Por muito tempo, o Grupo Mateus foi o queridinho dos analistas no setor de varejo alimentar, com boa parte do sellside recomendando a compra do papel.
No dia 14, essa visão começou a mudar. A rede de atacarejo líder no Nordeste anunciou uma revisão contábil em seus estoques, que segundo a própria empresa haviam sido superestimados nos últimos anos em mais de R$ 1,1 bilhão.
O papel despencou mais de 10% no dia e já acumula uma queda de cerca de 20% no mês.
O anúncio, aliado a um ambiente macro mais desafiador, fez o mercado ligar um sinal de alerta com a companhia — e alguns analistas já temperaram sua visão construtiva do papel.

O UBS BB rebaixou sua recomendação para a ação de ‘compra’ para ‘neutro’, citando uma “falta de visibilidade” sobre as dinâmicas de curto prazo.
O Citi, que já estava em ‘neutro/alto risco’ na ação, colocou o papel ‘under review’. O analista João Pedro Soares disse que decidiu fazer a mudança até ter “mais clareza sobre os problemas contábeis.”
No dia 14, junto com a divulgação de seu resultado trimestral, o Grupo Mateus anunciou numa nota explicativa que “revisou sua política contábil de apuração dos estoques e dos custos das mercadorias vendidas,” o que levou a uma revisão dos valores de estoques reportados em anos anteriores que totalizaram R$ 1,1 bilhão.
Em 2024, o impacto foi de cerca de R$ 100 milhões, segundo a companhia. Em 2025, de R$ 64 milhões.
A leitura no mercado é de que a revisão teve que ser feita por uma sub contabilização das perdas nos estoques.
Essa hipótese tem sido aventada porque a revisão do Grupo Mateus levou a uma redução dos estoques e um aumento dos custos — justamente o que acontece no caso de perdas maiores do que as registradas.
“O controle de perdas é uma dificuldade inerente ao negócio de varejo alimentar. Demanda sofisticação e tem que ter um controle razoável dos estoques,” disse um analista que cobre o papel. “Numa empresa em amplo crescimento como o Grupo Mateus e que sempre foi uma companhia de dono e que não teve um processo de sofisticação antes de vir ao mercado, isso é ainda mais difícil.”
Esse analista nota ainda que o Grupo Mateus já tem um histórico de mudanças na contabilidade, o que faz com que o mercado fique ainda mais reticente com um episódio como esse.
“Parece que foi só uma situação de falta de controle, e que eles já estão agindo para corrigir, mas ninguém sabe se eles vão ter que fazer novas revisões e o tamanho que isso pode tomar,” disse ele.
Desde seu IPO, o Mateus já mudou, por exemplo, a forma como contabiliza a bonificação dos fornecedores, além das despesas e receitas financeiras (já que fazia isso no regime caixa e não no de competência, como é a praxe de mercado).
Outro analista, do buyside, disse que o ajuste mostra uma falta de controle da empresa, “mas não é que sumiu caixa.”
“Não teve buraco de caixa, como aconteceu com outras empresas recentemente. Mas tem uma questão de qual é a rentabilidade da companhia para frente,” disse ele.
Segundo esse analista, o impacto de R$ 100 milhões nos estoques em 2024 representa uma redução de 30 basis points na margem bruta — o que, num setor de margens baixas como o varejo, é algo significativo.
“A principal questão é se foi só isso mesmo e se não vai aparecer mais coisa,” disse o analista. “Isso gera uma incerteza grande. Todo mundo perde confiança nos números do modelo, o que explica a dinâmica recente do papel.”
Esse analista disse ainda que há algumas dúvidas em outras linhas do balanço. Em julho, o Grupo Mateus concluiu a aquisição da rede Novo Atacarejo (por meio de uma joint venture) e a companhia reportou os números gerenciais da JV pela primeira vez no terceiro tri.
“Esses números vieram meio confusos. Abaixo do EBITDA (os impostos, aluguéis) está mais difícil de entender. Acho que como teve essa questão do ajuste de estoques, eles acabaram deixando isso meio de lado,” disse ele.
Outro ponto que não vinha caindo bem entre os investidores é o fato do Grupo Mateus nunca ter contratado uma das ‘Big 4’ para fazer a auditoria de seus balanços. Nos últimos cinco anos, o auditor era a Grant Thornton e, recentemente, a companhia mudou para uma auditoria ainda mais desconhecida, a Forvis Mazars.
Depois do anúncio dos erros no estoque, o Grupo Mateus começou a sinalizar para investidores que deve contratar uma das Big 4, mas a companhia ainda não fez nenhum anúncio oficial a respeito disso.
Há, finalmente, o fator geográfico. Analistas dizem que o Grupo Mateus é uma empresa mais afastada “do nosso dia a dia e com difícil acesso aos executivos,” já que a sede fica no Maranhão e os executivos têm uma agenda intensa de abertura de lojas.
No relatório em que deu o downgrade do papel, o UBS BB disse que a revisão dos sistemas contábeis e um controle mais rígido dos estoques deve ser um fator positivo para a empresa.
“No entanto, a divulgação [da revisão de estoques] também levantou preocupações sobre os controles pré-existentes, o que pode reduzir a visibilidade do case de investimentos,” escreveu o analista Vinicius Strano.
“Em nossa visão, o mercado provavelmente vai exigir mais tempo — e uma entrega mais consistente — para reconstruir a confiança na tese. Enquanto isso, um cenário macroeconômico mais desafiador pode continuar pressionando o sentimento do mercado, potencialmente limitando uma recuperação significativa do preço das ações.”
Se há um lado positivo de toda essa história, “é que eles estão arrancando um band aid que tinha que ser arrancado. Estão arrumando a casa e o maior interessado nisso é o Ilson,” disse um analista.
Os questionamentos sobre a contabilidade são o teste mais recente — e talvez o mais crítico — para Ilson Mateus, o fundador da companhia que começou 40 anos atrás com um pequeno mercadinho em Balsas, no Maranhão, e construiu um império que hoje tem quase o mesmo valor de mercado que o Assaí, que faturou R$ 80 bilhões ano passado em comparação aos R$ 36 bi do Mateus.
Depois da queda recente, o Grupo Mateus vale R$ 12 bi na Bolsa, com a ação negociando a cerca de 8x o lucro estimado para o ano que vem.
A forma como a empresa vai lidar com o problema — incluindo sua comunicação com o mercado — vai definir sua capacidade de recuperar a credibilidade junto aos investidores. Procurado, o CFO Tulio Queiroz não quis se manifestar.






