Imagine que você sempre faz o mesmo trajeto para se deslocar da sua casa ao escritório. A cada dia, um novo obstáculo surge em seu caminho – alagamentos, obras, acidentes, interdições.

Você precisa acomodar as mudanças e permanecer estável em meio às interrupções, sendo capaz de chegar ao mesmo destino, no tempo certo, a despeito dos desvios. Em outras palavras, você precisa de resiliência para suportar, adaptar e progredir diante de choques internos e externos, conhecidos e desconhecidos.

Com as cadeias de suprimentos a lógica é parecida – e bem mais complexa.

As disrupções cada vez mais frequentes – incluindo recentemente a pandemia, a guerra na Ucrânia e os eventos climáticos extremos – somadas às pressões de governos e consumidores por soluções mais verdes, trouxeram ao topo da agenda de CEOs, COOs e lideranças de operações a urgência de construir uma infraestrutura que permita às empresas lidar mais rapidamente com mudanças.

Uma pesquisa do McKinsey Global Institute evidencia a relevância do assunto: expostos às vulnerabilidades, setores com cadeias complexas perderão, em média, 40% do seu lucro de um ano ao longo de uma década caso não desenvolvam os recursos necessários para enfrentar contextos cada vez mais instáveis. Em certas indústrias, como aeroespacial e automobilística, esse percentual é significativamente maior, podendo chegar a 67% e 56%, respectivamente. Diante deste cenário, a cadeia de suprimentos atual almeja aumentar sua produtividade e resiliência para contornar os imprevistos, ter maior visibilidade e descarbonizar as operações. Ou seja, pede opções flexíveis que permitam tomadas de decisão ágeis e otimizadas.

No desafio do início deste artigo, a tecnologia seria instrumento fundamental para recalcular com rapidez, visibilidade e otimização uma nova rota com destino ao escritório, com papel decisivo dos aplicativos de mobilidade. Para as cadeias de suprimentos, a resposta para a resiliência também está no digital, com papel decisivo da analítica avançada, da automação e das demais ferramentas tecnológicas.

McKinsey Supply Chain 01 v2

 

O santo graal da cadeia de suprimentos: visibilidade

Os setores mais afetados pelas disrupções são aqueles com cadeias de suprimentos muito globalizadas, ciclos longos e alta complexidade devido à quantidade e ao tipo de insumos. O agronegócio e a mineração, por exemplo, têm fluxos globais com longos ciclos e prazos de entrega. Já setores como o aeroespacial e o automotivo apresentam grande complexidade em número e tipo de componentes, também com fontes de fornecimento globalizadas.

Ter visibilidade das operações, com vários graus de detalhamento, é o santo graal da cadeia de suprimentos. A liderança das empresas precisa ser capaz de ver os riscos tanto na cadeia de fornecimento (upstream) quanto na distribuição até os clientes (downstream), para saber como enfrentar os cenários mais prováveis.

Para obter eficiência e resiliência ao longo do tempo, é preciso fazer uma reavaliação contínua que depende da indústria e do ecossistema envolvido. De modo geral, uma cadeia com um super desempenho, ou seja, com a maior qualidade e o menor custo possível, é também a de maior risco. Já uma cadeia super resiliente, com segundas e até terceiras opções de segurança, será muito cara.

Então, para equilibrar resiliência e eficiência, é preciso tomar decisões estratégicas com base em fatos e ter a maior visibilidade possível – uma visão de ponta a ponta com o máximo de transparência, precisão e granularidade. Sem esquecer da agilidade, pois tudo acontece cada vez mais rápido.

Se a disponibilidade de dados é crucial, organizar uma quantidade tão grande de dados não é fácil. Não é à toa que a cadeia de suprimentos foi considerada por muito tempo um assunto pouco atraente – necessário, mas que recebe atenção dos líderes somente quando as coisas dão errado. É preciso haver uma mudança de paradigma.

A solução para a visibilidade é digital

Cadeias de suprimentos complexas apresentam grande número de variáveis. Uma visibilidade de ponta a ponta normalmente requer alta frequência na atualização de dados, seja em tempo real ou em curtos espaços de tempo. Mas para a maioria das empresas, a base de dados é estática e com longos períodos de intervalo para atualização, o que leva a uma tomada – lenta – de decisões com base sobretudo na experiência e em ferramentas incipientes.

Além de dar visibilidade às operações, as soluções digitais para gerenciamento da cadeia de suprimentos são capazes de analisar grandes volumes de dados, entender relações entre eles e recomendar cenários ótimos.

Modelos preditivos ajudam a entender causas e efeitos, aprender com dados anteriores para construir previsões e calcular rapidamente milhares de possibilidades. Assim, tecnologia digital e analítica avançada permitem tomadas de decisão melhores e mais eficientes, evitando complexidade desnecessária e boa parte do trabalho manual típico da área.

Soluções para diferentes cadeias podem demandar diferentes produtos digitais. Para desenvolver, configurar e realizar a manutenção dessa engrenagem tecnológica, as empresas precisam em geral trabalhar com um ecossistema de parceiros externos enquanto desenvolvem suas próprias capacidades digitais.

McKinsey Supply Chain 02

Fatores de sucesso na digitalização das cadeias

Antes de tudo, é importante enfatizar que a tecnologia é um meio, e não um fim. Para ter sucesso em uma transformação tecnológica da cadeia de suprimentos, são três os principais fatores:

  1. Mapear e desenhar um conjunto de soluções digitais adequadas aos desafios do negócio e focadas na criação de valor à empresa (se não existe impacto, o foco está equivocado).
  2. Criar processos eficientes e capacitar as pessoas que vão lidar com as novas tecnologias, pois será preciso reunir muitas partes interessadas e alinhar expectativas e capacidades gerais. No fundo, a capacitação é tão importante quanto a tecnologia escolhida.
  3. Assegurar que a arquitetura tecnólogica e de dados seja estruturada de forma a suportar as ferramentas digitais e de analítica avançada.

Na jornada da digitalização, líderes devem definir duas frentes para iniciar o trabalho, uma interna e outra externa.

Na frente de otimizações internas, é preciso:

  1. Expandir a função de risco para mapear e dar transparência às vulnerabilidades ao longo da cadeia de suprimentos. Com informações mais precisas, os elos mais expostos tornam-se capazes de criar processos e soluções para potenciais problemas.
  2. Aprender a incorporar a análise estratégica de vários cenários no planejamento de vendas e operações, possibilitando rápida mudança de rota quando algo diferente do previsto acontecer.
  3. Estabelecer processos ágeis, que consigam responder mais rápido aos choques – se sua organização ainda não se reconfigurou via metodologia ágil, esse pode ser um bom momento para fazê-lo.

Já a frente de processos externos à empresa envolve abordar a cadeia de fornecedores. Para tanto, é necessário:

  1. Revisar a estratégia de fornecimento de componentes, considerando as possibilidades de dual ou multisourcing, nearshoring e/ou verticalização.
  2. Revisar a estratégia logística, seja própria ou terceirizada.

Para conseguir implantar ferramentas digitais e de analítica avançada, as empresas precisarão necessariamente abordar sua infraestrutura e disponibilidade de dados. Nesse momento, muitos líderes ficam com a sensação de que não possuem ainda todas as informações, e isso posterga ainda mais a implantação.

Na verdade, é bem provável que nenhuma empresa tenha dados perfeitos. No entanto, para começar, basta dispor de um mínimo necessário capaz de fornecer informações confiáveis para a tomada de decisões.

Tecnologia como catalizadora de cadeias mais verdes

O processo de transformação tecnológica também deve ser visto como catalizador de descarbonização das cadeias de suprimentos. As emissões provenientes das operações de terceiros podem representar mais de 50% das emissões totais, a depender do setor. Como envolvem múltiplos stakeholders, as medidas para sua redução são mais complexas.

Para tanto, é preciso formar alianças e manter o engajamento de um processo com duração de vários anos. Além de acordar sobre a maneira de contabilizar o carbono, de modo a atender às necessidades específicas de cada setor, é preciso garantir a qualidade e confiabilidade essenciais dos dados secundários, com granularidade suficiente sobre os produtos e matérias-primas. E as ferramentas digitais são grandes aliadas deste processo de mapeamento, monitoramento e otimização da pegada de carbono.

Como gerir as mudanças

O processo de transformação exige que todos os envolvidos estejam convictos sobre a importância da mudança para o negócio e sobre o caminho escolhido para alcançar os objetivos.

A narrativa da mudança deve ser capitaneada pela alta liderança, o que é importante para engajar os colaboradores – que precisam estar envolvidos desde o início do projeto até a implantação das ferramentas, pois são parte da solução e precisam ser e se sentirem ouvidos. Evidentemente, eles também devem receber a capacitação necessária para operar as ferramentas e utilizá-las nas tomadas de decisão do dia a dia.

Mas, é preciso ter cuidado: líderes ansiosos por essa transformação não devem se deixar inebriar pela tecnologia, esquecendo de todo o resto. Com foco no valor em jogo e alinhando incentivos da empresa à transformação digital, em breve a vida de todos os envolvidos na cadeia de suprimentos pode se tornar mais eficiente, recompensadora e resiliente.

***

Nesta sexta-feira, no próximo episódio do McKinsey Talks, falaremos sobre sustentabilidade e o papel da tecnologia como catalisadora da descarbonização das cadeias de suprimentos. Para assistir em primeira mão, inscreva-se aqui.

Heloisa Callegaro é sócia sênior da McKinsey & Company e líder da prática de operações na América Latina.
Lapo Mori é sócio em Denver (EUA) e referência global em transformações de supply chain.
Edson Guimarães é sócio associado, expert e líder da prática de supply chain no Brasil.

Siga o Brazil Journal no Instagram

Seguir