COMPORTA, Portugal – Quilômetros infinitos de praias intocadas, inúmeros arrozais, nuvens de mosquitos, poucas e modestas construções.
Contra todas as probabilidades, esta região no litoral do Alentejo, a pouco mais de uma hora de Lisboa, tem se transformado no destino mais cool da Europa – apesar de ainda ser pouco conhecida e pouco desenvolvida, o que a torna ainda mais desejada.
Por anos, quase toda a extensão das terras agrícolas da Comporta e suas praias estavam nas mãos de um dos maiores conglomerados empresariais portugueses, o Grupo Espírito Santo.
O controle da família e as rígidas regras ambientais restringiram a construção e o turismo até mais ou menos 2014, quando o grupo faliu e a área foi colocada à venda. Foi quando tudo começou a mudar.
Mesmo agora, com o número crescente de turistas, hotéis boutique, poucos restaurantes e alguns beach clubs (sem DJs ou caixas de som), a Comporta não tem mostrado vocação para grandes construções – seja de turismo em massa ou de mansões luxuosas. Sua estética é simples e rústica. Um lugar para descansar e não badalar, ou, como disse uma revista americana, “os Hamptons de 100 anos atrás.”
Os visitantes e alguns residentes são em sua grande maioria artistas, designers e arquitetos – gente como Christian Louboutin, Philippe Starck e a agora pintora Sharon Stone, maravilhados por descobrir o que parecia impossível nos dias de hoje: um lugar intocado e preservado (de logística fácil e custo acessível).
A qualificação do público tem despertado interesse do mercado em geral e, claro, dos galeristas de arte.
Como o calendário das artes nas grandes capitais fica suspenso no verão do hemisfério norte, com a migração do público para lugares de veraneio, as galerias vêm criando eventos temporários em paraísos como St.Tropez, Menorca e Sicília.
Uma das maiores galerias do mundo, a Hauser & Wirth, abriu filial na Isla del Rey, em Menorca, para criar um programa integrando arte, natureza e espiritualidade.
O projeto ganhou o prêmio de ‘Best Art Destination’ da revista Wallpaper. Já a galeria madrilenha Parra & Romero abriu um espaço de 1.500 metros quadrados em Ibiza, onde também aconteceu uma feira de arte no começo do verão.
De olho nessa tendência e no desenvolvimento da região alentejana, a galeria Fortes D’Aloia Gabriel – veterana em feiras internacionais e, portanto, um nome conhecido na Europa – criou uma pop-up de verão em um antigo celeiro de arroz no centro da Comporta.
Buscando fugir do formato tradicional de espaço expositivo e feira, a galeria paulistana parece ter acertado em cheio neste momento em que muitos clientes voltam sua atenção para o pequeno paraíso português.
A diretora internacional da galeria, Maria Ana Pimenta, portuguesa e residente em Lisboa, disse ao Brazil Journal que o projeto começou em plena pandemia, quando ela viu um edital para ocupar a Casa da Cultura da Comporta.
“Mesmo estando no final de uma pandemia, sentimos uma energia diferente, um frescor, uma curiosidade dos visitantes, que incluíam colecionadores, turistas e locais. Já no primeiro ano ficou muito claro o impacto positivo de trazer exposições de alta qualidade aqui e desenvolver nossa programação internacional de modo alternativo.”
A primeira exposição foi em parceria com as galerias Luisa Strina e Sé. Em 2022, com a portuguesa Madragoa, e ano passado com a mexicana Kurimanzutto.
Este ano, a parceria é com a Nara Roesler, que traz alguns de seus artistas sob a curadoria de Nancy Dantas, uma historiadora que trabalha entre Johannesburgo e Lisboa.
A mostra apresenta, até 31 de agosto, o trabalho de cinco artistas contemporâneos, do Brasil, África do Sul e Estados Unidos: Alberto Pitta, Efrain Almeida, Igshaan Adams, Leonardo Drew e Marina Rheingantz.
“Nancy Dantas é uma curadora acadêmica, pesquisadora, e criou a exposição a partir das obras do artista baiano Alberto Pitta, e se desdobra para a história do arroz, principalmente dos arrozais da Comporta,” disse Maria Ana.
“As pinturas de Alberto Pitta fazem referência a rituais brasileiros, e a pintura de Marina Rheingantz traduz de forma abstrata a experiência sensorial da natureza. O conceito foi muito bem resolvido pela curadora e a ocupação do espaço ficou muito especial.”
Os espaços e a arquitetura da Comporta são um capítulo à parte.
Vale conhecer o projeto “Casas Na Areia”, do renomado arquiteto português Aires Mateus, selecionado para representar Portugal na Bienal de Arquitetura de Veneza. A chamada “arquitetura de ausência”, com poucos materiais, todos locais, inovou ao propor um chão de areia na sala e na cozinha, com paredes e teto de palha, trazendo o ritmo de vida da Comporta para dentro de casa.
O pé na areia obriga a pessoa a se acalmar. “Quando você anda na praia, você naturalmente se move mais devagar,” me disse Aires.
O silêncio, grandes áreas preenchidas apenas por campos de arrozais, uma extensão longa de praias vazias, comércio local, a simplicidade da arquitetura, e o cuidado em crescer de forma sustentável dão à região uma sofisticação verdadeira, pouco vista hoje em dia, infelizmente.
Quem tiver a sorte de visitar a região e a edição deste ano verá duas obras de uma das pintoras mais conceituadas e disputadas aqui e fora do País: Marina Rheingantz.
E quem se apaixonar por suas pinturas (já vendidas e com fila interminável de espera) poderá sonhar com suas pinceladas andando pelas areias brancas idílicas da Comporta.