O filme Maré Alta, que acaba de chegar aos cinemas, concentra a atenção do público no ator Marco Pigossi em seu primeiro papel de protagonista internacional. A produção norte-americana, com roteiro e direção do italiano Marco Calvani, trata de um imigrante brasileiro em busca da construção de uma identidade pessoal e sexual nos Estados Unidos.

O filme tem recebido elogios e premiações desde sua estreia na SXSW, em Austin, em março do ano passado. No Film Out San Diego, em setembro, arrebatou os troféus de melhor longa de diretor estreante, melhor ator (Pigossi) e ator coadjuvante (James Bland).

No Brasil, a obra foi aplaudida no Festival do Rio e no Mix Brasil 2024, em que acabou reconhecida como melhor longa internacional, sempre acompanhada de superlativos para definir o desempenho de Pigossi.

Marco Pigossi ok

Deixando de lado os exageros e expectativas excessivas, a chegada ao circuito comercial brasileiro testa o fôlego de um filme capaz de ser compreendido além da plateia LGBTQIAPN+. Mais que um drama queer, Maré Alta é uma história sobre as dificuldades de um imigrante em terra estrangeira na sua jornada pelo autoconhecimento.

Na trama, o brasileiro Lourenço sofre uma desilusão amorosa depois de se mudar com o namorado para Provincetown, a cidade praiana de Massachusetts muito apreciada pela comunidade gay. Depois de deixar seu trabalho de contador no Brasil, Lourenço sobrevive ilegalmente como faxineiro e, com o visto de turista prestes a expirar, dribla as frustrações até encontrar um jeito de reconstruir a vida.

Voltar para casa, nem pensar – embora, no fundo, este seja o seu desejo.

Os versos de Canto de Regresso à Pátria, poema de Oswald de Andrade (1890-1954), são evocados em mais de uma cena. Criado por uma mãe evangélica, o rapaz cresceu reprimido, jamais cogitou assumir sua orientação sexual, e justificou a viagem como a oportunidade de um curso em Harvard. 

Em meio ao desencanto, Lourenço se envolve com Maurice (papel de Bland), um enfermeiro norte-americano que vai se mudar para Angola e, por ser preto, sente a discriminação a todo momento no próprio país. 

No relacionamento, o protagonista compreende que, em primeiro lugar, precisa aceitar-se para, depois de fortalecido, cobrar algum pertencimento da sociedade.

Culpa religiosa, homofobia, racismo, exploração: tudo é tratado em Maré Alta. Mesmo que nenhuma questão seja aprofundada, o filme apresenta personagens bem estruturados, e até aqueles que podem parecer caricatos são de fácil identificação.

A cuidadosa elaboração dos perfis dos personagens resulta da experiência de Calvani como dramaturgo teatral.

Mesmo focado no drama do protagonista, o roteirista e diretor criou coadjuvantes psicologizados e com problemáticas próprias, como o ex-casal Bob e Miriam (vividos por Sean Mahon e Marisa Tomei) e o velho Scott (o ator Bill Irwin), que aluga um quarto para Lourenço. 

O elenco equilibrado valoriza o conjunto da obra e permite a Pigossi explorar seus recursos com tranquilidade.

Galã valorizado pelas novelas da Globo na década de 2010, Pigossi, além de bonito, sempre demonstrou talento e deu uma guinada ao sair da emissora em 2018 – uma época em que os contratos ainda eram facilmente renováveis. Participou de séries da Netflix, produziu o documentário Corpolítica, dirigido por Pedro Henrique França, e planejou cirurgicamente uma carreira internacional.

A transformação profissional veio acompanhada de uma virada de mesa que, com as devidas proporções, aproximam Pigossi do personagem de Maré Alta. 

Desde 2018 ele mora em Los Angeles e, dois anos depois, começou a namorar Calvani, com quem se casou em 2003. O ator assumiu sua orientação sexual, revelou traumas enfrentados no passado e trabalha para aumentar a visibilidade das causas ligadas à comunidade.

Sensível, honesto e bem-realizado, Maré Alta é mais um entre tantos filmes sobre a conscientização do processo de “sair do armário”. 

Não tem a complexidade de Sebastian, a produção inglesa dirigida por Mikko Makela, ou o realismo de impacto social de Baby, do cineasta brasileiro Marcelo Caetano, para citar dois longas de temáticas semelhantes vistos nas telas no começo deste ano. 

Comparado a estes títulos, carrega até uma certa ingenuidade, mas oferece atrativos de sobra, principalmente para o público que for ao cinema ver o ex-galã da Globo em ascendente empreitada internacional.