Warren Buffett é um crítico contumaz dos bônus milionários no mundo corporativo em geral, e em Wall Street em particular.

Mas nesta sexta, documentos divulgados pelos National Archives dos EUA trouxeram a público uma longa discussão de Buffett sobre o assunto.Warren Buffett

Trechos dos documentos, publicados hoje à tarde pelo Business Insider, mostram uma conversa de Buffett com membros da Financial Crisis Inquiry Commission, criada pelo Congresso americano para investigar as causas da crise de 2008.

Buffett acha que a estrutura de remuneração dos CEOs contribuiu para a crise sistêmica ao permitir que eles tomassem o máximo de risco sem sofrerem punição proporcional em caso de fracasso.

“Bem, é perfeitamente compreensível. Quer dizer, você tem um CEO que se preocupa enormemente com a sua compensação. Você tem um comitê de remuneração que se reúne, talvez, por algumas horas a cada reunião. Você tem um vice-presidente de recursos humanos que se reporta ao CEO e que provavelmente sugere um consultor de remuneração — [ora], um consultor de remuneração que seja draconiano não vai ser muito contratado por aí, nem será muito inovador do lado do conservadorismo.

“Eu estava na Salomon [Buffett foi investidor da Salmon Brothers nos anos 80 e 90]. E a natureza da coisa é que, em geral, Wall Street ganha muito dinheiro comparado ao número de pessoas envolvidas, ao QI das pessoas envolvidas, e comparado à energia gasta. Eles trabalham duro, eles são brilhantes, mas eles não são — eles não trabalham de forma tão mais dura ou tão mais brilhante do que alguém que esteja construindo uma barragem em algum lugar, ou trabalhando em um monte de outros empregos.

“Os sistemas de mercado produzem resultados estranhos e Wall Street — em geral, os mercados de capitais são tão grandes, há tanto dinheiro envolvido que receber [mesmo] um pequeno percentual resulta em uma enorme quantidade de dinheiro per capita em termos das pessoas que trabalham ali. E eles não estão inclinados a desistir disso.”

Buffett reconhece que remunerar bem, mas evitando excessos, é “um problema difícil de gestão.”

“A maior parte da compensação [é] a dos traders, você sabe. E eles têm o que eles chamam de ‘a opção dos traders’. Eles só têm o upside. Se eles têm um bom ano, se eles têm um ano ruim, você sabe, eles podem ter outro bom no próximo ano… Eles podem ir para outra firma. Mas eles realmente — os seus interesses não estão alinhados totalmente com os dos acionistas.”

Buffett então sugere uma solução que permitiria aos executivos continuar ganhando cifras astronômicas, mas faria seu patrimônio virar pó quando as empresas tiverem que ser socorridas com dinheiro público.

“Se você está preocupado com os Bear Stearns do mundo, [você deveria] ter um arranjo de modo que, se eles alguma vez tiverem que ir ao governo federal para pedir ajuda, o CEO e sua esposa ficariam sem nada. E eu acho que pode ser feito. Talvez a mulher [ou o marido] fizesse um policiamento melhor que o regulador.”

O debate sobre remuneração de CEOs está pegando fogo nos EUA porque a distância entre eles e o trabalhador médio de suas empresas nunca foi tão grande. (No Brasil, há relativamente poucas empresas de capital pulverizado com CEOs profissionais, tornando o assunto menos palpitante.)

O site Glassdoor usou dados de 441 empresas do S&P 500 e descobriu que, na média, um CEO americano ganha hoje 204 vezes mais do que a mediana dos funcionários da empresa. A partir do ano que vem, as empresas americanas terão que reportar esta comparação à Securities & Exchange Commission (SEC).

Quem defende o sistema de compensação atual (e seus excessos) diz que os CEOs são regiamente remunerados ‘porque são eles que geram riqueza’ — uma meia-verdade que desconsidera toda a complexidade da vida empresarial e a captura, por alguns CEOs, dos comitês e pessoas encarregadas de tomar a decisão, como disse Buffett.

É impossível medir, de forma científica, o crédito que um CEO deveria receber pelo sucesso de sua empresa durante um período específico. Algumas empresas vão bem por causa do ciclo econômico, outras se beneficiam do ciclo de seu setor, e outras vêm sua ação subir graças à expansão de múltiplos que os investidores estão dispostos a pagar por ela — uma decisão discricionária baseada em ’n’ fatores, incluindo a qualidade da gestão.

Buffett é uma das raras vozes — com um histórico impecável de bom senso — a botar o dedo na ferida, num debate que ainda deve durar muito.