BELÉM – A COP30 registrou a maior delegação católica da história em uma conferência do clima. 

O movimento – organizado pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), pela Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica) e pela Santa Sé – consolida a virada iniciada pelo Papa Francisco há uma década e coloca a Igreja como ator relevante nas discussões sobre financiamento, justiça climática e governança global.

A Igreja montou aqui em Belém uma operação inédita. Quatro polos de atividades — formação, debates, celebrações e acolhimento — funcionaram de 12 a 16 de novembro, mobilizando dioceses, universidades, congregações e organizações sociais. 

“O tempo está se esgotando,” disse o cardeal Pietro Parolin, o secretário de Estado do Vaticano, a maior autoridade católica presente em Belém. Parolin era um dos favoritos a suceder Francisco, mas perdeu a disputa para o americano Robert Francis Prevost, o atual Leão XIX.

Para a Santa Sé, a contribuição da Igreja ao debate é ética: elevar a consciência global e pressionar por ação política concreta em defesa dos mais vulneráveis.

“A Terra está a sangrar. Ela pede socorro,” disse o cardeal Jaime Spengler, o presidente da CNBB, que participou da conferência. 

Na leitura da Igreja, o tema central da COP30 não é apenas a temperatura, mas a chamada justiça climática, uma questão ética e geopolítica que pede a proteção aos empregos e à economia dos países menos desenvolvidos que podem ficar para trás em função da transição energética.

“Os que mais poluem são os que mais resistem. Os que menos poluem são os que mais pagam,” disse ao Brazil Journal o padre jesuíta Anderson Pedroso, o reitor da PUC-Rio.

Padre Anderson Pedroso

Para Pedroso, o debate climático envolve desigualdade, trabalho, cultura e segurança. Durante a COP, Pedroso reuniu a FIESP, sindicatos, lideranças indígenas e bispos na mesma mesa — um arranjo raro até para a dinâmica multissetorial do evento.

Embora seja uma instituição religiosa, a Igreja atuou na COP30 como ator político, ético e formador de opinião num momento de tensões diplomáticas e disputas por financiamento. 

O cardeal Spengler criticou o PL 2159/2021, que chamou de “PEC da destruição” e trata da flexibilização do licenciamento ambiental. A Igreja “não se cala” quando políticas públicas ameaçam povos indígenas e territórios protegidos, disse o cardeal. 

A CNBB agora vai criar uma Comissão de Ecologia Integral e Mineração, institucionalizando o tema dentro da conferência episcopal.

Os debates em Belém também marcaram os 10 anos da Laudato si’, reconhecida por negociadores e cientistas como um dos textos mais influentes na formação do consenso político que levou ao Acordo de Paris, na COP21. 

“Quase todas as delegações mencionavam a Laudato si’. Talvez Paris só tenha sido possível por causa desse texto,” disse Spengler. 

A Igreja se consolidou como agente relevante num debate dominado por chefes de Estado, bancos multilaterais, corporações e fundos de investimento. Sua capilaridade — das favelas às aldeias, das universidades às comunidades ribeirinhas — dá alcance social a uma agenda que tende a se concentrar em arenas técnicas e diplomáticas. 

Essa presença adiciona uma dimensão pouco explorada: a do poder moral, capaz de influenciar a opinião pública e pressionar governos a cumprir compromissos.

“Segundo Santo Agostinho, a esperança tem duas filhas: a indignação e a coragem,” disse Pedroso. “Temos de nos inconformar, este é o motor da esperança. E precisamos de coragem para dar os passos em direção à justiça.” 

  Na PUC-Rio, historicamente ligada à pesquisa em óleo e gás, Pedroso instituiu uma nova agenda de pesquisa que busca migrar o trabalho da Universidade para as áreas de hidrogênio verde, captura de carbono e tecnologias de descarbonização. 

Grandes empresas já buscam a universidade para projetos. “Transição energética combina ciência, impacto e nossos valores,” disse o reitor.

Há uma década a Igreja entrou na agenda climática, e não pretende deixá-la. Sua presença agora começa a alterar a correlação de forças.