Em 2015, o economista Kenneth Rogoff escreveu um artigo em defesa do fim gradual do papel moeda, começando pelas notas de alto valor. Com os meios digitais de pagamento já disponíveis naquele ano, Rogoff afirmou que as notas de US$ 100 e € 500 serviriam sobretudo para atender aos interesses escusos de sonegadores e outros personagens do mundo do crime.

Professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, Rogoff diz que, de acordo com qualquer teoria monetária padrão, uma propriedade essencial do dinheiro é não exigir nem do comprador nem do vendedor o conhecimento de suas histórias, dando à transação uma forma de anonimato.

Segundo ele, é precisamente por causa dessa característica que uma grande parte do papel moeda em circulação, “geralmente acima de 50%” [do dinheiro disponível], é usada na maioria dos países para esconder as transações.

De acordo com Rogoff, em 2013 havia quase US$ 1,3 trilhão de papel moeda em circulação, o que daria “aproximadamente US$ 4 mil para cada homem, mulher e criança nos Estados Unidos”. Cerca de 78% desse total estava em notas de US$ 100, o equivalente a cerca de 30 notas de US$ 100 por pessoa. No lado contrário, notas de US$ 10 ou menos equivaliam a menos de 4% do dinheiro total em uso, disse o economista. 

Mas, obviamente, nem todo esse dinheiro está nos EUA.  Boa parte das notas de dólar e euro está nos cofres de cidadãos de outros países — legalmente ou não.

“Presume-se que o dinheiro que não está em posse da economia legal doméstica [americana] ou na economia global (legal ou subterrânea) está principalmente retido na economia doméstica subterrânea,” escreve Rogoff.

Não há estimativas precisas sobre essa economia underground nos Estados Unidos, mas calcula-se que seja algo entre 7% e 10% do PIB americano.

Rogoff cita dados do IRS (a Receita Federal americana) que estimam os impostos não pagos voluntariamente nos Estados Unidos em mais de US$ 450 bilhões. Na Europa, onde os impostos são mais altos e a regulação mais onerosa, Rogoff diz que a economia subterrânea deve ser consideravelmente maior do que a americana.

Tendo em vista toda a evidência acadêmica e do mundo real, por que o Banco Central resolveu lançar a nota de R$ 200?

Ao anunciar a nota com o lobo-guará, o Banco Central disse que a população passou a demandar mais “meio circulante” durante a pandemia.

Sem dúvida, um dos efeitos diretos da crise do coronavírus foi o aumento do desemprego e da informalidade. Logo, nossa “pujante” economia subterrânea — estimada em 16% do PIB em 2019 — já deve ficar ainda maior.

Mas num país em que a corrupção é endêmica, em que malas e cuecas circulam com objetivos heterodoxos, não seria então o caso de emitir mais notas de R$ 100, por exemplo, já que estamos lidando com um fenômeno momentâneo causado pela epidemia? Imprimir notas de R$ 200 não vai facilitar ainda mais a malandragem?

Durante a pandemia, é natural que as pessoas queiram guardar mais dinheiro em casa, até para reduzir as idas ao banco. Em países como EUA, Canadá e Japão, houve aumento significativo da quantidade de papel moeda em poder do público. Mas nem por isso os BCs dessas economias lançaram novas notas de altas denominações.

Rogoff não está sozinho em seu argumento.  Diversos economistas, incluindo Larry Summers, também já defenderam o fim das notas de US$ 100 e € 500. No ano seguinte ao texto de Rogoff, o BC europeu decidiu parar de imprimir as notas de € 500 e a Índia eliminou as notas de 500 e 1.000 rúpias.

Mas, como disse semana passada o ex-presidente do BC, Gustavo Franco, “às vezes, a coisa mais difícil em Brasília é não fazer nada.”