O ‘milagroso’ Ozempic não cabe em todos os bolsos. Nos EUA, quem não conta com a cobertura ao menos parcial do seguro médico gasta em média US$ 936 ao mês com o medicamento.

A startup de telemedicina Hims & Hers Health viu aí uma oportunidade para impulsionar o seu negócio, baseado em planos de assinatura de tratamentos médicos.

A semaglutida, o princípio ativo do Ozempic e do Wegovy, ainda está sob proteção de patente, que pertence à dinamarquesa Novo Nordisk. Mas existe uma regra da Food and Drug Administration (FDA) que permite a venda de réplicas de medicamentos cuja oferta não seja suficiente para abastecer a demanda.

Em maio do ano passado, a Hims & Hers anunciou que passaria a vender alternativas mais em conta dos medicamentos de emagrecimento similares ao Wegovy e ao Ozempic, da Novo, e ao Zepbound, da Eli Lilly. Desde então, as vendas da startup não param de subir – e seu valor de mercado mais que quadruplicou. A empresa agora vale US$ 13 bilhões na NYSE.

No último Super Bowl, a Hims & Hers fez barulho com a campanha Sick of the system. No anúncio, a empresa fala da epidemia de obesidade no país e diz que há remédios que funcionam para o emagrecimento, mas os “preços são para dar lucro,” e não para atender os pacientes.

“Isso não foi feito para nos ajudar, foi feito para nos manter doentes,” diz o anúncio.

A propaganda causou uma onda de críticas de médicos e especialistas de saúde, dizendo que os medicamentos manipulados não passam por uma fiscalização rigorosa e podem não entregar o que prometem.

Os investidores deram de ombros. A ação segue firme em alta. 

Para os analistas, a Hims & Hers vem se posicionando como uma das empresas líderes na revolução da telemedicina. Pode ser o que a Netflix foi para o aluguel de séries e filmes.  

A empresa foi criada em 2016 por Andrew Dudum, que na época tinha 28 anos. Filho de uma família de empreendedores de São Francisco e com experiência de ter trabalhado em algumas startups, Dudum decidiu fundar seu próprio negócio com a ideia de transformar o mercado de saúde americano – o mais caro do planeta.

Andrew Dudum ok

A startup surgiu apenas como “Hims”, dedicada ao público masculino e oferecendo tratamentos para disfunção erétil e perda de cabelo.

Seu modelo de negócios é a venda de planos de assinaturas que incluem atendimento médico a distância e a venda de medicamentos personalizados, feitos como nas farmácias de manipulação do Brasil.

Rebatizada como Hims & Hers em 2018, a empresa agora é para eles e elas. Entre seus planos atuais estão tratamentos dermatológicos e para problemas mentais, como ansiedade e depressão.

A empresa quebra a barreira de acesso, elimina a burocracia e os custos dos planos de saúde. Ela reempacota tratamentos tradicionais em um serviço mais cool – e seu público alvo são os mais jovens, que muitas vezes não se sentem à vontade ou não têm dinheiro suficiente para procurar ajuda médica convencional.

O grande salto em seu faturamento veio com a oferta de medicamentos para emagrecimento das versões manipuladas das drogas blockbuster da Novo e da Lilly. O plano custa a partir de US$ 199 ao mês, incluindo as consultas.

Outro apelo de seu modelo de negócio é a customização. No caso do Ozempic, por exemplo, só há duas opções na farmácia: 0,25 mg ou 0,5 mg. Na Hims & Hers, a prescrição vem personalizada. O medicamento manipulado pode ter dosagens abaixo ou acima disso.

A customização também se aplica aos demais tratamentos, como os para queda de cabelos, ansiedade ou disfunção erétil. Nesses casos, os princípios ativos empregados são versões genéricas ou manipuladas de medicamentos já consagrados – como o Cialis – e cujas patentes já expiraram.

A personalização envolve ainda a possibilidade de combinar mais de um princípio ativo na mesma fórmula de manipulação. (Compra um, leva dois ou três.)

Foi apenas durante a pandemia que o Governo dos EUA autorizou a prescrição de medicamentos por telemedicina – e isso também contribuiu para a Hims & Hers escalar seu negócio.

“De lá para cá, a empresa está explodindo,” disse Leonardo Otero, da Arbor Capital, que tem posição no papel. “A analogia que gosto de fazer é com os bancos digitais. A pessoa baixa o app, marca uma consulta online e compra os remédios – que em geral são de uso contínuo.”

A plataforma da empresa reduz enormemente toda a fricção que existe no mercado médico tradicional. “É uma experiência muito mais moderna, personalizada,” disse Otero. “As big pharmas estão apavoradas.”

O faturamento da Hims & Hers subiu 77% no terceiro tri do ano passado em relação a igual período de 2023, totalizando US$ 402 milhões. A base de clientes subiu 44%, para 2 milhões. Os números fechados de 2024 serão publicados em 24 de fevereiro. O guidance para as vendas finais no ano passado é de quase US$ 1,5 bi, com EBITDA entre US$ 173 milhões e US$ 178 milhões.

O destaque no terceiro tri foram justamente os medicamentos da categoria GLP-1(sigla de glucanon-like peptide-1), o hormônio normalmente produzido no intestino que aumenta a secreção de insulina e ajuda na saciedade.

A Him & Hers acaba de fechar a compra da Try Labs e com isso vai começar a fazer testes de laboratórios em domicílio. Com a análise sanguínea, a empresa pretende aperfeiçoar a personalização de seus medicamentos.

“Ter acesso a mais dados nos permitirá aprofundar os insights para que nossos médicos tomem decisões individualizadas,” disse Patrick Carroll, o chief medical officer da empresa.

Após esse anúncio, feito ontem, a ação chegou a subir 20% e agora acumula alta de 160% no ano.

O crescimento para outros mercados enfrentará a barreira da regulamentação mais dura em outros países. A empresa opera no Reino Unido, mas com um portfólio mais enxuto.

Sua principal concorrente nos EUA é a Ro, com um modelo de negócios bastante parecido. A startup é uma investida da ShawSpring Partners e da General Catalyst, entre outras firmas de venture capital.

Mas além das fórmulas manipuladas, a Ro também vende em sua plataforma medicamentos ‘de marca’ da Big Pharma. No final do ano, fechou um contrato com a Lilly para vender o Zepbound em sua plataforma – e já tinha um contrato semelhante para vender o Wegovy.

Em sua última rodada de investimentos, em 2022, a empresa foi avaliada em US$ 7 bi.