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O mercado brasileiro de combustíveis vem sendo alvo de organizações criminosas que adulteram combustíveis e sonegam impostos.
O custo disso é altíssimo. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizado em 2021 estima em R$30 bilhões o prejuízo anual com irregularidades no setor – cerca de R$ 14 bilhões em sonegação e inadimplência e outros R$ 15,6 bilhões de perdas operacionais, como adulteração.
Isso prejudica toda a cadeia (e a economia brasileira): as empresas idôneas vendem menos, o que faz os governos terem menores arrecadações e os consumidores adquirem um combustível de pior qualidade.
No ano passado, os autos de infração relacionados à adulteração de combustível emitidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) atingiram recorde desde que começaram a ser aferidos, há sete anos. Foram 187 infrações, um aumento de 73,5% em relação a 2022.
Uma investigação do Ministério Público de São Paulo concluída em junho deste ano revelou que um único empresário controlava mais de 50 empresas do setor, registradas em nome de laranjas, onde praticava diferentes tipos de fraude. O crime foi tema de reportagens veiculadas na imprensa.
O esquema criminoso foi investigado entre 2020 e 2021 e consistia em fazer com que a nafta, matéria-prima importada que pode ser utilizada para produção de gasolina, entrasse no Brasil pelo Tocantins, onde o imposto de importação era de 1% (em São Paulo, o imposto é de 25%).
Isso permitia que a gasolina produzida fosse muito mais barata do que o combustível que paga os impostos regularmente em São Paulo, gerando lucros muito fora do padrão para a organização criminosa. Para se ter ideia da proporção, a gasolina poderia ser R$ 1 por litro mais barata, num setor em que a margem é de cerca de R$ 0,15 por litro.
Para Rodrigo Marinho, diretor-executivo do Instituto Livre Mercado, a infiltração do crime organizado na cadeia de combustíveis é muito preocupante, pois gera prejuízo para a consumidores finais.
“Essa conta sobra sempre para o brasileiro, que batalhou para ter um veículo próprio e locomover-se com mais conforto,” disse. “É o consumidor que acaba desembolsando altos valores nas bombas de combustíveis, sem controle da qualidade do produto.”
A competitividade no mercado também é afetada pela prática do “devedor contumaz”.
Isso acontece quando empresas que operam legalmente sonegam impostos e acumulam débitos fiscais em períodos de quatro a seis anos. Depois, ao serem cobradas judicialmente, recorrem e impedem que os estados consigam arrecadar os débitos cobrados nos processos.
Quando o julgamento chega perto do fim, as empresas são fechadas, mas retornam ao mercado com novos CNPJs.
“Hoje, não vemos caminhos para estancar as fraudes antes dos criminosos realizarem a lavagem de dinheiro,” disse Marinho. “O governo também sai no prejuízo, pois não consegue recolher milhões de reais em impostos sonegados desses devedores contumazes.”
Dos 20 milhões de CNPJs registrados no Brasil, cerca de 1.000 são de devedores contumazes. Apesar do número pequeno em relação ao todo, eles são responsáveis por perdas na arrecadação da Receita Federal na ordem de R$ 200 bilhões.
Presente em diversos setores da economia, o devedor contumaz é especialmente ativo entre distribuidoras de petróleo. O valor da dívida ativa inscrita somente do ICMS de empresas de combustíveis é superior a R$ 65 bilhões. Embora os estados costumem ganhar mais de 90% das ações judiciais de cobrança, eles recebem somente 1% do valor.
Nos últimos sete anos, três projetos de lei foram propostos para impedir as ações de pessoas e empresas que fazem da sonegação seu modelo de negócio.
O mais completo é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 164/2022, que aperfeiçoa os mecanismos de combate às práticas ilegais e diferencia o empresário que cumpre suas obrigações tributárias do devedor contumaz.
Segundo o Instituto Combustível Legal (ICL), entidade que representa empresas do setor, no primeiro bimestre de 2024, a sonegação já somava R$ 2,2 bilhões. As perdas têm um grande impacto na economia brasileira, considerando que o setor é o maior contribuinte do país. Projeções da FGV indicam que zerar a sonegação do setor evitaria prejuízos de R$ 178 bilhões em 10 anos.
“A sonegação de impostos feita de forma reiterada cria uma concorrência desleal no mercado, afetando diretamente as empresas sérias, a geração de empregos e a economia no país de forma mais ampla,” disse Marinho.
“Além disso, isso acarreta insegurança jurídica. Importantes players deixam de atuar no Brasil por saberem que para operar no nosso mercado vão ter que concorrer com esse devedor contumaz.”
A gravidade dessa situação não se limita apenas ao ambiente empresarial, mas também se estende aos serviços públicos essenciais, onde os prejuízos são ainda mais evidentes.
“Infelizmente, os maiores danos acabam sendo refletidos na ponta, com a falta de investimentos na saúde, educação e na segurança pública. Por isso, o combate a essa prática de crime precisa de urgência,” disse Marinho.