Nossa mais recente pesquisa mostra que a abordagem comercial das principais empresas de bens de consumo da América Latina é ágil, colaborativa, baseada em dados e digital.

Mesmo antes da pandemia provocar a disrupção das economias ao redor do mundo, os países latino-americanos já enfrentavam um cenário de crescimento desafiador. Em 2019, o crescimento real do PIB do México foi quase zero, enquanto o do Brasil foi de 1,1%; a taxa de inflação da Argentina foi superior a 50%; e toda a região experimentou alta volatilidade cambial. A crise da COVID-19 apenas exacerbou os desafios: estima-se que os mercados latino-americanos sofrerão forte contração, e terão pela frente uma recuperação prolongada.

Além da realidade econômica adversa, as empresas de bens de consumo da região também têm que lidara com mudanças nos seus consumidores. Comportamentos novos e potencialmente “permanentes” dos consumidores surgiram em resposta à pandemia, e em decorrência da imposição de distanciamento social. Por exemplo, os consumidores passaram a dar muito mais importância ao “custo-benefício” – calcula-se que até 40% trocaram suas marcas e lojas preferidas por outras mais acessíveis. Isso criou um “choque de lealdade”, pois cerca de 30% dos que mudaram de marca ou varejista não pretendem mudar de volta.

Os consumidores também estão indo a supermercados com menos frequência. Com isso, mudaram também sua missão na loja e a cesta de produtos que adquirem. A migração para o e-commerce e para canais digitais acelerou: 17% dos consumidores experimentaram entregas em domicílio pela primeira vez ou estão utilizando esse serviço com mais frequência durante a pandemia. Por sua vez, consumidores que optam por fazer compras em lojas físicas têm mostrado preferência por atacarejos e pequenos comércios da vizinhança. E estão cada vez mais preocupados com saúde e com higiene no ato da compra.

Nesse contexto, capturar o crescimento orgânico é mais importante – e talvez mais difícil – do que nunca. Como as empresas de bens de consumo desejam crescer, é fundamental avaliar suas principais capacitações comerciais e o papel que essas elas terão durante e após a crise. Os líderes em consumo estão se perguntando: Como posso fortalecer as práticas comerciais de minha empresa para manter o crescimento de forma lucrativa no novo normal? E, em um momento de tanta incerteza, quais são as práticas “consagradas” que devem ser reforçadas?

Algumas respostas emergem do estudo de Benchmarking de Excelência Comercial recém publicado pela McKinsey em parceria com a Nielsen. Esse estudo é executado periodicamente desde 1978; nesta rodada, pesquisamos 36 empresas de bens de consumo da região, e analisamos o que as “vencedoras” (aquelas que tiveram maior crescimento de vendas em suas categorias, e superaram seus pares em uma ou mais métricas comerciais) estão fazendo de diferente.

Quantificando o valor da excelência comercial

O Benchmarking de Excelência Comercial mostra que as vendas das empresas vencedoras cresceram até 7 pontos percentuais mais que as das demais. Essas empresas também reduziram as despesas como percentual das vendas líquidas em inúmeras dimensões.

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Ao compararmos os resultados deste estudo com os de anos anteriores, verificamos que as empresas de bens de consumo da América Latina fizeram enorme progresso em certas áreas, mas continuam atrás em outras. A inovação, em particular, continua sendo um ponto fraco entre as empresas da região.

Seis práticas que levam a uma performance superior

Como as empresas latino-americanas de bens de consumo com melhor desempenho estão se diferenciando? Elas vêm implementando seis práticas em todas as suas funções comerciais.

Tomar decisões sobre portfólios com base em dados

Em vista das mudanças dinâmicas no comportamento do consumidor durante a crise da COVID-19 – em particular, a migração da demanda para novas ocasiões de consumo, novas embalagens, novos níveis de preços, e produtos saudáveis e de origem local –, é ainda mais importante ter uma cadência disciplinada para revisar o portfólio de SKUs. Segundo o Benchmarking de Excelência Comercial, todas as empresas vencedoras avaliam seus portfólios pelo menos uma vez por ano. Em comparação, 21% das demais empresas realizam esse tipo de avaliação com frequência menor ou sem uma cadência específica.

Além disso, as empresas vencedoras realizam vários tipos de análises quantitativas para garantir que estão capturando insights dos consumidores e compradores. Por exemplo, todas as vencedoras entendem e analisam a elasticidade de preços, a maior parte delas monitora a imagem e saúde de suas marcas, e utilizam análises como conjoint para entender a consideração e escolhas dos consumidores.

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Priorizar a agilidade em marketing digital

Como em outras regiões do mundo, o cenário de marketing na América Latina está se tornando digital, e a crise da COVID-19 acelerou essa mudança. O Facebook tem penetração superior a 90% entre usuários da internet na América Latina[1] – mais do que em outras regiões desenvolvidas e em desenvolvimento; somente o Brasil e o México têm mais de 200 milhões de usuários. A mídia social é a principal alavanca de marketing digital para todas as empresas de bens de consumo pesquisadas. A diferença entre as empresas vencedoras é que dedicam aos canais digitais uma parcela do orçamento de marketing duas vezes maior do que a das demais empresas.

O marketing digital é uma função independente em quase 90% das empresas vencedoras, mas apenas em 50% das demais. Dito isso, em um ambiente em rápida transformação que exige dinamismo com os clientes, não basta ter uma equipe exclusiva de marketing digital; a equipe também tem de ser ágil.

Nas empresas vencedoras, war rooms ágeis (também conhecidos como gabinetes de acompanhamento ou centros de comando) são responsáveis por uma gama maior de atividades de marketing. Há equipes internas dedicadas a testar promoções e campanhas de marketing, e esses testes têm uma frequência maior do que nas empresas não vencedoras. Além disso, como as empresas vencedoras de bens de consumo sempre adotam práticas ágeis de marketing digital, elas são capazes de aprender mais rápido à medida que o setor vai adquirindo maturidade digital.

As vencedoras também estão mais adiantadas em personalização: 43% delas têm plataformas de dados com uma visão 360 graus de seus consumidores (contra 18% das demais). Além disso, as vencedoras já enviam conteúdo personalizado e promoções para 23% de seus consumidores, algo que apenas 12% das demais fazem.

Gerenciar os preços com base em analytics avançadas – e explicar os benefícios para os varejistas

Mesmo na difícil conjuntura econômica atual, as empresas que gerenciam melhor o crescimento das receitas são também as que sustentam aumentos de preço de modo mais consistente. Elas conseguem manter o aumento de preços 87% das vezes; as demais, apenas 70%. As empresas vencedoras alcançam essa consistência graças a uma combinação de três fatores.

Primeiro, elas utilizam metodologias de definição de preços e ferramentas analíticas mais avançadas (como regressões econométricas ou árvores de decisão para calcular elasticidades cruzadas de preço). Segundo, definem os preços em um nível mais profundo de granularidade – com políticas de preço no nível da cidade, não da região, por exemplo, e diferenciando preços e promoções para canais online e offline. Terceiro, criam um sell-in story (discurso de vendas) convincente para comunicar mudanças de preço aos varejistas.

Muitas empresas latino-americanas de bens de consumo costumam citar aumentos no custo das matérias-primas para justificar aumentos de preços aos varejistas, mas as vencedoras preferem estabelecer um diálogo com cada um de seus parceiros de varejo. Elas explicam como o varejista se beneficiará com o novo preço, e compartilham insights de consumidores e compradores relevantes para cada varejista em particular.

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Entre 15% e 32% dos consumidores na América Latina trocaram de marca durante a pandemia, especificamente por causa de preços ou promoções. Empresas de bens de consumo com mecanismos sofisticados de precificação e boa governança de gestão de receitas são as que mais se beneficiarão com essas oportunidades.

Avaliar e estimular rigorosamente as relações com distribuidores

Na maioria dos países latino-americanos, o varejo fragmentado é especialmente relevante em alimentos, respondendo por 30% a 70% do total das vendas. Isso significa que fabricantes de bens de consumo precisam gerenciar um modelo complexo de go-to-market, com várias camadas e diferenças regionais, combinando vendas diretas e a gestão de distribuidores.

As empresas vencedoras são mais disciplinadas e mais voltadas para o futuro ao avaliar sua estratégia de go-to-market: 60% revisam suas estratégias pelo menos uma vez ao ano. Isso contrasta com as demais empresas, das quais 42% não revisam suas estratégias com frequência definida. Ajustar os modelos de go-to-market é particularmente crítico no momento atual, com mudanças nos canais de venda criadas pela menor frequência dos consumidores indo às lojas.

As empresas vencedoras também adotam uma abordagem personalizada de gestão de terceiros e distribuidores. Elas utilizam com maior frequência avaliações das capacidades dos distribuidores, e definem claramente o perfil de seu distribuidor ideal. Além disso, têm programas estruturados para identificar lacunas, elaborar planos de ação, e desenvolver planos de conta personalizados que mitiguem os riscos e alinhem conjuntamente suas metas.

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Além disso, as vencedoras praticam com maior frequência simulações de custos de seus distribuidores (“should cost”) para entenderem de modo independente oportunidades e serem proativas na sugestão de melhorias. Por fim, elas se envolvem em diálogos abertos com seus parceiros de distribuição, para discutir transparentemente as margens esperadas e alinharem com suas políticas comerciais.

Monitorar de perto – e recompensar – a performance de vendas e a execução em lojas

Em recessões econômicas anteriores, empresas de bens de consumo com alta capacidade de execução em lojas – ter o produto presente, bem comunicado, e com o preço correto – mostraram-se resilientes. O mesmo continua sendo verdade hoje.

Uma grande diferença entre as empresas vencedoras é a adoção de critérios mais amplos e mais voltados ao futuro para segmentar os seus pontos de venda – em particular no varejo fragmentado. Enquanto as empresas não vencedoras tendem a segmentar pontos de venda com base em dados passados ou estáticos (por exemplo, tipo de loja e volume de vendas), as empresas vencedoras são duas vezes mais propensas a utilizar critérios voltados como potencial de desenvolvimento, crescimento de volume, e potencial share da categoria ao segmentar seus clientes.

Além disso, as vencedoras são particularmente disciplinadas no que diz respeito a determinar os critérios de execução. Elas criam uma “imagem de sucesso” específica para cada segmento de lojas: 86% delas fazem isso de modo consistente, em comparação com apenas 58% das demais. Não chega a surpreender, portanto, que as empresas vencedoras também invistam em equipar sua força de vendas com smartphones e outros dispositivos portáteis, e explorem uma variedade de recursos, incluindo câmeras, geolocalização e monitoramento de estoque.

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Outro aspecto importante da excelência na execução em lojas é responsabilizar a força de vendas pelos resultados e recompensá-la de acordo . Em empresas vencedoras, a proporção da remuneração dos vendedores baseada na performance é 1,8 vez maior do que nas demais empresas. E, para garantir que os incentivos gerem os resultados desejados, as empresas vencedoras monitoram semanalmente as vendas e a execução das lojas, com ênfase no cumprimento do planograma e na eficiência das visitas às lojas.

Investir agressivamente em e-commerce e na distribuição multicanal

Muitas empresas de bens de consumo da América Latina estavam apenas começando a experimentar o e-commerce quando iniciou a crise da COVID-19. A pandemia – e a rápida migração dos consumidores de canais offline para canais online – encorajou os fabricantes de bens de consumo a investirem mais em plataformas digitais e aplicativos para smartphone. Embora ainda seja cedo demais para identificar as vencedoras, as empresas que se adaptaram rapidamente à nova realidade já começam a se distinguir das demais, gerenciando ativamente uma plataforma direta ao consumidor (D2C), criando sites fáceis de navegar e investindo muito mais em marketing digital do que as demais.

Além disso, essas empresas pioneiras já investiram em capacidades e talentos voltados para o e-commerce e plataformas D2C. Na prática, isso significa manter uma equipe autônoma e independente, com ampla gama de atividades funcionais, desde a gestão de categorias até tarefas analíticas e da cadeia de suprimentos. As empresas pioneiras também têm conseguido alavancar um amplo ecossistema de parceiros de canal (o que inclui entregadores para a chamada “última milha”), valendo-se do dobro de canais para vender (incluindo sites D2C próprios, Amazon e Mercado Livre) em comparação com as demais empresas (Quadro 6). Em nosso estudo, 100% das pioneiras – contra apenas 65% das demais – têm um relacionamento direto com empresas de entrega domiciliar, como a Rappi.

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Mesmo em um ambiente desafiador e em constante mudança, empresas vencedoras de bens de consumo na América Latina conseguiram aumentar suas vendas e reduzir despesas. Para continuarem prosperando, elas precisarão adotar práticas ágeis em suas equipes de marketing digital, liderar o caminho com um e-commerce robusto e presença multicanal, e avaliar regularmente as capacidades de seus parceiros de distribuição, garantindo a excelência de suas forças de vendas. Para isso, os recursos analíticos serão fundamentais: as empresas vencedoras de bens de consumo utilizarão analytics para examinar seus portfólios e preços, e utilizarão esses insights para comunicar as mudanças necessárias aos varejistas. Essas práticas podem servir como balizas importantes para empresas que queiram navegar no novo normal.

Pedro Fernandes é sócio associado da McKinsey no escritório de São Paulo

Letícia Suzuki é consultora da McKinsey no escritório de São Paulo.

Melissa Fitts é sócia associada no escritório de Bogotá.

Felipe Ize é sócio no escritório da Cidade do México.

Miguel Suadi é sócio associado no escritório da Cidade do México.

 

Os autores agradecem a Gonzalo Charró, Kumar Gaurav e Daniel Jacques por suas contribuições a este artigo, editado por Justine Jablonska em Nova York.

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