As ações das empresas de luxo tinham tudo para estar subindo sem parar: a economia global está crescendo e a Bolsa, atingindo recordes históricos — fazendo os ricos cada vez mais ricos.
Mas o setor está indo na direção contrária.
O ETF The Roundhill S&P Global Luxury — que reúne as principais companhias de luxo do mundo, incluindo a LVMH, Kering e Moncler — cai 8,1% desde janeiro, em comparação a uma alta de mais de 20% do S&P 500.
A retração é reflexo de uma desaceleração das vendas e da preocupação crescente dos analistas de que a situação não se reverterá tão cedo, segundo a Barron’s.
A revista — uma das principais publicações americanas focadas na Bolsa — nota que parte do problema tem a ver com a China, que chegou a responder por quase um terço do consumo de artigos de luxo nos últimos anos e hoje enfrenta uma crise econômica que tem deixado seus consumidores mais retraídos.
Outra parte do problema tem a ver com uma estratégia equivocada das próprias empresas, que remonta à pandemia.
“Quando os estímulos governamentais fizeram muita gente se sentir rica, uma legião de novos compradores de luxo foi despejada no mercado. O boom de vendas que veio disso não foi só insustentável, mas também gerou o medo de que a aura de exclusividade cultivada pelas marcas com cuidado pudesse sofrer um dano,” diz a revista.
“Com isso, uma empresa após a outra começou a aumentar os preços. O resultado: uma série de produtos de luxo custam hoje 50% a 100% mais do que em 2019.”
Para a Barron’s, essa “hiperinflação” afastou muitos consumidores aspiracionais — provavelmente mais do que o desejado. E, para piorar, desestimulou muitos dos compradores core, os ricos de verdade.
“Houve o afastamento de algumas pessoas que decidiram, ‘Eu não vou comprar mais porque isso está se tornando ridículo’,” uma consultora do setor disse à revista. “Você não pode dizer que o preço é alto pelos diferenciais do produto quando ele quase dobra em poucos anos.”
Um anel Cartier Trinity, por exemplo, sai hoje por € 1,540, 64% acima do preço de 2019, segundo dados do HSBC. Já uma bolsa de lado da Chanel custa hoje € 11 mil, 91% a mais do que em 2019;
“Conforme os preços aumentam, as marcas precisam gerar mais e mais excitação para as pessoas gastarem. Mesmo se é uma marca que você ama, as pessoas começam a ser afastadas pelos preços,” disse um analista.
Esse é um problema ainda maior para as marcas de luxo que atendem muitos consumidores aspiracionais, que têm dinheiro apenas para algumas compras ocasionais.
A Barron’s cita os exemplos da Versace e da Dior, que vendem produtos como chaveiros e óculos de sol, que têm preços menores mas criam conexões de longo prazo com os clientes. “Mas com os preços altos e produtos falsos baratos disponíveis, muitas marcas de luxo não conseguiram atrair novos compradores que seriam valiosos no futuro, quando estivessem ganhando mais.”
Outro exemplo é o da Burberry, que sempre ficou um degrau abaixo das marcas de luxo focadas nos ultrarricos por conta de seus preços menores e outlets. No pós-pandemia, a Burberry tentou subir na cadeia de valor, aumentando preços em mais de 50%.
Isso acabou afastando seus consumidores core, sem atrair os mais ricos. As vendas da companhia caíram mais de 4% no ano passado e devem cair 15% este ano, segundo a estimativa do mercado.
Os resultados não têm sido ruins apenas para a Burberry, com outras empresas do setor apresentando números fracos nos últimos trimestres. Ainda assim, a Barron’s acredita que o selloff recente criou algumas barganhas.
Analistas ouvidos pela revista citam a LVMH e a Richemont como exemplos de empresas que estão negociando a múltiplos atrativos e são mais imunes à crise do setor.
A LVMH negocia hoje a 19x seu lucro estimado para este ano, o menor múltiplo desde 2023.
“A LVMH tem usado seu enorme capital para estimular o operacional e a parte fashion de suas marcas, e a excitação em torno de seus lançamentos tem se mostrado de uma forma que a diferencia da competição. Essas vantagens fazem os resultados fracos recentes serem menos preocupantes do que o de seus peers,” diz a revista.
Já a Richemont, que negocia a 18x lucro, é mais imune a oscilações da moda e a produtos falsos baratos. “As jóias são atemporais, com as ofertas da linha principal da Cartier tendo múltiplas décadas, até mais de 100 anos,” disse um gestor à Barron’s. “Ser atemporal é um marketing de produto poderoso.”