Uma MP publicada pelo governo Bolsonaro no apagar das luzes de 2022 tem potencial de reduzir drasticamente a geração de caixa e o lucro de empresas exportadoras — incluindo gigantes como a Suzano e a WEG.
A MP 1152, publicada no dia 29 de dezembro, trata dos chamados ‘preços de transferência’ — o valor de venda que empresas usam para exportar seus bens para suas subsidiárias em outros países.
A medida provisória estabelece que esses preços precisam ser iguais aos preços de transações comparáveis feitas com partes não relacionadas, igualando o Brasil às regras de países da OCDE.
Se aprovada, a MP vai colocar fim a uma prática muito adotada por empresas exportadoras. Algumas dessas empresas — incluindo Vale, Suzano e WEG — criaram subsidiárias em países como a Suíça e Áustria como parte de um planejamento fiscal, ou seja, para pagar menos impostos.
Na prática, elas vendem seus produtos praticamente ao preço de custo para essas subsidiárias e depois exportam os produtos de lá para os reais compradores. Dessa forma, o lucro é computado na subsidiária, onde o imposto é menor.
A Suzano, por exemplo, tem uma subsidiária na Áustria, para onde vende sua celulose pelo preço de custo mais uma taxa de 15%. Como sua margem gira em torno de 50%, todo o lucro restante ela computa nessa subsidiária.
Para ficar mais claro, imagine que a Suzano venda sua celulose para a China por R$ 100 e seu preço de custo seja R$ 50. Ela vai vender esse produto por R$ 57 (o preço de custo com acréscimo de 15%) para sua subsidiária na Áustria e exportar o produto de lá.
Empresas exportadoras já adotam essas práticas há anos — e elas já geraram polêmica no passado. A Vale, por exemplo, fez um Refis anos atrás para pagar o questionamento da Receita sobre essa prática.
De lá para cá, a mineradora já adequou suas práticas — e hoje vende seu minério para sua subsidiária na Suíça com um desconto de apenas 5% em relação ao preço cheio que vende para outros compradores.
A Vale ainda tem um ganho com isso, mas muito menor, em termos relativos, do que o da Suzano, que continua vendendo ao preço de custo mais 15%, o que tem lhe permitido pagar zero de impostos há anos.
Na prática, países como Suíça e Áustria cobram um imposto de cerca de 20% do lucro.
“No papel, é como se eles realmente pagassem 20% lá, o que faz com que no Brasil eles só tenham que pagar 14%, para não ter bitributação,” disse um advogado. “Mas na prática muitas empresas não pagam esses 20%, seja porque compraram uma operação com prejuízo fiscal lá, e estão usando esses prejuízos, seja porque tem vários incentivos na região.”
No Brasil, a Suzano também se vale de diversos benefícios fiscais — incluindo incentivos regionais da Sudam e da Sudene, e o incentivo dos juros sobre capital próprio — que fazem com que nem esses 14% ela pague no Brasil.
A MP 1152 foi publicada pelo governo Bolsonaro, mas ainda não foi votada nem na Câmara nem no Senado.
Como ela ainda não passou pelo Congresso, o novo Governo poderia pedir que a MP fosse devolvida e sequer fosse analisada. O Ministro da Economia, Fernando Haddad, no entanto, já sinalizou que quer aprovar a MP, já que ela traria impactos fiscais positivos para o País, segundo a Arko Advice.
O governo também disse que quer agilizar a regulamentação da MP para garantir que as regras já passem a valer a partir de 2024.
Nas contas de um gestor, se as novas regras passarem a valer no ano que vem, isso geraria um desembolso de caixa para a Suzano da ordem de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões por ano.
“O impacto é maior para a Suzano porque quase 100% da receita dela vem de exportação, mas a WEG também teria um impacto negativo de uns 15% no resultado,” disse ele.
Hoje, a WEG opera da mesma forma que a Suzano, mas com uma subsidiária na Suíça. O impacto seria menor para ela porque ela tem parte relevante de suas vendas no mercado brasileiro.
“O efeito para o valor da ação vai ser relevante pras duas. Até porque a WEG todo mundo olha para o P/L. Se cair o lucro, vai ter uma reprecificação,” disse.
Uma fonte próxima a Suzano disse ao Brazil Journal que o impacto não deve ser tão grande quanto os analistas estão prevendo. “Eles podem buscar outras formas de otimização tributária, que compensem em partes isso,” disse.
O Itaú BBA divulgou um relatório tentando medir os impactos dessa mudança para a Suzano. O banco, no entanto, disse que já estava trabalhando em seus modelos com um imposto de renda de 25% para a Suzano a partir de 2024.
“Cada 1 ponto percentual de aumento do imposto efetivo da Suzano (em comparação a nosso cenário-base de 25%) teria um impacto negativo no net present value (NPV) de R$ 1,36 bilhão (ou R$ 1 por ação),” escreveram os analistas.
No pior cenário, em que o imposto fosse para 34%, o impacto negativo no NPV seria de R$ 12,2 bilhões (ou 20% do valor de mercado da companhia).
Um gestor, no entanto, disse que boa parte do mercado não estava colocando um imposto de 25% no modelo já em 2024.
“Todos os buysides que eu converso não colocavam,” disse ele. “Na perpetuidade, obviamente não dava para colocar esse imposto perto de zero para sempre, mas no curto prazo ninguém colocava.”
A ação da Suzano cai 1,2% hoje. A WEG cai 1,6%.