A Estre Ambiental, a maior empresa de serviços ambientais do País, está sendo capitalizada em US$ 370 milhões, numa operação que reduz dramaticamente sua dívida e lista a companhia numa Bolsa americana, a Nasdaq.

10311 a3979015 f03e 002e 049a 3aff6cbf7384O capital para a Estre está vindo do Boulevard Acquisition Corp II, um veículo de aquisição de propósito específico — ou SPAC, na terminologia em inglês — listado na Nasdaq e cujo chairman é Marc Lasry, o fundador e CEO da Avenue Capital Group, uma firma de investimentos que administra cerca de US$ 10 bilhões em Nova York. Lasry e sua sócia, Sonia Gardner, fizeram seu nome e fortuna investindo em empresas altamente endividadas.  

A Avenue Capital captou os recursos do Boulevard há dois anos, vendendo 37 milhões de units a US$ 10 cada. A transação anunciada hoje faz a fusão da Estre com o Boulevard, listando a companhia brasileira na Bolsa americana quando a operação for concluída, o que deve acontecer no quarto trimestre. 

Como parte da transação, todos os atuais acionistas da Estre serão diluídos mas continuarão sócios da empresa. O fundador e chairman da Estre, o empresário Wilson Quintella Filho, ficará com uma participação minoritária e será um consultor estratégico da companhia.  (Outros acionistas da Estre incluem fundos administrados pelo BTG e pela Angra Partners, e os empresários Gisele de Moraes e Wilson de Lara.)  

Comuns nos EUA e inexistentes no Brasil, os SPACs são o equivalente ao IPO de um cheque em branco.  Os criadores do SPAC levantam recursos junto a investidores com a promessa de encontrar um ativo rentável. Por exemplo, em 2012, um SPAC chamado Justice Holdings — levantado pelo gestor Bill Ackman, da Pershing Square — fundiu-se com o Burger King, trazendo a rede de hambúrgueres de volta para a Bolsa.
 
O Boulevard precisava de um bom ativo, e a Estre precisava de dinheiro.  No final de 2016, a Estre tinha uma dívida líquida de R$ 1,5 bilhão — a maior parte rodando a CDI — e uma geração de caixa de R$ 400 milhões naquele ano. A empresa tem crescido seu faturamento a 7% nos últimos 4 anos, um período no qual não fez aquisições.
 
A transação dá à Estre um valor de mercado inicial de US$ 816 milhões e um valor da firma (o que inclui a dívida) de US$ 1,1 bilhão, o que dá um múltiplo de 7,7 vezes sua geração de caixa estimada para 2018. Do capital que entra, US$ 200 milhões serão usados para reduzir a dívida líquida, que cairá de 5,2 para 2,2 vezes a geração de caixa anual. Com o saldo, a Estre deve retomar aquisições.

Fundada por Quintella e sua sócia Gisele de Moraes em 1999, a Estre é dona de 13 aterros sanitários, tem outros cinco em desenvolvimento, e faz a coleta de lixo em 15 cidades brasileiras.  

A transação de hoje abre um novo capítulo numa trajetória empresarial ambiciosa que foi atropelada pela inadimplência do setor público, o alto endividamento da companhia e o fechamento do mercado de capitais na crise do impeachment, num momento em que a taxa de juros disparou.

Com o sonho de criar uma ‘Ambev do lixo’, entre 2008 e 2013 Quintella comprou sete empresas, começando pela operação de lixo perigoso da multinacional Veolia, que estava saindo deste business do Brasil.

10312 f316884f 11a8 1f9a 0000 b22ee5e0fb9fSua primeira grande aquisição veio em 2010, quando a Estre comprou a Cavo Ambiental da Camargo Correa por R$ 610 milhões.  O BTG Pactual financiou 100% da compra com um empréstimo, e mais tarde  injetou capital na empresa, gradualmente chegando a uma participação de 35%, que agora será diluída.

Em seguida, a Estre comprou duas operações de aterro e coleta de lixo: a Leão Leão, de Ribeirão Preto, e a Viva, que opera em Salvador, Feira de Santana, Maceió e Taboão da Serra.

Em maio de 2015, o BTG e Quintella instalaram Sergio Pedreiro como CEO da Estre, e Quintella assumiu a presidência do conselho.  Pedreiro — um executivo experiente que passou pela GP Investimentos, foi CFO da ALL e, mais tarde, da empresa global de cosméticos Coty — já era conselheiro da Estre desde 2011.  O novo CEO começou a profissionalizar a empresa, cortou custos e introduziu critérios de meritocracia na remuneração dos executivos.

No início de 2016, com a água pelo nariz, a Estre sentou-se com os três bancos que mais lhe davam crédito: o BTG, Itaú e Santander.  O primeiro tinha R$ 900 milhões de exposição ao crédito da Estre; os dois últimos, cerca de R$ 250 milhões cada.  Os bancos concordaram em restruturar a dívida: alongaram o perfil e pediram a venda de ativos ou uma injeção de ‘equity’.  A Estre optou pela segunda alternativa.

O negócio do lixo ainda tem um vasto potencial de crescimento no Brasil, onde grande parte da população ainda não é atendida por serviços de coleta e quase metade dos resíduos vão para ‘lixões’ em vez de aterros sanitários.  Há ainda muito que as empresas podem fazer no que o setor chama de ‘valorização do lixo’ (a reciclagem) e na geração de energia a partir do lixo. O volume de resíduos sólidos tem crescido 4% ao ano. 

As possibilidades de consolidação são gigantescas. Nos EUA, as duas maiores empresas do ramo, a Republic Services e a Waste Management, recebem 50% de todo o lixo final.  No Brasil, a Estre, a maior de todas, recebe 8%. (Republic e Waste Management negociam a 10x EV/EBITDA de 2018, e entre 21 e 24 vezes o lucro do ano seguinte.) Na França, as duas maiores — a Suez e a Veolia — têm 80% do mercado, e são ambas listadas.