A recessão brutal dos últimos dois anos incorporou o atacarejo ao hábito de consumo do brasileiro. ‘Big boxes’ como o Assaí, Atacadão, Super Muffato e Roldão podem não ter o conforto e o ar condicionado dos supermercados e hipermercados, mas já os ultrapassaram na preferência dos consumidores, pelo menos nas redes de grande e médio porte acompanhadas pela Nielsen.

Analistas estimam que o Atacadão responda hoje por 60% das vendas do Carrefour Brasil, cujo IPO agora é esperado para o segundo semestre de 2017, enquando o Assaí representa 35% do faturamento do Pão de Açúcar. (A empresa faz seu Investor Day anual amanhã em São Paulo).
 
Segundo a Nielsen, 46% dos lares hoje compram nos atacarejos, contra 40,9% no ano passado. Na direção oposta, a penetração de supermercados caiu de 37,7% para 35,9%, e a de hipermercados, de 43,6% para 40,5%. Os dados foram medidos em setembro.
 
Uma radiografia feita pela empresa de análise de mercado mostra 10 características da estrela da recessão:
 
1. ‘Decidimos não participar da crise’
Só o atacarejo registrou crescimento em volume no acumulado dos nove primeiros meses do ano nas cestas de varejo da Nielsen. Enquanto mini, super, e hipermercados, bares e até farmácias amargaram queda de pelo menos 3,5%, o atacarejo tirou onda com uma taxa de expansão de dois dígitos: 14,4%.
 
2. Mais por menos
A razão do sucesso é simples: num atacarejo, o consumidor gasta 6% menos e leva 15% de itens a mais, em média, do que no super ou hipermercado.
 
3. O ‘gap’ de sortimento está diminuindo
Com menor custo fixo e focado em produtos mais baratos, o atacarejo ainda tem, em média, 34% menos SKUs (produtos) do que os encontrados nos super e hipermercados.

Mas a diferença está diminuindo. O número médio de itens subiu 56% de janeiro a setembro deste ano frente ao mesmo período de 2015, enquanto nos hipermercados avançou apenas 38%. E o que o consumidor mais busca está lá. Os produtos que só podem ser encontrados nos hipermercados respondem por apenas 6% do faturamento desse canal.
 
4. Marcas top of mind têm ‘share’ menor
70% das marcas que mais vendem nos super e hipermercados também são líderes no atacarejo. O canal vem atraindo o interesse dos fornecedores e ganhando poder de barganha com a indústria, mas o movimento de ‘trade down’ — a migração do consumidor para marcas mais baratas por conta da crise — é um vento contra as marcas líderes. Metade delas ainda tem ‘market share’ menor no atacarejo do que no super/hiper.
 
5. A volta da ‘compra do mês’
Antes, muitos consumidores iam aos hipermercados para as ‘compras do mês’ — aquelas que enchem a despensa e são feitas assim que cai o salário. Mas com a crise, esse consumidor trocou a conveniência pelas barganhas: migrou para o atacarejo e passou a fazer apenas compras menores (de reposição) no hipermercado. “O consumidor está se programando melhor e prefere se deslocar a pagar mais no mercado mais próximo”, aponta Lenita Mattos, gerente de atendimento ao varejo da Nielsen.

 
6. Crescimento orgânico já predomina
No ano passado, as vendas do atacarejo aumentaram 16,1% em valor – e 47% desse crescimento deveu-se à abertura de novas lojas. Neste ano, a expansão do faturamento quase dobrou, passando para 30,3%. E a contribuição das inaugurações para esse avanço foi de apenas um terço.
 
7. Mais visitas, e com o carrinho mais cheio
Desdobrando o ponto anterior: a frequência às lojas cresceu 19% até setembro deste ano frente ao mesmo intervalo de 2015, para 9,7 visitas. O carrinho também saiu mais cheio. Foram, em média, 27 itens por ocasião, alta de 6% na mesma base de comparação. E o tíquete médio subiu 19%.
 
8. Maior expansão está no Nordeste
As vendas do atacarejo no Nordeste subiram 40,4% nos nove primeiros meses do ano frente ao mesmo período de 2015, correspondendo a um terço da expansão do faturamento total registrado no país.  “Esse formato era mais presente na Grande SP e no Rio de Janeiro, e começou a ganhar projeção agora no Nordeste”, diz Lenita. O número de lojas de atacarejo na região subiu 16% no período analisado. No Brasil como um todo, o crescimento no número de lojas foi de 9%.
 
9. Os ricos também ‘choram’
Pode parecer contraintuitivo, mas são os mais ricos que respondem pela maior parte do crescimento do atacarejo. 

As classes A e B — que segundo o critério Nielsen são 26,4% da população — representam 33,4% dos consumidores que frequentam o canal, e contribuíram com 55,3% do aumento de faturamento nos 12 meses encerrados em setembro. “Esse consumidor também procura economia e tem mais condições de fazer compras de maior valor absoluto”, explica Lenita.

A classe C — que é 47,7% da população — responde por 46,7% do fluxo no atacarejo.  E, mais recentemente, com a crise e o maior número de lojas, as classes D+E aumentaram sua participação no canal, de 17,7% para 19,8%. 
 
10. Pico glicêmico
Os consumidores vão ao atacarejo procurando principalmente itens de mercearia doce: biscoitos, cafés, cereais matinais e chocolates. Essa categoria responde por 25,8% do faturamento do setor e foi a que mais cresceu este ano: 44%.