A ação da Ambev cai mais de 6% hoje depois de publicar um quarto trimestre abaixo das estimativas do mercado e dar um guidance de custo “desapontador”, nas palavras de diversos analistas.
A Ambev entregou um EBITDA de R$ 7,15 bilhão e um lucro líquido de R$ 4,38 bilhões, 6% e 9% abaixo do consenso, respectivamente.
Em parte, a culpa é dos hermanos. Os números vieram abaixo do mercado principalmente por conta de um efeito não-caixa da desvalorização do peso argentino.
Pelas normas do IFRS, em países que passam por uma hiperinflação, é preciso ajustar os resultados de todos os trimestres anteriores com base na cotação do câmbio ao final do trimestre reportado.
Como o peso argentino teve uma desvalorização brutal em dezembro, por conta de medidas do novo Governo, isso gerou um impacto negativo de R$ 983 milhões no EBITDA da Ambev.
Com isso, o EBITDA da América Latina Sul (LAS) – a vertical que engloba a Argentina – caiu 60,8% para R$ 795 milhões.
A hiperinflação da Argentina também impactou nos volumes de vendas da região, que caíram 3,8% no trimestre com uma demanda fraca dos argentinos por cervejas. Já a receita líquida despencou 68%.
O CFO Lucas Lira disse ao Brazil Journal que isso é apenas um efeito contábil e que a companhia conseguiu gerar mais caixa em dólar na Argentina este ano do que no ano passado. “Na contabilidade, a foto é o que é. Mas em termos de geração de caixa em moeda forte tivemos um desempenho muito bom na Argentina,” disse ele.
Lucas não abre exatamente quanto a Ambev gerou de caixa em dólar no país, mas diz que foi mais que o dobro do ano passado.
Outro destaque negativo foi o Canadá, onde os volumes caíram 7,4% e os preços, 3,4%, em meio a uma desaceleração da indústria como um todo. O Citi disse que o EBITDA do Canadá – a boa e velha Labatt – veio 27% abaixo do que o banco esperava.
Lucas também relativizou o resultado. Segundo ele, apesar da queda dos volumes, que veio basicamente por um efeito da indústria, fora do controle da companhia, a Ambev conseguiu crescer suas marcas premium no país – a Corona e a Michelob Ultra.
“Essas duas marcas cresceram em volume, market share, e cresceram a saúde das marcas. É um indicativo de que se continuarmos acertando mais do que errando, isso tende a nos ajudar na frente,” disse ele.
No Brasil, os volumes também caíram, num patamar bem menor, de 1,1% – mas o EBITDA veio forte, uma alta de 33% para R$ 4,1 bilhões.
“Ainda que já esperado, os volumes fracos foram confirmados e, na nossa visão, implicam em perdas de market share e numa decepção, dada as temperaturas recordes do Brasil,” escreveu o JP Morgan.
Para o banco, no entanto, a maior decepção do trimestre não foi o EBITDA, o lucro e nem a queda nas vendas.
“O dado mais desapontador foi o guidance para o custo do produto vendido (CPV)/hectolitro de 2024, de uma redução de entre 0,5% e 3%, o que frustrou nossas expectativas de algo ao redor dos ‘mid-single digits’,” escreveu o banco.
O Itaú também disse que a principal discussão vai girar em torno do guidance para o CPV, que pode forçar o mercado a revisar para baixo a intensidade da recuperação da margem EBITDA.
“Na nossa visão, a estimativas do buyside para a queda do CPV estavam mais próximas do ‘mid-to-high-single digit’, enquanto a nossa expectativa era de uma queda de 8%,” escreveu o banco.
O Itaú disse ainda que o ajuste desse indicador em seu modelo, para a mediana do guidance da Ambev, levaria a uma redução da margem EBITDA em 2,8 pontos percentuais.
Já o BTG disse que o novo guidance cortaria em 4% sua projeção para os lucros deste ano.
O CFO da Ambev disse que o mercado estava direcionalmente certo, já que a queda nos preços das commodities – como o alumínio, o malte e a cevada – e a valorização do real de fato levariam a uma queda dos custos em linha com as projeções do mercado.
O que os analistas não colocaram na conta, segundo ele, é o crescimento da participação das cervejas premium no resultado da Ambev, uma tendência que tem ganhado força nos últimos anos.
“Tem um efeito de mix importante, que é o nosso volume premium – de cervejas como Corona, Spatel, Original e Stella – crescer muito,” disse ele. “Isso tem uma consequência boa, que é um aumento da receita por hectolitro, mas naturalmente tem um impacto no custo, porque o custo dessas cervejas é maior.”
Outro fator, dessa vez contábil, que deve ter um impacto nos custos este ano é um ajuste que a Ambev terá que fazer em seu contas a pagar, por uma regra do IFRS.
O BTG disse que a história da Ambev de recuperação da margem continua, “mas num ritmo menor,” e que o momentum do top-line “está claramente se esvaindo.”
“Pressões competitivas parecem estar voltando no Brasil, com a Ambev perdendo market share pela primeira vez desde o início da pandemia, e a inflação de cerveja retraindo.”