Num evento logo após ter assumido a presidência da Totvs, um investidor perguntou a Dennis Herszkowicz como era estar nos sapatos de Laércio Cosentino, o fundador que liderou a companhia até novembro de 2018. 

“Eu não estou nem estarei no sapato dele, o fundador da Totvs é e continuará a ser o Laércio”, respondeu. “Eu sou o CEO”.  

Desde então, Dennis vem conseguindo executar sua agenda, afastando o fantasma da sucessão que assombrava a companhia. 10889 18612d89 f228 0603 5343 9840d5e408e1

O passado não era bom mensageiro: em 2015, Rodrigo Kede deixou a IBM para comandar a Totvs, mas abandonou voltou à casa antiga menos de um ano depois, e Laércio voltou ao comando.

Com pouco mais de um ano no cargo, Dennis arejou a companhia: azeitou o relacionamento com as franquias da Totvs — que respondem por cerca de 50% das vendas —, aumentou a oferta de produtos via parcerias e aquisições e conseguiu fazer com que a receita da companhia, há anos no marasmo, voltasse a crescer na casa dos dois dígitos. 

Mais: se desfez do negócio de hardware da Bematech, um dos investimentos mais mal sucedidos e mal explicados da história da Totvs. 

Um follow-on de R$ 1 bilhão em maio do ano passado deu fôlego para a companhia colocar em prática uma política agressiva de M&A, dessa vez mostrando mais habilidade na alocação de capital. 

A compra da Supplier, de crédito B2B, quase meio bi, consolidou a entrada no que a companhia chama de ‘techfin’ — alavancando a capilaridade e o grande volume de dados que passam pelos sistemas de ERP da Totvs em direção a uma nova avenida de crescimento. 

Desde que Dennis assumiu a companhia, as ações da Totvs sobem mais de 150% (em meio a um mercado em alta, é verdade). O desempenho se traduziu em aumento do volume de negociação e, este mês, a Totvs se tornou a primeira empresa de tecnologia a figurar no Ibovespa.

Dennis fez carreira de 15 anos na Linx, onde foi CFO e diretor de novos negócios e responsável tanto pelo IPO quanto por um follow-on de R$ 500 milhões em 2015. 

Ele recebeu o Brazil Journal na sede da Totvs no começo de dezembro.

Você assumiu a Totvs há pouco mais de um ano. Quais as prioridades que identificou quando chegou? 

A gente mexeu na remuneração do vendedor, tirando um pouco o peso da parte de serviços e aumentando a parte do recorrente — seja via manutenção ou subscrição, o que foi melhor para o cliente. A nossa receita recorrente hoje está em dois dígitos porque tem incentivo e foco muito maior para isso.

Outra coisa fundamental foi a própria melhoria na relação com as franquias. Por fatores que não vem ao caso agora, existia um certo distanciamento entre as franquias e a corporação e isso foi uma das grandes prioridades que eu tive quando cheguei. As franquias respondem por quase 50% das vendas da Totvs. Como a gente podia ter uma performance agressiva de crescimento de vendas se quase metade da estrutura não está engajada, feliz e investida do jeito que deveria? 

Vocês compraram a Supplier, de crédito B2B, mas já sinalizaram ao mercado que olham também outras frentes: como concessão de crédito estudantil e consignado. Existe alguma frente que mais iminente?

Temos a parte de soluções de crédito ligadas a salários, e o consignado é só um formato para fazer isso. Em empresas com menos de mil trabalhadores, o consignado privado nunca pegou — e um dos motivos é exatamente a distribuição. Os bancos não conseguem chegar nesse pessoal. A ideia é ter o foco em empresas com menos de mil trabalhadores, que é o coração da base da Totvs. 

Vocês pretendem fazer isso via aquisição ou tem algum produto já sendo desenvolvido dentro de casa?

A gente tem um app que já está rodando, com milhares de downloads, chamado MeuRH, que é um sistema pelo qual os funcionários podem acompanhar informações de salários, benefícios. Estamos investindo para tornar esse app muito mais robusto, com usabilidade mais amigável, porque isso seguramente vai ser um veículo importante para fazer essa oferta de crédito para a nossa base.

Alguma outra frente em produtos financeiros?

Estamos próximos de sair a mercado com uma oferta de pagamento educacional. Já temos uma plataforma chamada eduCONNECT, que permite a comunicação e a interação entre alunos, pais e as instituições de ensino. É nesse app que você olha agenda, notas, esse tipo de coisa. Hoje, essa plataforma não permite que seja feito o pagamento de mensalidades, compra de material, etc. O primeiro trabalho que estamos fazendo — e já estamos próximos de lançar, provavelmente no primeiro trimestre — vai ser dar capacidade de pagamento para essa plataforma e criar o eduCONNECT Pay. Hoje eu cobro o uso do software como cobro de qualquer outro segmento. O eduCONNECT Pay nos daria a oportunidade de uma captura adicional. 

O produto é mais voltado para ensino básico ou superior? Vocês têm alguma estimativa do que seria o mercado endereçável?

Somos líderes incontestáveis, principalmente em educação superior. Nossa solução é mais parruda, então, ao menos num primeiro momento, se encaixa bem em faculdades e escolas um pouco maiores.  Nossos clientes em educação geram um TPV [total payment volume, ou o valor total que passaria pelos sistemas de pagamento] de mais ou menos R$ 35 bi. A gente tem hoje cerca de 3 milhões de alunos sendo geridos em nossas soluções e o tíquete médio é de R$ 800 a R$ 1000. 

Vocês pagaram meio bilhão pela Supplier, metade do que levantaram no follow-on do começo do ano. Podemos esperar outras aquisições do mesmo porte? 

A gente continua vendo grandes oportunidades,a maior parte são empresas menores, não tem tanta empresa grande assim disponível… O que a gente acha é que não existe nenhuma aquisição que, sozinha, enderece tudo que a gente precisa. Ou seja: vai ser um ciclo, uma jornada de M&A e dentro dessa jornada, vai ter empresas maiores, menores, mais generalistas, mais especializadas…

[No fim de dezembro, depois da entrevista, a Totvs anunciou a compra da Consinco, de softwares para supermercados, por R$ 272 milhões, consolidando sua presença no setor]

E tem caixa para isso? 

O caixa está acima de R$ 1 bi. A Totvs gera R$ 400 milhões de caixa por ano. Se olhar um ciclo de três anos, dá para gastar tranquilamente mais do que foi levantado no follow-on. 

Qual o potencial de expansão da Supplier dentro da estrutura da Totvs? 

Tem muita coisa para fazer. O carro-chefe da Supplier é o produto off-balance, o afiliado não tem co-participação ou co-obrigação no risco de crédito. Agora, tem outro produto, com co-obrigação, em que o tomador efetivamente corre o risco junto com a empresa. E esse é um produto que, dentro da nossa base de clientes, pode ter mais saída do que tem dentro da Supplier hoje, sozinha. 

Por quê? 

Porque é um produto mais simples do ponto de vista do on-boarding. Para criar um cartão da Votorantim, por exemplo, não é um negócio que você aperta um botão e está pronto no dia seguinte. Tem que determinar qual vai ser o perfil específico de clientes que você vai trabalhar, a análise de crédito e limites pré-aprovados, tem que fazer o setup desse pré-pagamento dentro do ERP dos afiliados… O produto que a gente chama de ‘on balance’, que é basicamente de desconto de duplicata, é mais padronizado. Você consegue fazer todo o trabalho de originação remoto, pode deixar a inteligência artificial dando o que é a recomendação, inclusive folheando quais são as duplicatas e recebíveis que você tem para receber e dizendo: esses aqui se encaixam dentro do que eu quero correr de risco e do que seria uma taxa adequada para você.

Vocês já têm a ferramenta de inteligência artificial para isso? 

Já temos a Carol, que é nossa iniciativa de inteligência artificial. Toda infraestrutura já existe. O que vai ser criado é a aplicação específica de AI dentro desse tipo específico de informação. Isso ainda não existe, é o que estamos desenvolvendo.

E quanto tempo para colocar isso de pé? 

Ao longo de 2020, mas ainda não temos a data prevista. 

A Totvs vendeu a parte de hardware da Bematech, colocando fim num investimento que vocês mesmo já admitiram que não deu certo. A parte de software, que ficou dentro da companhia, o Bemacash, voltado para micro e pequenas empresas, era uma promessa que veio com a empresa e nunca decolou. Qual o plano para essa vertical? 

A comparação que eu faço com esse mercado é a seguinte: é como vender sapato na África. Você sabe que lá tem 1 bilhão de descalços, mas o fato de ter 1 bilhão de descalços não quer dizer que você vai vender 1 bilhão de sapatos hoje.  Esse mercado tem seus 3, 4, 5 milhões de potenciais clientes, mas ninguém conseguiu colocar esse ovo de Colombo de pé do ponto de vista da distribuição. Porque fazer a distribuição de um software de gestão — que não é uma coisa simples — com um custo baixo o suficiente para compensar a mortalidade natural desse negócio não é simples. 

Tinha um problema na Bemacash, que a gente mudou para melhor: quando a Bematech hardware estava aqui, a oferta de software envolvia a parte de device, da maquininha. E claramente a gente não tinha condições de concorrer nesse negócio, porque era um negócio de centenas de milhões e a gente estava no milhar. Isso por si só já tornava a nossa oferta pouco competitiva. 

Hoje, o software é agnóstico e roda na maquininha ou no device que for (celular, tablet, PC normal….). Hoje, o Bemacash já está batendo recordes de venda mês após mês. Ainda não é tudo que nós imaginávamos e tudo que nós imaginamos que pode ser, mas já está performando muito melhor que antes. 

Dito isto, o que estamos vendo? Essa questão de pagamentos. O Bemacash como negócio de gestão sozinho até tem algum futuro, mas a gente acredita muito mais nele ligado com a oferta de adquirência do que simplesmente o software sozinho. É nisso que estamos trabalhando, uma oferta que junte o software com o pagamento. 

Mas vocês desenvolveriam alguma coisa de adquirência in-house ou fariam alguma parceria? Vocês já chegaram a conversar com Stone, PagSeguro?

Nós já falamos com todos. Não tem um adquirente com quem a gente não tenha um ótimo relacionamento e com quem a gente não tenha falado. A gente está aberto do ponto de vista da parceria: podemos fazer com qualquer um e com todos, não há do nosso lado nenhuma limitação nesse sentido. 

E o que está impedindo a parceria? 

Algumas empresas estamos criando os softwares delas e apostando que vão ter esse software ligados às maquininhas delas.  Gostaríamos muito que a parceria acontecesse, mas estamos trabalhando mesmo sem essa parceria e os resultados já são muito melhores do que eram no começo do ano só por esse liberdade total do ponto de vista de device, o que faz uma diferença incrível no aspecto comercial. 

Qual o potencial de crescimento da Totvs no negócio core, de ERP? Há opcionalidades além da estratégia da techfin?

A estratégia sempre foi revitalizar o que a gente chama de core, toda a parte de software de backoffice. Conseguimos fazer isso nos últimos meses, o que nos abriu a chance de criar novos mercados. O primeiro deles, em dúvidas, é o de techfin.  Mas tem um segundo grande mercado que talvez não tenha chamado tanto a atenção do mercado que é o business de performance. 

O que eu quero dizer com isso? As ofertas da Totvs são ofertas de backoffice. A comparação que eu faço é com a tubulação de água, a parte elétrica: você sabe que precisa disso, mas uma vez que você colocou, você nem lembra que existe — a menos que dê algum problema. Os nossos sistemas de backoffice e RH são exatamente isso: eles não ajudam nosso cliente a vender mais. Já com o business de performance, estamos criando um portfólio de soluções que ajuda o cliente a vender mais, a avançar nessa cadeia de valor. 

O CRM já caminha nesse sentido, a joint venture com a VTEX em ecommerce, tudo que envolve big data, soluções de que a gente chama de ‘lead to revenue’ — que é um mundo bem amplo — nos interessam. É quase como se, do ponto de vista prático, a Totvs até hoje atingisse o bolso de TI e falasse com o interlocutor da empresa de TI. Com o negócio de performance, queremos atingir o bolso de negócios, de marketing… É um desafio grande, uma coisa que está começando agora, mas que tem muito potencial. 

Qual a relevância desse business hoje?

É pequena por enquanto. O CRM ainda é muito incipiente, lançamos no começo de 2019. É um desafio super importante, mas na medida que já temos 40 mil empresas como clientes,  para sair do bolso de TI e migrar para o bolso de negócios, é muito mais fácil do que para alguém que não está naquele cliente.