atacando os custos operacionais internos.
Hoje, precisamos de um preço acima de US$ 50 para viabilizar o negócio economicamente. Vamos ter que reduzir muito os custos no futuro para manter o negócio viável economicamente a um preço de US$ 35. Mas estamos trabalhando nisso, vendendo ativos, reduzindo custos operacionais…
Quanto vocês teriam que reduzir de custo para tornar o negócio economicamente viável a US$ 35?
Temos que reduzir em 30% os custos. Hoje, se o petróleo estiver a US$ 35 podemos não ter prejuízo contábil, mas teremos prejuízo econômico. Em outras palavras: conseguimos operar, mas não conseguimos remunerar o capital. Do ponto de vista econômico teríamos um retorno muito mais baixo que o custo do capital. Com o petróleo a US$ 35 e reduzindo nossos custos em 30% teríamos um retorno sobre o investimento de 10%.
Em quanto tempo esperam chegar nessa redução de 30%?
Estamos perseguindo essa redução de 30%, com redução de custos operacionais e venda de ativos que não dão retorno. Em um ano queremos chegar nessa redução de 30%. Nosso plano era ir mais lentamente, mas a pandemia acelerou tudo.
Mas o que vocês estão fazendo em termos de inovação para reduzir custos e ganhar eficiência?
Temos um programa para reduzir a zero o risco de exploração. Ou seja, quando formos furar o poço vamos ter a certeza de que vamos encontrar petróleo lá. Não vai ser um furo vazio. Estamos desenvolvendo outro projeto para comprimir o período entre a descoberta de petróleo e a entrada em operação do campo para mil dias. Atualmente isso se faz em 3 mil dias. Outro projeto é nos poços do pré-sal. Queremos reduzir de 100 dias para fazer a perfuração e contratação para 70 dias.
Outro é o HISEP. O pré-sal tem campos com muito C02, então isso exige numa plataforma de petróleo uma planta para fazer a separação do CO2 do petróleo, para evitar a poluição do meio ambiente e depois a re injeção do CO2. Quanto maior o percentual de CO2, maior a planta. Isso aumenta o Capex e Opex. Estamos desenvolvendo uma solução para fazer essa separação no fundo do mar, o que permitiria ter plataformas mais leves, mais baratas e custos de operação mais baixo. Outro projeto que já está sendo aplicado chamasse Digital Twins, para uma refinaria. Você tem uma refinaria digital… a refinaria real tem sensores que fornecem dados desde a entrada do petróleo até a saída do produto, gasolina, diesel, querosene de aviação. Esse fluxo de dados vai para a refinaria digital, que simula a operação de uma refinaria real, e otimiza o funcionamento dessa refinaria, ao mesmo tempo em que controla se está havendo desvios ou não. Isso dá um ganho de US$ 0,6 por barril. Em milhões de barris isso tem um potencial grande. Este ano a meta é gerar mais de US$ 180 milhões em economia.
Quando a Petrobras pretende vender sua participação remanescente na BR Distribuidora?
Assim que os condições de mercado nos permitirem.
Dizem que vocês querem vender no mesmo valor da última. Tem algum nível de preço?
Ainda não temos nenhuma decisão a esse respeito.
A Odebrecht deu início aos preparativos para a venda da Braskem mas a Petrobras tem dito que quer mudanças na empresa. O que vocês querem de fato?
A empresa caiu muito de valor. Nós queremos que ela se valorize, é um ativo importante… e queremos conseguir vender por um preço que remunere o nosso capital. A Braskem precisa resolver o problema de Alagoas, por exemplo… Mas acreditamos que resolveremos esse problema, conseguindo remover uma nuvem de incerteza que tem contribuído para tirar valor da Braskem.