Fanático pelo São Paulo Futebol Clube desde criancinha, Julio Casares está assumindo a presidência do clube com um desafio hercúleo: dar um choque de gestão para lidar com uma dívida de R$ 570 milhões e uma receita que não para de cair.

Com 30 anos de experiência na área de publicidade do SBT e da Record, Casares começou a trabalhar no início de janeiro e já está na marcação homem a homem.

11300 8fff443a dc23 1f9e a814 2185c46633a5Trouxe executivos de mercado; criou um plano para reformatar o programa sócio-torcedor; e está pensando em como usar dados e estatística para calcular o risco das contratações de jogadores, reduzindo os erros e aumentando o retorno sobre o investimento. (Qualquer semelhança com o filme “Moneyball” não é mera coincidência — ainda que Casares não seja exatamente um Brad Pitt.)

Nesta conversa com o Brazil Journal, o novo presidente fez um diagnóstico da situação do São Paulo, falou dos planos de sua gestão e — segura essa, Faria Lima! — da possibilidade de um IPO do time no futuro. 

Abaixo, os principais trechos da conversa:

Quais os principais problemas do São Paulo hoje? Qual seu diagnóstico sobre a gestão do time?

O diagnóstico é uma estrutura muito amadora, agregada a um grande problema financeiro e um grande problema profissional. Não tem uma visão de comprometimento profissional. E tudo tem a mesma origem: uma cultura amadora, ainda calcada em loteamentos de áreas para determinadas pessoas. O diagnóstico é esse: é um clube desorganizado. E não estou culpando ninguém por isso, é o próprio sistema. Precisamos romper com esse sistema através de um choque de gestão e um plano diretor. E aí a partir daí passamos a lutar pelo que acreditamos: a profissionalização, a governança, o comprometimento, o plano de metas. E um plano diretor a longo prazo. 

Qual é a prioridade zero?

A organização do departamento de futebol. Com a aplicação de um plano de metas, vamos recolocar o time no lugar em que deve estar. Já trouxemos um profissional gabaritado da área, que é o Marcos Biasotto (diretor executivo da base), para trabalhar em Cotia e contribuir na captação e lapidação de talentos. Herdamos um projeto com características estruturais e um perfil que não atingiram as metas esperadas nos últimos anos. Trabalhamos para no fim do Brasileiro acelerarmos o processo de modernização. Em paralelo, temos a missão de estancar a sangria financeira, que foi agravada pela pandemia. Perdemos bilheteria, receita de marketing, de camarote… e o jogador tem o salário fixado, ele é certo. E nós não temos a receita, então o desafio aumenta. Esse diagnóstico se assemelha ao de outros clubes no Brasil, mas nosso plano de gestão é trabalhar na cultura, na profissionalização e num plano de metas. Não adianta ficar na filosofia, na cultura, se eu não tiver algo a oferecer no plano da gestão, e um plano de metas para chegar no resultado.

 
Qual o déficit do São Paulo hoje e o total da dívida?

Vou tentar dar alguns números macros. Nós temos uma dívida (dívida em bancos mais compromissos mais mútuos e acordos judiciais) de uns R$ 570 milhões. Mas é um clube que tem um patrimônio sólido, um estádio, um centro de formação de atletas, uma marca importante. Somos a terceira maior torcida do Brasil. Mas em 2020, ao encarar o que veio orçado versus o realizado, tivemos um decréscimo de receita muito próximo de 50%. É muito grave. E já vínhamos de uma queda em 2019.

A boa notícia é que temos ativos ainda poucos trabalhados na área de marketing. Nosso torcedor, que é o nosso cliente final, não tem um programa de sócio torcedor adequado. Mas não adianta ter um programa de sócio torcedor bom se a diretoria, se a gestão não tiver a credibilidade com o mercado. 

Precisamos reconstruir essa credibilidade que o São Paulo já teve. Brindar essa marca nos mercados financeiro, de futebol e publicitário. Já estamos emitindo sinais importantes ao mercado, e isso vai continuar. 

Ao trazer o Eduardo Toni como diretor de marketing, que é um um profissional muito experiente na área, o mercado vê como um bom sinal. Quando trago o Muricy Ramalho [como coordenador técnico], que estava muito bem empregado na Rede Globo, isso é um sinal também da credibilidade do clube. E eu consigo sentir os sinais porque recebo ligações de colegas do mercado publicitário falando que começamos bem. 

Em linhas gerais, quais vão ser os pilares da sua gestão?

Apresentamos um plano para 100 dias com vários projetos e compromissos que serão iniciados ou até concluídos nestes 100 dias. Passa pelo sócio torcedor, passa por criar um setor popular no estádio, passa por uma questão de governança, com a criação de normas de compliance, passa por uma transformação para que o colaborador se prepare para encarar essa eficiência corporativa que queremos colocar em prática. 

Temos que ter um choque de gestão, buscar o rompimento com o atraso e uma ligação maior com os donos dos São Paulo, que são os torcedores. 

Queremos implantar uma cultura de meritocracia. Na área financeira, administrativa e de gerência e controle, por exemplo, aproveitamos gente da casa. Isso é uma mensagem de que os funcionários que tiverem seu mérito serão reconhecidos. Não precisamos buscar fora, quando temos bons profissionais aqui. E isso vai servir para o futebol também: nas contratações, eu preciso olhar para a minha base antes de fazer um investimento fora. Porque o investimento na base eu estou fazendo desde que o jogador tem 12 anos! Quando ele chega com 18, se ele puder já entrar no profissional melhor. Se ele não tiver condições ainda, vamos buscar no mercado. Essa filosofia de meritocracia, comprometimento vai permear tudo. 

Quais as fontes de receita do São Paulo num ano normal?

A receita do São Paulo é constituída dessa forma: direitos de transmissão; venda de atletas (que no Brasil é sempre usada para fechar o resultado. Se você tem um buraco lá de R$ 100-200 milhões, o clube vai e vende atleta); patrocínios; bilheteria (que esse ano não teve); e outras formas de receita, como o licenciamento de produtos. 

Onde o São Paulo está defasado, na minha visão? O São Paulo tem que buscar uma participação maior dos direitos de transmissão. Hoje, o direito de transmissão tem uma parte fixa, uma por performance e outra por exposição. O São Paulo agora começou a ter um pouco mais de exposição.

Nas despesas, um gargalo muito grande é nas contratações de profissionais do futebol, com mais erros do que acertos. O erro faz parte, mas você tem que buscar formas de diminuir os riscos dessas contratações. Contratar com valores de mercado, com condições norteadas em orçamento, mas sobretudo tentar diminuir o risco.

O que você está dizendo é que o São Paulo estava fazendo contratações caras que não estavam dando o resultado esperado?

Não é só o resultado. São contratações que você precisa fazer uma análise da curva do valor pago versus os benefícios, a longevidade do atleta, a performance por onde ele passou, o compromisso, a mentalidade vencedora…

Você está falando de colocar dados para chegar nessas conclusões, como no filme “Moneyball”?

Exatamente, é colocar inteligência e dados nas contratações. É um pouco como o filme sim (risos)

Nossa preocupação é: primeiro a regra do jogo é que tenho um orçamento que vou investir no futebol. Segundo, quando a comissão técnica disser ‘eu preciso de um meio campo’, a pergunta que vamos fazer para eles é: ‘é para compor elenco, ou vai ser um jogador para assumir a titularidade e já entrar e jogar com tudo?’. 

Se ele responder que é para compor elenco, nós temos que buscar isso na base, não temos que investir porque eu já fiz esse investimento antes. A base tem que apresentar esse jogador. Se ele falar que precisa de um cara para já ser titular e que a base não tem esse cara, nós vamos a mercado. E aí sim começa a análise. 

Primeiro fazemos uma análise prévia de quem está nessa posição através de um estudo do setor de inteligência. Depois o CAF (Comitê Avançado de Futebol) vai cruzar dados. Por exemplo, se tivermos a informação de que tem um jogador da Série A é bom, o CAF vai primeiro ver se está dentro do nosso orçamento, depois ver qual a condição física do jogador (já fez cirurgia? Ficou quanto tempo no departamento médico?), qual o nível de minutagem que ele jogou nos times anteriores, a performance (se ele foi campeão). Em cima disso, vamos montar um contrato com ele. Se ele for jovem, um contrato de quatro anos compensa. Se for mais velho, um contrato de dois anos é melhor. E aí vamos fazer uma recomendação, sem direito a veto, para dizer qual o risco para contratar esse jogador, se é de 30%, 40%, 60%. 

Com base nisso, vamos decidir se vale a pena correr o risco desse jogador. Isso é uma decisão técnica. Se acharmos que não vale vamos buscar uma outra opção com um risco de contratação menor. Temos que tentar metrificar o risco, criar um índice de risco da contratação para reduzir os erros. 

Quais mudanças vocês querem fazer no programa Sócio Torcedor?

Esse é um programa que já existe, mas que está muito mal. Como ele funciona hoje: ele tem uma dinâmica de cobrar uns R$ 30, R$ 40 e dá benefícios para o torcedor. Mas temos uma falha não só de sistema, interatividade, reciprocidade… porque não é só o benefício. O benefício é importante, na milhagem, na fidelização, mas o que é mais importante, o que traz o sócio torcedor é o amor pelo clube, pelo futebol. Ele não quer que o dinheiro dele seja usado para consertar a piscina do clube, o estádio, ele quer saber que o dinheiro dele vai ser destinado para renovar o contrato de um grande jogador, adquirir um outro. 

Para que isso aconteça vamos criar um extrato bimestral, que vai mostrar que cada real do torcedor vai direto para o futebol. Com isso, ele vai se sentir o copatrocinador de um jogador como o Brener, um garoto revelado… isso hoje está falho. Outra coisa: precisamos ter mais interatividade. Vivemos num mundo onde as pessoas fazem apostas em sites do exterior, porque aqui não é legal. Então mais receita para empresas do exterior, e a falta de legislação específica faz com que isso não seja possível. Isso poderia ser uma oportunidade. Mas poderíamos ter coisas mais simples: fazer um quiz, por exemplo, em que o prêmio poderia ser uma camiseta, uma bola, etc. 

Se pegarmos o aspecto lúdico e da transparência, podemos evoluir muito o sócio torcedor. 

Quantos sócios torcedores vocês têm hoje?

Hoje temos ativos (aqueles que estão pagando rigorosamente) 20 mil e poucos. Mas o São Paulo já bateu 120 mil. Então estamos muito aquém. Esse é um projeto que está mal gerenciado, os conteúdos são ruins. Vamos ter um novo produto do sócio torcedor, completamente reformatado, com uma nova dinâmica em que o sócio terá diferenciais, que ainda posso dizer quais, se continuar pagando. Se deixar de pagar ela perde esses diferenciais. Essa adimplência que é importante. 

Vocês também estão trazendo empresários de renome para o conselho. Como vai funcionar isso?

Nos nove membros do conselho, três são independentes: o Ricardo Lacerda, da BR Partners; o Marcelo Darienzo, do Grupo Península, do Abílio Diniz; e o Luiz Lara, da agência Lew’Lara. São pessoas que têm muita credibilidade. O Darienzo é ligado a gestão de negócios, o Lacerda tem muita experiência na área financeira e o Lara na publicidade. 

Além disso, vamos criar um conselho informal — que vai se chamar GESP (Grupo de Executivos São Paulinos) — onde esses executivos podem colaborar, com reuniões mensais e discussões no Whatsapp. Esse conselho já tem o Rubens Ometto como integrante, mas vamos anunciar outros nomes mais para frente. 

No Brasil, o futebol não ter uma gestão profissional é um dos maiores desperdícios de geração de valor, porque temos essa vocação natural do futebol, mas os clubes não são estruturados, não aproveitam seu potencial como negócio. Como você enxerga isso?

No Brasil, na origem do futebol estão os clubes associativos, que até é uma forma bonita de ver o amadorismo positivo do futebol. Esse associativismo nos dá inclusive isenção tributária. Mas o São Paulo está numa transição e o modelo que eu acredito muito é um híbrido: você ter o espírito associativo, que é origem dos clubes, mas com uma gestão profissional, e sem fechar as portas para o modelo de SA. Essa mistura pode ser muito importante se você tiver firmeza nos propósitos. 

Dá para pensar num São Paulo listado na Bolsa, de preferência com o ticker SPFC3?

Existe a possibilidade. Mas ainda não dá para pensar nisso porque o São Paulo está muito desorganizado. Estamos organizando agora, vamos sanar a questão financeira, porque se alguém viesse investir agora não seria bom para a negociação ter um quadro ruim desses. Precisamos valorizar as nossas ações para ter um poder de investimentos, de forma que o São Paulo garanta a maioria em ações,  mas ao mesmo tempo tenha uma gestão profissional. E aí sim — e não sei precisar se em dois, três, quatro anos — podemos discutir um modelo que possa agregar o aspecto positivo da história do São Paulo na questão associativa com o aspecto empresarial, que é como será topado o São Paulo.