Alguns setores inovam mais rapidamente, outros menos, e não à toa. Na agricultura, inovar é desafiador – embora sua versão moderna, com fertilizantes e defensivos, seja uma realidade pós Segunda Guerra, muito do que se pratica em agricultura hoje tem aspectos milenares. Se, por um lado, certas práticas são difíceis de mudar, por outro, o potencial disruptivo das inovações na agricultura é o que distingue as grandes eras da História.

As duas grandes frentes de inovação no agro atualmente são o uso de tecnologia digital no campo e o desenvolvimento de técnicas sustentáveis. Na primeira, as restrições impostas pela pandemia abriram possibilidades até então inéditas ou incipientes. Na segunda, fica cada vez mais evidente que, além de crucial para o garantir o futuro das próximas gerações neste planeta, a sustentabilidade pode trazer uma combinação de maior rendimento por hectare e custos mais baixos de produção, além de outros benefícios como captura do carbono, saúde do solo e o retorno da biodiversidade.

Entre os objetivos da pesquisa “A mente do agricultor brasileiro”, realizada em 2022 pela McKinsey pelo terceiro ano consecutivo, está entender o que pensam esses agricultores e como estão tomando decisões considerando esses dois temas.

Abordagem híbrida, com interações presenciais e digitais, prevalece, mas o online ainda pode crescer mais   

Em linha com a tendência observada nos Estados Unidos e na Europa, e de forma semelhante à maioria dos setores B2B, o estudo revelou que a preferência por interações digitais no agro se estabilizou em cerca de 41% após uma aceleração que levou a um pico na pandemia. É interessante notar, no entanto, que há queda na preferência pelo digital entre os grandes produtores, mas entre os pequenos, essa preferência subiu. Hoje, a maioria dos agricultores mistura presencial e digital, e a abordagem híbrida prevalece tanto nas jornadas de compra como nas de venda. O presencial continua valorizado para um aconselhamento técnico mais específico, enquanto o online resolve bem as questões mais transacionais, como a recompra de produtos.

No digital, o agricultor brasileiro recorre principalmente ao WhatsApp, mas algumas plataformas de marketplace do agro começam a emergir como as mais citadas espontaneamente. A maior barreira para o crescimento dessas plataformas ainda é a confiança. Antes da pandemia, muitos consumidores ainda ficavam reticentes de inserir seus dados de cartão de crédito em um site de compras; no caso da compra e venda de produtos agrícolas, as transações são menos recorrentes – uma ou duas vezes ao ano – e com altos valores e quantidades, o que gera uma cautela maior. A melhoria da experiência e da navegabilidade do usuário podem ajudar a aumentar a confiança nessas plataformas digitais, que ganharam relevância em relação ao ano passado.

Cenário macroeconômico e geopolítico é volátil, mas otimismo permanece alto

Mesmo antes do conflito na Ucrânia, os preços de muitas commodities agrícolas, como soja, milho e grãos em geral, estavam em marcha de alta havia alguns anos – pandemia, eventos climáticos extremos e engargalamento de portos desajustaram sua oferta e demanda.

Com custos de insumos ainda elevados, as margens ficam menores. Não por acaso, em 2022 os produtores usaram menos barter e mais capital próprio, antecipando compras para correr menos riscos de fornecimento em 2022 e 2023. Entretanto, o agricultor brasileiro continua bastante otimista do ponto de vista de preços, margens e capitalização. Isso traz implicações interessantes sobre decisões de investimento em mais tecnologia e escolhas de financiamento em um cenário de taxas de juros mais altas para conter a inflação mundial crescente, que tende a reduzir os preços das commodities.

Tecnologia pode solucionar antigos problemas do agro

Entre os produtores de grãos brasileiros pesquisados, por exemplo, cerca de 50% usam maquinário para agricultura de precisão e cerca de 37% usam algum tipo de sensoriamento remoto; vários indicaram a intenção de investir ainda mais nesse tipo de equipamento. Ou seja, mesmo em tempos de alta volatilidade, em certas regiões e culturas, o apetite pelo investimento em maquinário e tecnologia pode continuar alto.

Os pioneiros em adotar tecnologias agrícolas tendem a ser, sobretudo, uma combinação de grandes e jovens produtores de grãos, principalmente na região de MATOPIBA – que concentra áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Além das iniciativas dos produtores, vemos muitos movimentos de tecnologia e inovação interessantes em outros players do setor de agro: fundos de Venture Capital focados em agricultura e alimentos; startups que conectam vendas na pecuária e criam identidades digitais de propriedades rurais, impressões digitais de produtos e score de risco de fazendas; uso de dados e imagens de satélites para melhorar a gestão do solo e dos recursos naturais e pesquisa em fertilizantes, defensivos e estimulantes biológicos.

Brasileiros lideram em sustentabilidade e podem ir muito além

O Brasil continua na vanguarda quanto à utilização de práticas sustentáveis de agricultura regenerativa. Plantio direto, plantação de cobertura, rotação de culturas e utilização de biológicos são práticas citadas com maior frequência pelos agricultores brasileiros quando comparadas com agricultores de outros países. Mas o que ainda não temos é um mercado de carbono, o qual, uma vez estruturado, pode destravar o enorme potencial inexplorado na agricultura brasileira para monetizar a sustentabilidade. Atualmente, apenas 6% dos produtores brasileiros afirmam participar de algum programa de crédito de carbono, metade do percentual de 12% observado na Europa, que ainda é baixo. Desenvolver esse mercado é complexo, pois muitas das agências reguladoras que atestam esses créditos utilizam padrões de países com clima temperado onde, culturalmente, essas práticas sustentáveis de manejo não são tão utilizadas quanto aqui.

Mas o grande potencial brasileiro provavelmente está no reflorestamento e na conversão de pastagens degradadas para um uso mais produtivo, como a ILPF (integração de lavoura, pecuária e floresta). Temos 75 milhões de hectares agrícolas no país e 160 milhões de hectares de pasto. Destes 160, pelo menos 50 milhões podem aumentar a produtividade agrícola e capturar carbono pela adoção do ILP/ILPF. Para isso acontecer, diversos atores estão se unindo para propor agendas regulatórias capazes de monetizar os créditos de carbono e o potencial total de sustentabilidade da agricultura brasileira.

Veremos muitas conversas sobre esses temas na COP 27, no Egito, em novembro. O setor agrícola brasileiro pode fazer uma enorme contribuição para a redução de emissões. Felizmente, e enfim, na relação entre preservação do planeta e produtividade do agro, o antagonismo está dando lugar à simbiose.

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Acesse aqui o report completo da pesquisa, e aqui a sessão do McKinsey Talks sobre o assunto.

Nelson Ferreira é sócio sênior da McKinsey & Company em São Paulo, onde Mikael Djanian é sócio. Agradecimentos especiais a Ana Luiza Mokodsi, gerente de projetos da McKinsey & Company.

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