Num movimento visto como alvejando a Rede Globo, o Presidente Jair Bolsonaro encomendou um projeto de lei ao deputado Alexandre Frota (PSL-SP) para acabar com o chamado BV (a ‘bonificação por volume’), uma prática de incentivo comercial na qual veículos de comunicação premiam as agências de publicidade que mais compram anúncios.
“Isso tem que deixar de existir. Aprendi há pouco o que é isso e fiquei surpreso e até mesmo assustado”, Bolsonaro disse no início da semana.
Outro que ficou entre ‘surpreso’ e ‘assustado’ foi o mercado publicitário.
Diretores de agências dizem que, para começo de conversa, incentivos comerciais dos veículos, premiando as agências que mais compram anúncios, são mecanismos de mercado, que o novo governo diz defender.
Proibir o BV seria uma interferência num mercado cujo modelo de autorregulamentação é reconhecido por lei e elogiado no exterior.
Segundo o Presidente, a Rede Globo recebe metade da verba publicitária estatal, embora seu share de audiência seja de apenas 36%. Ao falar do assunto, Bolsonaro ecoa as críticas feitas pela Rede TV! e outras concorrentes da Globo, que acreditam que a assimetria na divisão do bolo publicitário, seja no setor público ou privado, resulta da política da Globo de pagar BV às agências, como se a emissora estivesse corrompendo o sistema.
O mercado diz que não é por aí.
Diretores e donos de agências notam que todas as emissoras pagam BV – e algumas, em termos percentuais, pagam até mais que a própria Globo. Em termos absolutos, segundo eles, o volume de bonificação pago pela Globo (o maior entre todas as emissoras) reflete o alcance e a qualidade de sua programação.
“A Johnson ou o Itaú colocam muito dinheiro na Globo por que acham que funciona”, diz um publicitário. “Essas empresas não rasgam dinheiro.”
Ao mirar no BV, o governo estaria errando o alvo – e o maior prejudicado não seria a Globo, mas as agências de publicidade, que sequer decidem sozinhas a alocação de verbas do anunciante.
O planejamento de mídia de um cliente é respaldado por ferramentas de simulação e pesquisas de audiência e é cada vez mais difícil justificar uma compra de mídia sem base técnica.
Além disso, a Secom, a secretaria de comunicação da Presidência da República, mantém registro de todas as negociações das agências com os veículos que envolvem as campanhas do Governo.
“Nenhum plano de mídia é adquirido sem a expressa aprovação por parte da equipe de marketing do cliente, que examina várias opções e solicita alterações sempre em busca de eficiência técnica”, diz Mario D’Andrea, presidente da Abap, a associação das agências. “Estamos abertos ao diálogo com o novo governo e podemos explicar como é a atual regra de compra de mídia no Brasil, desfazendo crenças e alguns mitos.”
O mercado funciona assim: toda agência ganha comissão de 15% a 20% do valor do anúncio pago pelo cliente. Mas nem toda agência ganha BV. Pra ganhar BV, as agências têm que cumprir um plano de vendas, que considera todo o espaço o que a agência comprou com um determinado veículo, somando todos os seus clientes.
Segundo as agências, o BV está longe de ser um dinheiro fácil. Por contrato, elas são obrigadas a investir em pesquisas de audiência, que são usadas para fundamentar o planejamento de mídia. As agências também atuam como fiadoras, honrando o pagamento aos veículos quando o anunciante atrasa.
Dentre os maiores mercados de publicidade do mundo, o Brasil é dos poucos países em que a TV aberta ainda mantém a liderança no share das verbas de anunciantes. Mundialmente, as plataformas digitais passaram a televisão em 2017.
Para falar com as massas no Brasil, a Globo ainda é o instrumento mais eficaz. Mas com a TV aberta se mostrando incapaz de atrair os millennials, parece apenas uma questão de tempo até a Globo e suas concorrentes perderem sua relevância, que já está em declínio.
Quando isto acontecer, segundo os publicitários, nenhum BV conseguirá segurar as verbas publicitárias. Por exemplo, a Editora Abril era conhecida por pagar generosos BVs às agências (só perdia para a Globo em volume), mas não sobreviveu à disrupção digital.
Criado no Brasil em 1965, o BV nasceu por iniciativa de dois executivos da Globo – José Bonifácio Sobrinho e Walter Clark – com a intenção de moralizar e profissionalizar as relações dos veículos com o mercado. Até então, era comum emissoras subornarem executivos de mídia das agências com dinheiro e presentes.
Mas foi em 2010 que o BV ganhou segurança jurídica.
Na esteira do escândalo do mensalão, a Lei 12.232 foi criada para dar mais transparência às licitações e aos contratos de publicidade do poder público. O texto tornou válidas para o setor público as práticas comerciais que já eram usuais no setor privado desde 1965, como a comissão de agência e o BV.
Para executivos do setor, se o Governo ‘criminalizar’ o BV, além de não impactar na política de compra de mídia por parte do governo, isto representaria uma interferência no setor privado, ou seja, no relacionamento de agências com veículos.