André Esteves acha que o Banco Central chegou ao limite de queda dos juros neste ciclo, e que a fraqueza do câmbio está ligada à acomodação do mercado a este novo patamar de juros.

“Depois de termos feito um movimento estrutural dos maiores na história global — a reforma da Previdência — e de termos conquistado o direito a juros civilizatórios, como a gente está vendo agora, esses dois componentes combinados significam um ganho fiscal que a meu ver o mercado subestima. Eu acho que a gente vai ter, ano após ano, uma melhora tão significativa da situação fiscal que isso vai ser uma notícia positiva que ainda vai entrar nos preços. Não está presente hoje. A pauta agora começa a entrar na zona da produtividade. A reforma administrativa tem um componente fiscal relevante e um pouquinho de produtividade; e a reforma tributária tem mais [um elemento de] produtividade do que fiscal.”
Esteves fez os comentários abaixo durante a CEO Conference do BTG hoje em São Paulo.
JUROS
“Existe uma grande discussão no mercado se essa decepção com o crescimento — junto com a continuidade de uma inflação muito baixa — deveria puxar o BC para novas reduções. Eu acho uma discussão pertinente mas, na minha visão de analista, eu acho que o BC não reduzirá o juro na próxima reunião.
Primeiro, nós já estamos numa potência, se não máxima, perto da potência máxima da política monetária, e muito provavelmente movimentos adicionais na taxa de juros não teriam o mesmo impacto que os movimentos iniciais.
Tem outros fatores também: uma acomodação do patamar do câmbio e essa realocação ‘tectônica’ da poupança interna, que também requerem observação por parte do Banco Central. Se eu estivesse sentado lá na cadeira, eu não cairia o juro — talvez nem caísse na última rodada, porque eu gostaria de observar um pouco mais essas duas variáveis andarem.
E como a gente está muito perto da política monetária máxima, eu não vejo muito sentido ou necessidade de empurrar [o crescimento] por aí. Eu acho que vamos empurrar o crescimento ativando o mercado de capitais, fazendo reformas micro e macroeconômicas, continuando a mostrar solidez fiscal e tirando o estado da economia.
Essa é a agenda do crescimento. Não é forçando demais o juro, [senão] a gente vai acabar criando uma confusão na economia que não precisa.
CÂMBIO
“Tem uma certa surpresa com essa força do dólar, até porque se você olhar o valor intrínseco do dólar — o poder de paridade de compra — o real parece barato.
Se você jantar fora, ou pegar o Uber, ou cortar o cabelo, o Brasil está mais barato que Nova York. A percepção é que a moeda está barata.
Mas se você olhar, desde o começo do ano, o real deve ter desvalorizado 8% ou 8,5% — para uma inflação anual de 3%, 3,5%. Ou seja, só esse ano, a gente já deu mais 5% de câmbio real num câmbio que já estava relativamente barato.
As pessoas falam que quando o câmbio desvaloriza no Brasil, o efeito é contracionista. Isso é uma verdade e uma mentira ao mesmo tempo. Foi verdade para as desvalorizações dos últimos 200 anos. Não é verdade agora por quê? Porque agora o câmbio desvaloriza mas a Bolsa está no high e o risco Brasil está no low, abaixo de 100 pontos-base. Então o câmbio agora é expansionista de atividade, apesar de pouco, já que nossa corrente de comércio é muito pequena.
Mas por que estamos nesse patamar se a moeda está barata e a gente continua dando câmbio real?
Tem dois fatores: um externo e um interno.
No externo, é a história americana. No fundo no fundo, os EUA estão performando melhor que o resto do mundo em termos de crescimento. Melhor que Brasil, Europa e China. No longo prazo, câmbio é crescimento, então isso tem uma influência, e o dólar está se valorizando contra todas as moedas do mundo.
Mas tem uma coisa intrigante: o real está mais fraco que a maioria das moedas, inclusive moedas comparáveis com a nossa. Por quê?
Aí entra o fator local. A minha sensação é que nós, todos os agentes financeiros em atuação no Brasil, estamos nos adptando a esse novo patamar de juros. Como o real sempre foi uma moeda de carrego — uma moeda de investimento e não uma moeda de financiamento — a gente mudou de status e está acontecendo uma realocação, muitas vezes pouco perceptível nas estatísticas oficiais.
Quando você pega por exemplo as estatísticas de FDI [investimento estrangeiro direto] e começa a granularizar, elas são muito complexas e tem muita coisa embutida lá dentro. Num exemplo hipotético, tem lá um empréstimo da Ford matriz para a Ford local para financiar o seu banco porque é muito mais barato dada a taxa de juros. Na hora que você inverte e fica mais barato para o Banco Ford captar no Brasil, o banco capta aqui, paga sua matriz lá fora e você cancelou um suposto FDI do ponto de vsita estatístico.
A nível local, existe essa readequação ao novo patamar de juros que leva a uma pressão de desvalorização. Uma hora ela termina, porque o Brasil vai ficando barato, e mais barato e mais barato… até uma hora que esses fatores se invertem. Eles podem se inverter a R$ 4,30 ou a R$ 4,50. O importante é a gente não deixar isso contaminar outras variáveis financeiras. Até agora isso não aconteceu nem parece acontecer para alguma desvalorização adicional marginal.”