Maria Vitória, de seis anos, sofria de talassemia major, uma doença genética rara no sangue que causa anemia profunda e pode levar à morte. 

Em busca de uma solução para a doença da filha, os pais recorreram a uma fertilização in vitro — e, em fevereiro de 2012, nasceu Maria Clara, o primeiro bebê no Brasil selecionado geneticamente em laboratório para ser compatível com a irmã, Maria Vitória. 

As células do cordão umbilical de Maria Clara foram utilizadas para um transplante de medula em Maria Vitória, que, desde então, vive livre da doença. 

“A genômica tem uma importante função diagnóstica, mas casos como esse mostram que ela também tem uma função terapêutica”, diz Ciro Martinhago, diretor médico de genética reprodutiva do Centro de Genômica da GeneOne, laboratório de genética da Dasa, que foi responsável pela seleção do embrião de Maria Clara.

A vitória da pequena Maria é um exemplo de como a genômica vem ganhando um papel cada vez mais protagonista na medicina reprodutiva. 

Dos 10 embriões obtidos via fertilização in vitro, apenas dois eram compatíveis com Maria Vitória e livres da talassemia major, que é passada por um gene do lado da mãe e outro do pai. Os restantes todos teriam a mesma doença da irmã. 

Além de eliminar da linhagem familiar doenças fatais e incapacitantes, a genômica também diminui as chances de infertilidade e abortamento, ocorrências cada vez mais comuns num mundo em que as mulheres optam por esperar para engravidar.

“Cerca de 40% dos óvulos que a mulher produz durante a vida tem alguma alteração cromossômica e 75% dessas alterações aparecem depois dos 35 anos de idade”, diz Ciro. 

Entre a população geral, as chances de um aborto espontâneo são de 15%, probabilidade que aumenta para 51% depois dos 40 anos e para 75% depois dos 44 anos. Mais da metade desses abortos são de causa cromossômica, com mutações que são incompatíveis com a vida. 

As mulheres mais velhas também têm mais chances de ter filhos com Síndrome de Down, a síndrome cromossômica mais recorrente e conhecida. A incidência na população geral é de um caso para cada 800 nascimentos, mas em mulheres com mais de 44 anos essa taxa sobe para um caso em cada 30. 

No entanto, um exame chamado PGT-A — que seleciona os embriões com mais viabilidade, com base em uma avaliação genética pré-implantacional — está mudando esse jogo. Estudos mostram que entre as mulheres que fazem fertilização in vitro com PGT-A, a chance de gravidez supera os 60%; a chance de aborto é de menos de 4% e a chance de síndrome de Down é praticamente nula.

Nos Estados Unidos, mais de 80% dos ciclos de fertilização in vitro passam pelo PGT-A, enquanto no Brasil esse número ainda gira entre 10% e 15%. “O único obstáculo por aqui é o conhecimento”, diz Emerson Gasparetto, vice-presidente da área médica da Dasa. “O custo é baixo comparado ao investimento feito no processo de fertilização, e o exame praticamente garante o sucesso dessa fertilização”.

Um outro teste genético, o NIPT (teste pré-natal não invasivo) reduziu o risco do diagnóstico de doenças cromossômicas no feto e está virando praticamente um protocolo pré-natal. Ele identifica quatro doenças cromossômicas compatíveis com a vida — entre elas a Síndrome de Down. 

O teste é realizado com a coleta de sangue da mãe a partir das nove semanas de gestação. Antes do NIPT, a única forma de fazer o diagnóstico era através de uma punção de líquido amniótico, um procedimento que tem um risco de 0,5% a 1,5% de causar aborto. 

“Antes, a punção era indicada apenas para mulheres acima de 36 anos, que têm mais chances de ter bebês com essas doenças cromossômicas, ou em casos em que o médico suspeitava de alguma alteração no ultrassom”, diz Gustavo Campana, diretor médico da Dasa. “Hoje, qualquer mulher, independentemente da idade pode fazer o NIPT e ter o diagnóstico”.

Os avanços não param por aí. Em breve, deve chegar no Brasil os testes que permitem a identificação de doenças poligênicas, provocadas por um conjunto de genes, como diabetes, hipertensão e alguns tipos de cânceres. A indicação do exame é apenas para famílias com histórico grave das doenças.

Siga o Brazil Journal no Instagram

Seguir