O simples prospecto de que Donald Trump possa ficar encarregado do arsenal nuclear e das políticas externa e comercial dos EUA — para citar as áreas onde as consequências de sua ‘liderança’ seriam mais óbvias — detonou uma onda de aversão a risco no mundo nesta terça-feira, sete dias antes da eleição americana.

A ameaça cada vez mais real de que um candidato volátil, despreparado, egomaníaco, sem base partidária sólida, com ideias mal formuladas e capacidade de julgamento questionável possa assumir a Casa Branca começou a entrar no preço dos ativos.

O preço do ouro — reserva de valor nas crises e guerras — subiu, e o dólar se intimidou frente ao euro, o iene e o franco suíço.  Aqui na periferia o efeito é o contrário: a ameaça de um mundo mais incerto e menos líquido faz os investidores comprarem o dólar, que subiu hoje 1,6%.

O peso mexicano mergulhou 1,8%, sua maior queda diária desde julho: o maior parceiro comercial dos EUA pode ser prejudicado por uma eventual revisão do NAFTA, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que Trump denunciou durante sua campanha populista.

O VIX  — o índice que mede a volatilidade (incerteza) do mercado — disparou 8,8% para o maior nível desde junho, segundo a Bloomberg.

Por que Trump, o candidato do Partido historicamente visto como pró-mercado, é ‘bad for business’?Donald Trump

Na economia, o candidato tem se valido de uma retórica populista e isolacionista, prometendo ‘falar duro com a China’, o que sugere que a era dourada da abertura comercial, que já estava em seus estertores, terá seu final acelerado. Menos comércio significa menos oportunidades de crescimento para as empresas americanas (as que mais se beneficiaram do ‘laissez-faire’ até hoje), e menos oportunidade de enriquecimento para as economias emergentes.

Na política internacional, Trump critica a OTAN, a aliança militar pela qual os EUA preservam sua zona de influência na Europa e que definiu o pós-guerra; ele acha que os países-membros da OTAN (em sua maioria, quebrados) têm que ajudar os EUA a pagar as contas de sua força militar, e não vê problema na instabilidade representada pela Rússia de Vladimir Putin, a quem considera ‘um líder’.  Essa incerteza geopolítica — que já está em alta mesmo sem Trump — deve gerar volatilidade nos preços de energia (petróleo), sem falar no custo que eventos inesperados causam às empresas.

Nas políticas domésticas, a retórica de Trump — o candidato apoiado pela Ku Klux Klan (“but hey, that’s not his fault!”) — alienou negros, mulheres, muçulmanos, judeus, imigrantes, veteranos de guerra, em suma:  uns 80% da população americana.  A lista dos ofendidos é tão grande que é chocante ele ainda ter os votos que as pesquisas indicam.

Muita gente — incluindo alguns brasileiros amigos deste Journal — acham que Hillary Clinton é uma ‘socialista’, ou uma ‘versão americana de Dilma Rousseff’…  A lista de bobagens é longa. 

Perdão: não há comparação possível entre os dois candidatos. Com todas as reservas que se podem fazer a Clinton, não há comparação entre uma candidata com um histórico conhecido de serviço público e um que se recusa até a publicar sua declaração de renda.  Entre uma ex-Secretária de Estado reconhecida em todo o mundo e um empresário que caiu no gosto do ‘dinheiro novo’ do planeta por seus prédios com maçanetas banhadas a ouro.  A superficialidade de Trump transborda num vazio de significado; a densidade histórica de Clinton convida à reflexão.  A retórica da divisão do primeiro joga a proverbial gasolina no fogo; a capacidade de formulação de políticas da segunda permite, ao menos, a esperança de encaminhamento dos problemas.

Os americanos médios estão empobrecidos, cansados e sem esperança.  Acima de tudo, estão com raiva, essa péssima conselheira.  Primeiro, a globalização desestruturou cadeias produtivas que permitiram à classe média americana nascer e se afirmar como a inveja do mundo moderno.  Depois, a crise de 2008 (com todos os seus culpados não punidos) deixou milhões sem casa, emprego e dignidade.  Pior:  o dia seguinte da crise acentuou o sentimento de que Washington, como Brasília, está se lixando para o cidadão de bem e cuida apenas dos interesses corporativos organizados, uma política da qual ‘House of Cards’ e Frank Underwood — o Eduardo Cunha deles — são a metáfora mais perfeita.

Com todo seu simbolismo, a eleição de Barack Obama forneceu um bálsamo temporário para essas feridas, mas sua administração — em que pese a recuperação da economia da hecatombe de 2008 — esteve longe de convencer o americano médio de que seus filhos terão uma vida melhor, e de que ele, o ‘average Joe’, ainda é o protagonista do sonho americano.  Esse sonho acabou, e acordamos ao lado de Donald Trump.

O capitalismo resistiu à crise de 2008.  Tomara que os EUA não tenham que resistir a um capitalista que já quebrou várias vezes, e cujo entendimento de políticas públicas têm a profundidade de uma peça publicitária de 30 segundos.

Claro, é mais cômodo acreditar que Trump jamais faria tudo que disse na campanha, e que ele apenas encarnou um personagem para vencer.  Mas se você acreditar nisso, faça-o por sua conta e risco.

Se eleito, Trump vai nos empobrecer a todos, e tornar o planeta um lugar menos seguro.

Mas a conta deve chegar antes, porque os mercados não costumam esperar as urnas.

 
 
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