O crime de insider trading achou um inimigo à altura: a matemática.

Nos anos 90, dois professores da Cornell University — David Easley e Maureen O’Hara — desenvolveram um modelo matemático que analisa as ordens de compra e venda no decorrer de um dia de pregão e, a partir disso, calcula a probabilidade de que essas operações tenham sido feitas por investidores com acesso a informações não disponíveis aos demais participantes do mercado — a ‘inside information’. Essa probabilidade foi chamada de PIN, do inglês “probability of informed trading”.

Felipe Bastos Gurgel SilvaMas em poucos anos, a ferramenta perdeu relevância para os principais mercados financeiros porque, com a tecnologia, os investidores passaram a fazer compras e vendas em nanossegundos, o chamado ‘high frequency trading’. Além disso, alterações importantes nas estruturas dos mercados financeiros, como o surgimento dos ‘dark pools’ (ambientes de negociação fechados ao público), fizeram com que os principais dados necessários à implementação do modelo (as sequências de ordens de compra e venda) se tornassem insuficientes.

Easley e O’Hara — em conjunto com Marcos López de Prado, um dos papas do chamado ‘trading quantitativo’ que hoje trabalha no hedge fund Guggenheim Partners — desenvolveram uma nova versão do modelo chamada VPIN (‘volume-synchronized probability of informed trading’), que leva em conta o fato de que o volume de negociação pode ser visto como um indicativo da quantidade de informações gerada no mercado e incorporada nas transações.

Fazendo uso deste modelo, um brasileiro fazendo seu PhD em Cornell provou recentemente que investidores com informação privilegiada sabiam dos planos de Vladimir Putin de invadir a Criméia — e ganharam dinheiro com isso.

Felipe Bastos Gurgel Silva, em seu segundo ano rumo a um PhD em finanças, publicou um artigo científico mostrando que especuladores com informação privada se anteciparam à queda do mercado de ações na Rússia no início de março de 2014 e lucraram com a crise geopolítica que se instalou desde então.

Silva e uma colega russa, Ekaterina Volkova, aplicaram o VPIN ao mercado de ações russo e verificaram que a probabilidade de insider trading atingiu picos elevados dois ou três dias antes da anexação da Criméia. O fenômeno foi observado não apenas para o RTS (o Ibovespa da Rússia), mas também para algumas ações específicas negociadas naquele mercado.

Vladimir Putin “A explicação mais plausível para isso é que alguns participantes do mercado com conexões a membros do governo russo, especificamente próximos a Putin, sabiam não apenas dos planos da invasão mas em qual momento ela ocorreria,” Silva disse à coluna. “Com base nessa informação, eles puderam não apenas evitar perdas no mercado mas lucrar com a queda.”

Antes de ir para Cornell, Silva passou por empresas como a Embraer, o Itaú e o Santander. Também foi um dos fundadores de uma startup chamada Pricez, que calcula o melhor plano de celular para cada perfil de usuário e que mais tarde foi vendida para a Fastshop.

O modelo não consegue medir quanto os ‘insiders’ conseguiram lucrar. “Não dá para distinguir com precisão ‘insiders’ de ‘não-insiders’ porque os negócios são anônimos,” diz Silva.

Ele explica que o modelo poderia ser utilizado por reguladores do mercado como a SEC e a CVM, mas não facilmente. “É difícil implementar, e implementar em tempo real seria uma tarefa hercúlea em termos de infra, tecnologia, modelagem, etc.,” diz.

Apesar dessas limitações, parece ser apenas uma questão de tempo para que a matemática possa ajudar a defender a integridade dos mercados e transformar o insider num crime que não compensa.