A liquidação do Banco Master demonstra mais uma vez que o Fundo Garantidor de Crédito é um instrumento essencial para a solidez do sistema financeiro – mas o modelo de cobertura dos depósitos precisa passar por ajustes para que novos casos do tipo não se repitam.

“O problema não está no limite. Os EUA têm limite muito maior, não é essa a questão. O problema é achar que o FGC deve ser usado como artifício para incentivar a competição,” Jairo Saddi, advogado especialista em sistema financeiro e ex-presidente do FGC, disse ao Brazil Journal. “Se um banco usa isso puramente como instrumento mercadológico, ele desvirtua a finalidade do FGC, que é dar estabilidade e segurança ao sistema.”

Para Saddi, agora é o momento de o País discutir como aprimorar a regulação do sistema financeiro – que é robusto, mas ao preço de uma estrutura cara.

Em sua opinião, será necessário elevar o número de instituições que contribuem para o FGC e limitar de alguma maneira as garantias.

“Agora veremos um rateio adicional para todos os participantes do sistema financeiro – e, no final, quem paga a conta não é o banqueiro, é a população consumidora do serviço bancário, por meio de spreads mais altos,” afirmou.

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O limite de R$ 250 mil de cobertura de depósitos pelo FGC é generoso demais? Deveria ser revisto?

O problema não está no limite. Os EUA têm limite muito maior, não é essa a questão.

O problema é achar que o FGC deve ser usado como artifício para incentivar a competição. O FGC não foi feito para isso. O FGC é um sistema de garantia de depósito bancário.

Se um banco usa isso puramente como instrumento mercadológico, ele desvirtua a finalidade do FGC, que é dar estabilidade e segurança ao sistema.

Então, não há um problema nem de limite, nem de estrutura, mas simplesmente de finalidade.

Precisamos perguntar qual é o sistema de garantia que a gente quer no País.

Digo isso porque captar, claro, é sempre uma dificuldade para as instituições financeiras. Mas a dificuldade está também em fazer ativo. Esse é um negócio em que, se você não fizer ativo, o seu passivo não vale nada.

No final das contas, como sempre no sistema capitalista, os prejuízos serão socializados. Será necessário repartir esse custo para termos o benefício social – e a estabilidade do sistema financeiro é algo muito importante.

Como será repartida a conta agora?

A verdade é que essa conta vai ser paga por uns e não por outros. Há fintechs e instituições que se beneficiam da estabilidade e não têm a obrigação de contribuir com esse fundo. É algo sobre o que precisamos pensar, se queremos manter esse subsídio.

Quem vai suportar esse custo não serão os bancos. Serão os consumidores. No final, isso será transferido na forma de spread.

Lembrando que o FGC, agora, nesse caso específico, vai precisar arrecadar mais para recuperar a sua relação de métricas. E isso vai custar mais para a sociedade. Então, este é o tipo de discussão que a gente precisa começar a ter agora.

Precisa haver mais instituições contribuindo?

Sim. Por um lado, mais gente contribuindo. Por outro, é preciso limitar de alguma forma essa garantia. Acima de, por exemplo, 120% do CDI, deixaria de haver garantia. Isso é o que eu estou propondo num artigo no Estadão, com o Sérgio Werlang.

Uma outra coisa importante seria o Banco Central afinar um pouco as métricas e torná-las públicas.

Falando especificamente da atuação do BC, há algo a ser feito para impedir situações como a do Master?

Essa é uma discussão muito difícil. Liquidar é sempre um custo – e sempre cairá sobre a população. Inclusive aqueles que não são depositantes dessa instituição terão que pagar a conta.

Podemos não gostar, mas essa instituição [o Master] se valeu das regras. A regra era clara.

Obviamente, pode ser que ele não tenha feito ativo. Não estou entrando aqui em matéria de fraude, que é um problema policial e deve ser apurado. Mas fora isso, a captação que ele fez era absolutamente dentro da regra.

Então, o que o Banco Central poderia fazer? Mudar a regra, talvez.

Mas a verdade é que, na regra do jogo, isso foi o que foi. Tecnicamente é uma discussão muito delicada. Mas a hora de mudar é agora.

Quando há um caso dessa dimensão com todo esse custo, precisamos avaliar o que desejamos dessa sociedade civil, que é o FGC.

Poderia dar mais detalhes a respeito do que poderia mudar?

Na classificação do BIS, o Bank of International Settlements, existem quatro tipos de garantidores de depósito.

Existe o que se conhece como Pay Box. Quebrou, vou lá e pago.

Tem o Pay Box Plus. Quebrou, eu pago, mas eu tenho algumas funções adicionais, que é o FGC. Por exemplo, posso fazer um empréstimo de assistência antes de quebrar.

Aí existem dois outros tipos, que no mundo são mais raros.

Um, chamado Loss Minimiser, é quando se pode avaliar qual é a melhor das alternativas existentes frente ao prejuízo que eu posso ter.

O último é o Risk Minimiser. Não só eu avalio as alternativas existentes, como eu mesmo tomo decisões. Aqui o melhor exemplo é o FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) dos EUA – que, de fato, assume. É um órgão de Estado. Ele compra banco, manda embora a administração, tem um poder de polícia – coisa que o FGC, por ser privado, não tem.

Então, há uma discussão subjacente a ser feita. Acho que o momento é agora.

Não podemos achar que o FGC, que é uma instituição privada, terá poder de polícia. Não vai. Nem pode, por ser privado. O que não dá é a gente querer unir o melhor do privado com o melhor do público. Ou é uma coisa ou é outra.

O FGC deve permanecer como instituição privada?

A natureza jurídica do FGC, privada, é algo muito importante.

Imagina se fosse um fundo público, a quantidade de funcionários, a ineficiência que seria. Hoje o FGC é uma instituição modelar. Mas ele tem limitações próprias.

A mais importante delas é não participar do COMEF, que é o Comitê de Estabilidade Monetária. Ele não participa das decisões que, por exemplo, levam à liquidação. Fica sabendo da liquidação pelos jornais.

Isso traz, evidentemente, algumas desvantagens. Mas isso dito, tem outras vantagens – como por exemplo fazer uma operação de liquidez, algo que foi tentado agora, não deu certo, mas que funcionou em outros casos.

Eu era vice-presidente do conselho do FGC quando o André Esteves foi preso (em 2015). O FGC teve um papel fundamental no caso do BTG. Deu um empréstimo-ponte que permitiu ao banco se salvar.

Então, tem um papel importante a cumprir na estabilidade.

Apesar de eventuais reformas, é inevitável que outras crises do tipo aconteçam?

Se for possível aprimorar esses mecanismos institucionais, melhor para o País. O Brasil é um país de estruturas caras para o sistema financeiro. É sólido, mas caro.

E é evidente que esse é o tipo de coisa que acaba encarecendo ainda mais. Agora veremos um rateio adicional para todos os participantes do sistema – e, no final, quem paga a conta não é o banqueiro, é a população consumidora do serviço bancário, por meio de spreads mais altos.

Por isso esse debate é tão importante.