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Quando o novo governo foi eleito, havia uma clara perspectiva de normalização na taxa de juros.

Mas…

“Agora o Lula decidiu bater de frente com o Banco Central e criou muito atrito,” o economista Edmar Bacha disse ao Brazil Journal. “A preocupação com a estabilidade monetária e fiscal se reflete nas expectativas dos agentes econômicos sobre inflação futura. A taxa de juros lá na frente também sobe.”

Bacha, um dos criadores do Real, diz que a transição de governo foi marcada pela novidade “inusitada” da independência do BC, o que trouxe um conflito no governo. No passado já houve conflitos do tipo, mas agora o Planalto não tem mais a prerrogativa de substituir o presidente do BC.

Com larga experiência em lidar de perto com crises do tipo, nos tempos em que contribuiu com o Cruzado e depois com o Real, Bacha tem uma solução singela para superar o impasse: “A regra número 1 do apaziguamento é a conversa.”

“Manter as conquistas que já tivemos é tão importante quanto obter novas conquistas,” diz Bacha. “Tivemos essa conquista muito importante, a independência do Banco Central, e agora é importante manter essa conquista.”

A sua atuação em governos anteriores o faz acreditar que é muito ruim quando a política interfere na melhora técnica, como ocorreu no fracasso do Cruzado.

Para Bacha, é ótimo que a sociedade discuta a política monetária e como ela se articula com a política fiscal, até para dar institucionalidade à independência do BC. Essa discussão é importante, inclusive para alimentar o Banco Central com mais informações.”

Bacha é um dos fundadores e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica, a Casa das Garças, no Rio de Janeiro. Fazem parte do think tank, em sua maioria, economistas e executivos que ensinaram ou estudaram no Departamento de Economia da PUC-Rio, como Pedro Malan, Persio Arida, Gustavo Franco e Arminio Fraga.

Durante o período de reclusão da pandemia, a Casa das Garças criou um podcast em que apresentou o depoimento de nomes centrais das reformas mais relevantes realizadas desde a redemocratização. O resumo dessas conversas agora virou livro, o ebook A Arte da Política Econômica (645 páginas), organizado por José Augusto Fernandes e editado pelo selo História Real, da Intrínseca.

São ao todo 30 depoimentos. Está lá a história vivida e narrada em primeira pessoa por Maílson da Nóbrega, Marcílio Marques Moreira, os pais do Real e outros economistas que contribuíram para consolidar a nova moeda, como Elena Landau e Arminio, bem como outros que colaboraram em reformas e ajustes mais recentes, entre eles Ricardo Paes de Barros, Marcos Lisboa e Ilan Goldfajn.

“É um livro importante porque traz um conjunto de experiências razoavelmente exitosas ocorridas em situações críticas,” diz Bacha.

São lições úteis para qualquer governo, especialmente agora, como diz Eduardo Guardia, in memoriam, no seu depoimento: “Temos que ter uma compreensão dos desafios, de falar e de exigir que o país consiga andar na direção correta, porque estamos acumulando uma quantidade muito grande de problemas que vão tornando as soluções mais custosas, mais difíceis.”

A entrevista com Bacha está no vídeo acima.

Abaixo, um trecho do posfácio escrito por Pedro Malan.

***

“We may never know where we are going, but we would better have a good idea of where we are” Howard Marks

 

“Podemos não saber aonde estamos indo, mas é bom que tenhamos uma boa ideia de onde nos encontramos.” E de como até aqui chegamos, digo eu, acrescentando que a observação de Marks, originalmente dirigida a investidores financeiros, também se aplica a outras pessoas, a empresas e a países. Todos precisam ter alguma consciência e memória de seus respectivos passados, alguma noção dos desafios do presente e alguma visão sobre seus possíveis futuros. Todos, indivíduos, empresas e países, têm a aprender com lições das experiências vividas — suas e de outros.

O Brasil é a terceira maior democracia de massas urbanas do mundo. Trata-se de uma sociedade desigual com carências sociais que são cada vez mais percebidas, moral e politicamente, como incompatíveis com o grau de civilização que gostaríamos de haver alcançado. Carências que constituem uma fonte inesgotável de demandas dirigidas a sucessivos governos, que são obrigados a tentar dar respostas em termos de políticas públicas.

Essas necessidades, demandas e exigências de respostas se colocam em três grandes áreas: infraestrutura física (transporte, energia, comunicação); infraestrutura humana (educação, saúde, segurança); e, por fim, porém não menos importante, demandas por redução da pobreza e da desigualdade na distribuição de renda e, crescentemente, por redução da desigual distribuição de oportunidades — na partida, que é onde importa —, o que exige foco em educação nos anos iniciais de vida. E continuado foco na avaliação da aprendizagem — nas idades certas.

Todas essas três áreas são vistas no Brasil (e em boa parte do mundo) como “intensivas em Estado”. Portanto, colocam enormes expectativas e responsabilidades sobre a condução da economia, da política econômica e de políticas setoriais, o que exige um sentido de perspectiva e uma visão de médio e longo prazo sobre o país e seu futuro.

A propósito desse tema, vale lembrar que em 1950 éramos 52 milhões de brasileiros (mais da metade analfabeta). A população urbana era de 36% do total, cerca de 19 milhões de pessoas. Hoje, temos cerca de 215,4 milhões, uma população 4,15 vezes maior. E a população urbana representa agora mais de 87% do total, o que equivale a mais de 187 milhões de pessoas — um aumento de quase dez vezes em relação aos 19 milhões de 1950. Algo sem paralelo no mundo entre países de grande população. Para comparação, o aumento da população urbana nos Estados Unidos foi inferior a 2,8 vezes no mesmo período.

Nem China, nem Índia, com populações urbanas de, respectivamente, 60% e 35% do total, apesar de, em números absolutos, terem populações urbanas muito maiores que o Brasil, apresentaram aumentos por fatores sequer próximos dos quase dez vezes maiores observados no Brasil. Em 1985, último ano do regime militar, São Paulo era a terceira maior cidade do mundo. O Rio, a oitava.

Muito importante é uma das inúmeras implicações ou consequências políticas desse extraordinário processo de urbanização sobre o não menos relevante aumento do eleitorado. Passamos de 11,45 milhões de brasileiros aptos a votar em 1950, ou 22% da população total, para nada mais nada menos que 156,45 milhões de pessoas aptas a votar hoje, ou seja, 72% da população total.

Em outras palavras e resumindo as informações dos parágrafos acima: enquanto a população total do Brasil entre 1950 e o presente aumentou cerca de 4,15 vezes, a população urbana cresceu mais de 9,8 vezes e a população apta para votar cresceu 13,7 vezes. Há que se juntar a esses dados as estatísticas sobre a nossa marcadamente desigual distribuição de renda para entender por que as necessidades, as demandas, os sonhos e as frustrações da esmagadora maioria dos eleitores brasileiros — os que ganham menos de três salários mínimos — passaram a ser cada vez mais decisivos desde que voltamos a ter eleições diretas para presidente.

Esse elo vital entre demografia, urbanização, participação eleitoral e desigualdade teve consequências políticas e econômicas da maior importância em décadas passadas — e continuará a marcar décadas vindouras. Agora por razões diferentes, que têm a ver com a rapidez da transição demográfica, não mais no sentido do crescimento acelerado da população (total e principalmente urbana), mas do fenômeno inverso. Estamos crescendo apenas 0,7% ao ano (eram 3% entre 1950 e 1980) e a taxas decrescentes. Se em 1950 a mulher brasileira tinha em média 6,2 filhos, atualmente a média é de menos de 1,7. Nossa população começará a declinar no início dos anos 40. A partir de 2050, apenas aqueles com mais de 60 anos vão estar aumentando sua participação relativa na população total, representando 30% da população. O número de aposentados cresce hoje a uma taxa cinco vezes superior à taxa de crescimento da população total. Os gastos com saúde associados ao envelhecimento acelerado serão exponencialmente crescentes — o Brasil corre o sério risco de envelhecer antes de superar a armadilha da renda média.

Esse é o nosso problema de fundo, nosso grande desafio a enfrentar. Um desafio que é a um só tempo econômico, político-institucional, social e cultural. E que exige uma visão de longo prazo que ora parece nos faltar. Não é que nos falte o sonho generoso: o formal discurso de posse de Dilma Rousseff, em 1 de janeiro de 2011, é mais do que ilustrativo: “O Brasil optou ao longo de sua história por construir um Estado provedor de serviços básicos e de Previdência Social pública. Isso significa custos elevados para toda a sociedade, preço a pagar pela garantia de alento da aposentadoria para todos e de saúde e educação universais.”

A esse respeito, porém, vale lembrar o que chamei de “paradoxo de Bacha-Schwartzman”, que assim o expressaram: “Temos, entre nós, uma peculiar, mas disseminada interpretação dos princípios constitucionais da universalidade e da igualdade, segundo a qual as desigualdades dos benefícios sociais não devem ser corrigidas com o redirecionamento dos gastos públicos, mas sim pela expansão dos gastos e a extensão, para os demais, dos benefícios já conquistados por uma minoria e que são considerados direitos adquiridos.” E que geram, em outros, expectativas de direitos por adquirir.

Edmar Bacha e Simon Schwartzman notam, corretamente, que “é claro que não há recursos suficientes para tal expansão”, que boa parte dos gastos sociais já beneficia os 20% mais bem situados (que detêm quase 60% da renda total) e que para poder praticar uma política social que beneficie os mais “pobres” é preciso confrontar os privilégios dos “mais ricos”, o que implica enfrentar as corporações que representam seus interesses. O Brasil, já dizia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não é um país pobre, é um país injusto.

Contudo, tentativas de lidar com nossas multifacetadas injustiças desfraldando a genérica bandeira do “gasto [público] é vida” não têm dado certo na América Latina. Ao contrário. Porque, com frequência, elas acabam por impor custos expressivos àqueles que pretendiam favorecer. O que não quer dizer que não seja possível ter políticas públicas consistentes, conduzidas por um Estado eficiente naquilo que se proponha a realizar, em particular na área social. Afinal, como dizia José Guilherme Merquior, “o bom combate não é contra o Estado, é contra o aparelhamento e o uso do Estado para propósitos ideológico-partidários e contra formas espúrias, indevidas e não transparentes de apropriação de recursos públicos”.