A Oi foi levada ao mausoléu da recuperação judicial por três coveiros: uma cultura de assalto-à-luz-do-dia aos acionistas minoritários, o ônus insuportável de uma regulação paternalista, e, por fim, a tentativa de autopreservação de seu maior acionista: a Pharol, que representa os acionistas da velha Portugal Telecom e é dona de 22% da empresa.
O primeiro ato da debacle da Oi começou a ser escrito na própria privatização da Telebras, em 1998 — um modelo que tentou maximizar o resultado do leilão em detrimento de garantir players fortes e do ramo, que pudessem oferecer um serviço de qualidade. (De lá pra cá, o Estado brasileiro aprendeu quase nada: os leilões de 3G e 4G da Anatel focaram em maximizar a receita ao definir lances mínimos irreais. Como regra, a Anatel tem superestimado a receita futura das operadoras ao subestimar o impacto de uma nova tecnologia sobre a receita da frequência anterior.)
Mas o epílogo da Oi se deu em reuniões em Nova York em 6 e 7 de junho deste ano. Nelas, segundo documentos oficiais publicados pela Oi, o então CEO Bayard Gontijo e os consultores da empresa levaram aos detentores de títulos da Oi (os ‘bondholders’) a proposta aprovada pelo conselho de administração: a Oi oferecia a seus bondholders converter parte da sua dívida em ações, o que levaria os bondholders a ficar com 70% da empresa; outra parte da dívida teria seus vencimentos alongados, e sobre esta parte os bondholders receberiam uma garantia real: as ações do negócio de telefonia celular da Oi.
Já os bancos credores não sofreriam perdas no principal que emprestaram à Oi, mas teriam que alongar prazos da dívida. Nas reuniões, os bondholders fizeram uma contraproposta: em vez de 70%, queriam ficar donos de 95% da companhia.
O conselho da Oi avaliou a contraproposta — àquela altura, apenas verbal — em 8 de junho. Em vez de negociar um meio termo entre 70% e 95%, os portugueses bateram o pé — e não foi para dançar, como fazia Roberto Leal. Para evitar ter sua participação na Oi diluída a quase zero, os portugueses — que têm quatro representantes no conselho da Oi — preferiram pagar para ver, abrindo a caixa de Pandora e despachando a Oi pelas águas incertas de uma recuperação judicial, mais conhecida pela sigla RJ.
A Pharol tem 27% das ações com direito a voto da Oi, mas seu poder de voto é limitado a 15% em virtude de um acordo feito quando os portugueses perderam quase 1 bilhão de euros da companhia numa aplicação no Banco Espírito Santo.
Alienando o mercado
Mas como quatro portugueses podem dar uma boa piada mas não quebram uma empresa sozinhos, a história da queda da Oi tem que registrar a parcela de responsabilidade de seus antigos controladores. Eles fizeram uma aquisição tão gigantesca quanto desastrosa e, ao longo de anos, ‘cometeram’ rearranjos societários que socializaram suas dívidas com os minoritários, o BNDES (protagonista da trama) e os fundos de pensão (acionistas passivos da empresa).
A compra da Brasil Telecom (BrT) foi feita sem as diligências necessárias e, em vez de produzir sinergias, gerou o que os economistas chamam de ‘deseconomias de escala’. Em outras palavras: proporcionalmente, o custo operacional da Oi+BrT subiu mais do que a capacidade da empresa de oferecer serviços e gerar mais receita.
Além disso, a Oi viveu boa parte de sua vida enfiada em brigas espetaculares na CVM e na Justiça com investidores institucionais reclamando que haviam sido lesados. (Isto sem falar na aproximação com o poder — tão comum em setores regulados — que viu a empresa investir na startup do filho do Presidente da República, o mesmo que mudou a lei para permitir a compra da BrT pela empresa.)
Até no mercado financeiro, que se orgulha de precificar tudo rápido, houve leniência demais com uma empresa que, para usar uma frase que nasceu junto com a Oi, operava ‘no limite da irresponsabilidade’ em governança corporativa. Um dia a conta tinha que chegar, e parece ser mais do que coincidência que, hoje, nenhum dos dois grandes acionistas anteriores — Andrade Gutierrez e La Fonte — estejam representados no quadro societário.
O atual conselho de administração — que deve mudar na próxima assembleia de acionistas — é um retrato esmaecido de uma Oi que foi de ’telegangue’ a ‘campeã nacional’ a ‘multinacional verde-amerela” em sua fusão com a Portugal Telecom.
No final, nem toda a sagacidade financeira do BTG Pactual — o assessor financeiro e acionista que mandou na companhia de fato nos últimos meses — foi capaz de engendrar uma nova alternativa estratégica para a empresa.
O sócio oculto
Por fim, resta a parcela de responsabilidade do outro sócio da Oi, o ‘sócio oculto’ de todos nós: o Estado brasileiro. Nós da imprensa já gastamos muita tinta (e bytes) escrevendo sobre o benefício esdrúxulo concedido à Oi ao se permitir sua fusão com a Brasil Telecom, mas discutimos relativamente pouco o ônus representado pelo arcabouço regulatório do setor de telecomunicações, desenhado quando Sergio Motta ainda era ministro e nem todos os brasileiros tinham um celular no bolso.
A Oi é uma empresa que gasta, por ano, de 300 a 400 milhões de reais plantando telefones públicos em esquinas e praças do País — ‘orelhões’ que geram uma receita de 17 milhões de reais por ano.
Não é preciso ser um gênio para entender que a matemática não fecha, mas se você é um burocrata em Brasília você não liga para esses detalhes… (A propósito, o Brasil tem 600 mil orelhões).
O objetivo desta meta é ‘universalizar’ os serviços de telecomunicação, mas a tecnologia mudou (o celular ‘deslocou’ o orelhão) e nem as metas nem os reguladores evoluíram com o tempo.
O descumprimento (frequentemente involuntário) desta regulação pesada faz a Oi ter um estoque de multas na Anatel de cerca de 12 bilhões de reais (quase o valor de mercado da TIM Brasil, que vale 16,8 bilhões na Bolsa). Destes 12 bilhões, 5 bilhões ainda estão sendo discutidos no âmbito da Anatel, 4 bilhões estão sendo discutidos na Advocacia Geral da União e o resto está sendo discutido na Justiça.
Esta é uma agenda que interessa a todo o setor de telecomunicação e a todo o País, e o velório da velha Oi deveria ser uma ótima oportunidade para o enfrentamento deste problema — pelo menos deste.