Para uma das gestoras mais bem-sucedidas do País, a teoria de gestão de portfólio está ficando anacrônica num mundo de startups e retornos exponenciais.
Em carta aos cotistas, a Atmos defende que é hora de os gestores do value investing tradicional — a própria gestora inclusa — se livrarem de seu “cinismo provinciano inerente”.
“Ter um portfólio concentrado em declinantes incumbentes geradores de caixa, mesmo que estes estejam incrivelmente descontados, pode ser a verdadeira antítese da proteção de patrimônio”, escreveram os gestores.
“A atual abundância de capital resulta na atribuição de múltiplos estratosféricos aos negócios maduros com algum crescimento justamente quando estão mais próximos de serem disruptados.”
A gestora de ações — que tem R$ 10 bilhões sob gestão e um retorno de 736% em 10 anos (líquido das taxas) — está ajustando aos poucos seu portfólio, hoje 10% alocado em companhias da nova economia, como o Banco Inter e o Mercado Livre.
“Apesar de tratar-se de casos muito mais difíceis de avaliar através de métricas tradicionais, vemos que tais investimentos possuem um cunho fundamental, no agregado, superior a diversos comparáveis estabelecidos”, escreveram os gestores, para completar com o que até pouco tempo era considerado heresia: “Especula o ortodoxo que compra os bancos tradicionais com seus gordos ROEs, e não o heterodoxo que investe nos marketplaces sem lucro contábil.”
Em 2019, a Atmos teve um retorno de 55,6% contra 32% do Ibovespa. A gestora está fechada para captação.
Apesar de estar segura da necessidade de se expor à nova economia, a Atmos reconhece que a estratégia contém riscos. “Corremos o risco de sermos seduzidos pelo novo,” que frequentemente são empresas sem geração de caixa recorrente, avaliadas por “métricas etéreas”, e num ambiente em que “aumenta a corrida por analogias.”
Para a Atmos, alguns ativos passam a expressar visões temáticas, o que é legítimo, mas o analista pode se perder em comparações de valor dentro de uma mesma classe e acabar deixando de lado a análise fundamental básica. (Por exemplo, uma empresa pode estar negociando com prêmio porque tem o potencial de destruir seus concorrentes, os quais, por isso mesmo, devem sim negociar com desconto — um desconto erroneamente visto como ‘oportunidade’.)
Na mesma carta em que defende uma mudança de paradigma no stock picking, a Atmos também alerta para outro risco: uma reversão abrupta de ciclo no Brasil, num momento em que a escassez de oportunidades está acentuando a exportação da mão de obra qualificada (e já escassa).
“O ciclo econômico atual tem todas as condições de se destacar relativamente a outros períodos positivos da nossa história”, diz a gestora. “Porém, problemas institucionais nevrálgicos no que tange à saúde, segurança, urbanização desordenada e educação de base, que em geral aprisionam países na armadilha da renda média, tornam-se mais evidentes em um mundo competitivamente globalizado.”
“Neste cenário tanto o ortodoxo quanto o herege terão montantes abismais de capital destruídos. Infelizmente, em se tratando da América Latina, temos que atentar tanto aos riscos específicos de portfólio quanto a potenciais movimentos sísmicos que aparentemente nada tem a ver com a nossa atividade central”.