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No apagar das luzes de 2024, o noticiário econômico do País foi dominado por reportagens e análises sobre um mesmo tema: o fiscal. O debate foi motivado pelo anúncio do aguardado pacote de corte de gastos, realizado pelo Governo Federal.
O número apresentado à época, uma economia potencial de R$ 71,9 bilhões até 2026, foi considerado tímido frente ao montante necessário para zerar o déficit fiscal e evitar uma economia em descompasso. Sem a percepção de uma âncora fiscal, ou seja, sem um teto de gastos plausível, a política monetária precisa atuar sozinha no controle da inflação, o que requer medidas mais duras.
Foi nesse contexto que o Copom do Banco Central do Brasil comunicou, em sua reunião de dezembro, um aumento da Selic para 12,25% ao ano. No comunicado, a autoridade também sinalizou mais duas altas de um ponto percentual nas próximas duas reuniões, mencionando o cenário adverso para a convergência da inflação como motivador.
Na avaliação de Pedro Grimaldi, head of Brazil strategy do Bradesco BBI, a subida dos juros não deve parar por aí.
A equipe econômica do Bradesco BBI acredita que a Selic sofra mais uma alta de um ponto percentual no 2º trimestre. Com isso, a taxa de juros deve chegar a 15,25%.
“Juros mais altos colocam a economia em um campo restritivo, o que significa desaceleração da economia e contenção da inflação. Se isso se concretizar, devemos ter espaço para um primeiro corte na Selic, de 50 pontos-base, no 4º trimestre, fechando o ano com uma taxa de 14,75%,” disse.
A expectativa do Bradesco BBI é de um IPCA em 5,7% em 2025, acima do intervalo de tolerância da meta, mas que desacelera em 2026, desacelerando também por conta dos juros mais altos. A política monetária mais contracionista também deve impactar a atividade econômica brasileira, que deve encerrar o ano com um PIB real de 1,9%.
Já o câmbio, que sofreu uma forte desvalorização em 2024, apresentou bom desempenho no início de 2025, mas ainda carrega incertezas para o restante do ano.
“No final do ano passado, além do impacto das incertezas fiscais, houve uma remessa grande de empresas enviando dinheiro para suas matrizes, mas esse fluxo cessou na virada do ano,” disse Pedro. “Outro fator importante foi um ambiente externo mais favorável após a posse do presidente Trump nos EUA. Esses fatores aliviaram as pressões no câmbio.”
Outro debate que acabou dominando o cenário nesse início de ano é sobre a popularidade do governo. Usualmente, o terceiro ano é aquele em que os governantes brasileiros apresentam os menores índices de popularidade.
Caso essa tendência não se reverta, segundo Pedro, o País pode ter novos desafios para as políticas monetárias e fiscais.
“Dessa vez, os mercados parecem estar antecipando o debate eleitoral além do usual, o que geralmente ocorre no ano de vigência das eleições,” disse Pedro.
Ventos que vêm de fora
No campo da economia internacional, os olhos do mercado estarão voltados, principalmente, para os Estados Unidos. O Federal Reserve deve aguardar os anúncios do novo presidente, Donald Trump, e possíveis mudanças nas políticas comerciais e impactos projetados sobre a inflação e a atividade econômica para avaliar a condução da política monetária.
Sobre a proposta de tarifas de importação que vem sendo implementada pelo mandatário, Pedro vê duas possíveis motivações por trás da medida.
Uma primeira explicação seria o uso dessas tarifas como instrumento de negociação para atingir determinadas metas. Assim, elas podem entram em vigor, mas seriam reduzidas conforme o atingimento dos objetivos
No entanto, caso a medida vise compensar um eventual corte de impostos para empresas, outra promessa de campanha, as tarifas podem ter vida longa.
Uma das implicações desse cenário é um dólar mais forte, o que pode se traduzir em desafios para as commodities, que são precificadas em dólar, mas compradas na moeda local. Para o Brasil, grande exportador de commodities, isso pode significar impacto na balança comercial.
De toda maneira, de acordo com o executivo, o debate em relação as tarifas de importação e eventuais mecanismos de compensação devem seguir ocupando as agendas ao longo do ano.
Pedro acrescenta que uma imposição de tarifas mais agressivas à China, principal concorrente dos Estados Unidos, pode trazer uma camada adicional de desafios para a economia brasileira, que tem no país asiático seu maior parceiro comercial.
“O governo chinês parece estar disposto a não medir esforços para estabilizar o crescimento da economia. Logo, é preciso ver qual será a resposta chinesa a essa política tarifária, se mais estímulos, financiamento ao consumo. Ainda é um cenário incerto,” disse.
Bolsa em dois atos
Usualmente, as conversas de profissionais do mercado de ações se dão em torno da expectativa de lucro das empresas.
Mas 2025, segundo Pedro, será um ano atípico, com discussões centradas na conjuntura macroeconômica interna e externa e no custo de capital para o médio e longo prazo.
“Apesar de entendermos que muitos papéis tiveram queda e apresentam um valuation interessante, a questão do custo de capital para as empresas, que é afetado pelos juros altos, será o principal driver esse ano,” disse.
“Mas quando os investidores avaliarem que o juro fez um pico e deve começar a cair, o apetite ao risco volta e a bolsa ganha tração, devendo atrair, inclusive, os estrangeiros,” complementa.
A possível mudança na trajetória da taxa de juros ao longo do ano e o desenrolar da política econômica externa, sobretudo a nova administração dos Estados Unidos, criam dois cenários para esse ano.
Enquanto o primeiro semestre deve ser marcado por dúvidas, a expectativa é que o segundo seja de mais clareza em relação ao caminho a ser seguido nas estratégias de investimento.
Para navegar nesses cenários, Pedro recomenda carteiras de ações com características distintas.
Enquanto a incerteza predominar, a recomendação são papéis de exportadoras, que se beneficiam de um câmbio depreciado; de setores defensivos, com capacidade de repasse da inflação, como utilities, shopping centers e empresas de tecnologia de software; e de companhias que tenham alavancas próprias para preservar ou aumentar a margem em períodos mais conturbados.
Após o início dos cortes nos juros, que deve ocorrer apenas no último trimestre do ano, a sugestão é optar por empresas mais alavancadas, com duration mais longa e sensíveis a juros, caso de algumas empresas nos setores de varejo e consumo discricionário.
Mas Pedro lembra que o caminho à frente ainda é bastante incerto e, por ora, a melhor postura é a defensiva e ir adicionando risco as carteiras a medida que o cenário fique mais claro.