Um dos dramas das pessoas que sofrem com doenças raras é a dificuldade que os médicos têm em fechar um diagnóstico preciso.
Essas enfermidades às vezes têm causas não conhecidas, mas podem ter origem genética, imunológica ou infecciosa. Dentre as 8 mil doenças raras catalogadas, algumas das mais conhecidas são a esclerose lateral amiotrófica (ELA), a fibrose cística e a distrofia muscular.
São raras, mas nem tanto.
No Brasil, as estimativas são de que haja cerca de 13 milhões de pacientes.
Identificar precisamente a doença pode ser um processo longo, elusivo e nem sempre conclusivo – mesmo depois de uma bateria de exames. A incerteza dificulta o tratamento.
Agora, uma nova tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores da Mayo Clinic – uma referência em medicina nos EUA – deve acelerar o diagnóstico e torná-lo mais preciso, particularmente nas condições causadas por alterações genéticas.
Trata-se de um sistema que compara regularmente – e de forma automatizada – as informações do sequenciamento genético dos pacientes com as novas descobertas científicas e os novos estudos publicados em todo o mundo.
A partir deste rastreamento, as informações são cruzadas, procurando ‘casar’ os dados das pessoas enfermas com as conclusões de pesquisas recém-publicadas.
A tecnologia, apresentada pela primeira vez há dois anos, ganhou o nome de RENEW, de REanalysis of NEgative Whole-exome/genome data.
Em um estudo publicado recentemente na revista científica Human Genetics, os pesquisadores da Mayo Clinic descrevem como o sistema contribuiu para chegar ao provável diagnóstico de 63 pacientes, de um total de 1.066 casos que estavam sem causa definida.
O número parece pouco expressivo, mas, de acordo com os autores da pesquisa, é bastante relevante quando se considera que a grande maioria dos pacientes de doenças raras continua sem um diagnóstico mesmo após a análise genética.
“Cada diagnóstico facilitado pelo RENEW significa um avanço no sentido de oferecer respostas e esperança para pessoas que vivem com as complexidades de uma doença rara,” disse Alejandro Ferrer, um dos coordenadores do estudo.
A análise completa de cada paciente foi feita dentro de um espaço de tempo que variou de 10 segundos a 1h30. Em média, o RENEW precisa de 20 segundos para cruzar as informações disponíveis para 5.741 variantes genéticas que ele prioriza em seu modelo.
Fazer manualmente um cruzamento de dados parecido pode levar semanas.
Entre os pacientes beneficiados pela nova tecnologia estão dois irmãos que desde a primeira infância enfrentam os severos efeitos de uma doença cuja causa permaneceu desconhecida por anos.
Os casos de ambos são similares, com deformação da cabeça e da língua, redução do tônus muscular, ossos quebradiços, dificuldades de visão e apneias, além de infecções recorrentes.
Os médicos suspeitavam de alguma anormalidade genética hereditária, mas não conseguiram identificar a malformação mesmo depois de diversos exames.
A resposta veio apenas uma década mais tarde. Com o RENEW, foi possível identificar que ambos portam uma variante num gene chamado de ZBTB7A. As doenças causadas por essa anomalia foram descobertas por pesquisadores noruegueses em 2021.
Os cientistas da Mayo trabalham agora para aprimorar a tecnologia de diagnóstico automatizado. Eric Klee, um dos pesquisadores à frente do projeto, disse ao Brazil Journal que o RENEW vai ‘conversar’ com sistemas de diagnóstico de outros centros de pesquisa para ampliar o seu alcance.
“Estamos avaliando como integrar os outputs do RENEW com sistemas de interpretação de variantes genéticas,” disse Klee. “O RENEW poderia então contribuir na identificação automatizada de variantes genéticas altamente suspeitas de estarem ligadas a determinadas doenças, dentro de diretrizes como as divulgadas pelo American College of Medical Genetics and Genomics.”
Segundo Klee, há muitos softwares similares que estão sendo desenvolvidos atualmente. Por isso, deverá haver um grande avanço desses recursos nos próximos anos, com os sistemas conversando uns com os outros.
“Nos últimos dez anos, vimos um importante avanço de nossa compreensão dessas doenças,” disse o pesquisador da Mayo. “As causas genéticas determinam milhares dessas condições. Com esse conhecimento, o RENEW poderá evoluir para a análise de alterações genéticas mais complexas e valer-se do conhecimento de um número cada vez mais amplo de fontes de informação.”