O novo marco regulatório dos fundos de investimento entra hoje em vigor — inaugurando uma nova era para a indústria de fundos no Brasil.

A norma da CVM (batizada de Resolução 175) vai provocar uma profunda mudança de paradigma no setor ao transformar a estrutura dos fundos, destacar os interesses dos investidores e reorganizar as responsabilidades e os acordos entre profissionais do mercado.

Na avaliação da ANBIMA (a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais), a norma coloca o Brasil em pé de igualdade com os mercados mais avançados do mundo.

“A nova regulação é fruto de um trabalho colaborativo entre o regulador, a ANBIMA e o mercado. Traz uma série de aperfeiçoamentos para o setor, criando um intercâmbio com as boas práticas internacionais,” disse Carlos André, presidente da ANBIMA.

Ele destaca que o patrimônio líquido da indústria de fundos do Brasil saltou de R$ 2,7 trilhões em 2014, quando a Instrução 555 foi publicada, para R$ 8,1 trilhões em 2023. “A 175 cria as bases necessárias para acelerar ainda mais esse crescimento. Não há dúvidas de que tanto os investidores quanto os prestadores de serviços vão se beneficiar de uma indústria mais dinâmica, segura e eficiente.”

A 175 foi lapidada por mais de dois anos e substitui a Instrução 555 e outras 38 normas sobre fundos de investimento, reduzindo o espaço para divergências de interpretação e aumentando a segurança jurídica. A norma tem um formato inovador: é composta por regras gerais, que se aplicam a todos os fundos, e por anexos normativos, cada um dedicado a uma categoria de fundo para contemplar as especificidades de cada produto.

Com exceção do anexo de Fiagros (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio), que deve ser editado ainda este ano, todos os outros já foram publicados e trazem conjuntos de regras para FIFs (Fundos de Investimento Financeiro), FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), ETFs (Exchange Traded Funds), FIPs (Fundos de Investimento em Participações), FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário), entre outros.

“O novo marco utilizou técnica normativa inédita ao adotar normas gerais, suplementadas por anexos normativos para cada categoria de fundo,” diz João Pedro Nascimento, presidente da CVM. “Consolidamos 39 normas em um arcabouço único e integrado, que contribui para o constante desenvolvimento e crescimento da indústria de fundos de investimento.”

Inovações para o mercado e os investidores

Além de consolidar e simplificar a regulação, a 175 acomoda inovações como as mudanças nas responsabilidades dos prestadores de serviços. A norma delimita de forma mais clara o papel do gestor e do administrador: ambos passam a ser considerados prestadores de serviços essenciais, porém cada um é responsável pelo que está dentro de sua esfera de atuação – são os gestores, por exemplo, que devem contratar os distribuidores agora. Há algumas corresponsabilidades entre eles relacionadas à constituição, ao registro e à supervisão do fundo.

A nova regulação também promove mais segurança para os cotistas. Agora, os fundos poderão, por exemplo, limitar a responsabilidade de seus investidores, de forma a evitar que eles sejam obrigados a fazer aportes acima do valor que investiram se o patrimônio líquido ficar negativo. Caso isso aconteça, gestor e administrador deverão elaborar um plano de resolução e aprová-lo com os cotistas – porém, a assembleia pode optar por declarar insolvência, o que também é uma novidade trazida pela norma.

A democratização do mercado é outro ponto relevante. Zeca Doherty, diretor-executivo da ANBIMA, destaca a autorização para que investidores de varejo invistam em FIDCs, antes restritos para aqueles com mais de R$ 1 milhão em aplicações. “São passos muito importantes para a indústria de fundos brasileira.”

“Desde que o investidor entenda o seu perfil de risco e tenha o conhecimento necessário sobre os produtos disponíveis no mercado, não deveriam existir barreiras financeiras que limitem a sua escolha. Isso é positivo para todo o setor – enquanto o investidor consegue diversificar mais o portfólio, as instituições têm a possibilidade de captar recursos com mais pessoas,” avalia Doherty.

Nessa mesma linha de diversificação dos portfólios e de atração de novos investidores, a norma estabelece que créditos de carbono, CBIOs (créditos de descarbonização) e criptoativos são ativos financeiros. Logo, podem fazer parte das carteiras dos FIFs.

Também permite que alguns fundos invistam até 100% do seu patrimônio no exterior, desde que atendam a uma série de requisitos. O diretor da ANBIMA Giuliano De Marchi explica que essa flexibilização foi um passo importante para a indústria e que a ANBIMA está conduzindo conversas com a CVM para avançar ainda mais nesta agenda.

“Queremos eliminar qualquer segregação entre investimentos locais e internacionais para que não existam restrições para os fundos destinados ao varejo investirem lá fora. Por isso, estamos construindo uma base de dados que trará mais transparência sobre as carteiras desses fundos e permitirá que a CVM considere essa possibilidade,” disse o executivo.

Mais mudanças a caminho

Grande parte da Resolução 175 entra em vigor agora. Porém, existem mudanças que passarão a valer apenas em abril de 2024. Essa decisão considera o tempo necessário para a adaptação das instituições.

Uma das principais novidades da norma que se enquadra nesta categoria é a nova estrutura multiclasses dos fundos. Essa estrutura prevê classes de cotas com direitos, obrigações e CNPJs próprios, além de patrimônio segregado para evitar contaminações em eventuais insolvências. Abaixo delas, as subclasses poderão se diferenciar de diversas formas, como por público-alvo, prazos, condições de aplicação e de amortização, requisitos para resgate e taxas de administração e de saída.

Pedro Rudge, vice-presidente da ANBIMA, diz que, na prática, a estrutura multiclasses abre espaço para estratégias de investimento mais sofisticadas e aumenta a eficiência e a flexibilidade operacional do fundo. “Vejo ganhos na flexibilização da estratégia de investimento. As classes e subclasses tendem a acabar com a estrutura master-feeder, teremos a migração dos fundos feeder para as subclasses. Além da redução de risco e de esforço operacional, potencialmente haverá economia de gastos após todas as estruturas terem sido devidamente adaptadas, o que, no final do dia, beneficia o cotista,” diz Rudge.

A remodelagem dos acordos de remuneração é outro ponto primordial para os prestadores de serviços que só entra em vigor em abril de 2024. Com a nova norma, os fundos terão que informar separadamente as três taxas pagas pelos investidores (gestão, administração e máxima de distribuição), agregando mais transparência nos custos. O rebate como é conhecido hoje também passará a ser vedado, e os ganhos deverão ser direcionados para o próprio fundo.

“De modo geral, a 175 surpreendeu positivamente o mercado ao promover mudanças aguardadas ansiosamente pelos players. Há desafios comuns a qualquer adaptação de uma regra deste porte, mas teremos ganhos expressivos no longo prazo,” afirma André.

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