Um dos destaques da 3ª edição da ArPa, a feira de arte que começa nesta quarta-feira em São Paulo, são as novas obras de Nilda Neves, a artista autodidata representada pela Gomide & Co.
Em 2015, o marchand Renato Cara estava andando pelo bairro de Pinheiros quando passou em frente a um pequeno salão de cabeleireiro, lotado de quadros por todos lados.
Curioso para entender o que acontecia naquele espaço, Renato entrou e viu pinturas originais, de qualidade excepcional, com uma temática regional e surrealista. Além de ser a dona do salão, Nilda Neves na época também era conhecida no bairro pelo maravilhoso acarajé que vendia.
Renato levou algumas obras para mostrar para os sócios – que compraram todas. Rapidamente se espalhou a informação de que uma artista extraordinária fora descoberta, o que despertou o interesse de curadores, galeristas e artistas como Rivane Neuenschwander e Adriana Varejão.
A história de Nilda começa no Sertão baiano na década de 60, criada por pais que valorizavam o trabalho, a literatura e a convivência familiar.
“O sonho do meu pai era que eu fosse professora,” Nilda disse ao Brazil Journal. “O que naquela época, e na roça, é o equivalente a querer ver uma filha desembargadora hoje. Minha mãe gostava de ler e adorava contar histórias.”
A força do trabalho diário, a paisagem do interior e a riqueza lúdica das histórias lidas e ouvidas formam a base de tudo que Nilda fez na vida até agora.
“Tudo o que pinto é o que eu vi e vivi lá. E onde gostaria de voltar a morar. O sertão é tão incrível. Lembro como as noites de lua e as baraúnas brilhavam. Vejo tudo na minha cabeça como se eu estivesse lá ainda,” contou emocionada.
Nilda casou, separou, teve filhos e mudou-se várias vezes. Uma coisa que aprendeu desde cedo com o pai foi trabalhar duro, produzir e vender. Além de vender gado e o que produzia no interior, o pai era sócio da tia em um comércio em Botuporã, onde Nilda foi morar. Sua mãe queria que ela aprendesse a cozinhar e costurar para ser “prendada” como as moças da época; já a menina queria estudar e trabalhar na cidade.
Resolveu tentar a vida em São Paulo e abriu um comércio de produtos nordestinos. “Eu sei vender,” diz com o orgulho de quem sabe mesmo. Fechou o negócio por questões pessoais e abriu um cabeleireiro, sem nunca ter feito curso ou cortado o cabelo de ninguém. No tempo livre, passou a escrever poemas.
Seus primeiros livros, Belo Sertão e Lavrador do Sertão, foram escritos em 2010. Como não tinha dinheiro para pagar pelas ilustrações, teve que fazê-las ela própria. Descobriu que desenhar era natural, conseguindo expressar suas visões com facilidade.
Colocou à venda seus livros no salão por R$ 15 até um cliente comprar um, se encantar pela capa e oferecer R$ 1.500 pelo desenho original. A mulher destemida que aprendeu a trabalhar desde cedo, com uma veia empreendedora forte, foi duplamente surpreendida.
Primeiro porque seus desenhos tinham um valor infinitamente maior do que tudo que ela já tinha feito ou vendido. Segundo, por venderem tão fácil e rapidamente.
Thiago Gomide, o galerista de Nilda, diz que ela é a artista que a galeria mais vende, e que o grupo de trabalhos recentes, que serão mostrados pela primeira vez na ArPa, estão sendo disputados antes mesmo da abertura.
“Para o projeto da ArPa, ela voltou para a Chapada Diamantina para rever as grutas e as cavernas, e ver as formações geológicas. Quando vimos o resultado, convidamos o Itamar Vieira Júnior, que é baiano também, formado em geografia e profundo conhecedor do sertão, para escrever sobre as pinturas. Ele fez um texto sensível, que comparou as pinturas com o interior da terra. Olhar as pinturas da Nilda a partir do texto do Itamar potencializa a força do trabalho dela exponencialmente.”
Nilda disse que o encontro com Itamar foi “uma coisa espiritual”.
O texto do autor sobre a artista diz:
“Habitar a caverna é descobrir o que há no oco do mundo. Onde imaginávamos encontrar o vazio se levantam formas de minerais esculpidas gota a gota pela ação do tempo. Ali, a escuridão não é a ausência de luz; é o espaço profundo exibindo a cor do infinito, a cor do universo, tons que se decompõem até se tornarem breu. Um sertão de sensações apresado pelos olhos na imensidão do corpo íntimo da terra.”
Nilda Neves é isso: um sertão de sensações, que traduz plasticamente sua vida, sonhos e desejos com originalidade e o vigor de uma artista guerreira nata.
“Ah, tempo, quem é capaz de te segurar ó bendito tempo? Qual gênio, cabra macho, tão bom que tomaria a incumbência de engendrar ou arquitetar algo que te detenha?” a artista escreveu em um de seus livros.
Agora, o sonho de Nilda é ter sua estética e escrita adaptadas para o cinema. Como o tempo de seu poema, não há nada que a detenha.