“Eu estou olhando para esse desafio do petróleo na Foz do Amazonas do mesmo jeito que olhei para Belo Monte,” disse Marina Silva, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em uma entrevista recente à agência Sumaúma.
Desde seu retorno ao governo, Marina tem sido pressionada por ativistas ambientais a se opor terminantemente à exploração de petróleo nas águas profundas da Bacia da Foz do Amazonas, a dezenas de quilômetros da costa.
Essa região encontra-se em uma área que deverá concentrar os novos investimentos em exploração do petróleo nos mares brasileiros.
Isso, se Marina deixar.
Pelas declarações da ministra, muito provavelmente o cenário adiante fará lembrar as disputas que culminaram com seu pedido de demissão do governo Lula em 2008 – justamente por causa da divergência em relação ao modelo de desenvolvimento para a Amazônia.
A então ministra colecionou uma longa lista de desafetos pelos obstáculos que impunha à concessão de licenças ambientais, principalmente das usinas hidrelétricas na Amazônia, como Belo Monte.
Falando à Sumaúma, uma publicação cujo mote é “floresta primeiro”, Marina foi mais direta do que havia em suas manifestações anteriores sobre o assunto, expondo suas preocupações quanto ao impacto dos projetos petrolíferos na costa da Amazônia.
A ministra não falou abertamente que é contra as perfurações. Disse, porém, que a exploração na região é “altamente impactante”, e opinou que o Ibama, para analisar a concessão de licenças, não pode considerar os poços de maneira isolada.
Marina afirmou que será uma decisão “de natureza técnica, o que não significa que esteja esvaziada de qualquer conteúdo político.”
“O que eu posso antecipar é que temos instrumentos para trabalhar que já estão colocados como parte da realidade de um empreendimento altamente complexo e de alto impacto,” disse a ministra. “Não pode ser um licenciamento puramente pontual, é preciso fazer uma avaliação ambiental estratégica e trazer para a mesa todos os elementos, as implicações de um projeto como esse.”
No centro das atenções estão os blocos concedidos na 11ª rodada da ANP, em 2013, que ficam na chamada Margem Equatorial, ou seja, as bacias próximas à Linha do Equador – uma fronteira de exploração em águas profundas que vai da costa do Rio Grande do Norte ao Amapá.
Ao longo dos últimos anos, o Ibama vem negando os pedidos de perfuração na Foz do Amazonas, rejeitando os estudos apresentados pelas empresas. A francesa Total, que havia desembolsado R$ 250 milhões e arrematou 5 blocos em um leilão da ANP, teve quatro pedidos de licença negados e desistiu, transferindo os contratos para a Petrobras no final de 2020. No ano seguinte, a BP também abriu mão de sua parte no bloco FZA-M-59, onde era dona de 70%.
Com a desistência das multinacionais, a Petrobras agora é dona de 100% das áreas.
Em breve, o Ibama emitirá seu parecer sobre o pedido da Petrobras de dar início à avaliação exploratória do bloco FZA-M-59, que, se tiver bom potencial, poderá ser o primeiro poço perfurado na bacia da Foz do Amazonas e na Margem Equatorial.
A Petrobras dá como certa a aprovação da licença. Um navio-sonda está a postos nos mares do Amapá, a cerca de 175 quilômetros da costa e a 40 quilômetros da Guiana Francesa, aguardando o sinal verde. A lâmina d’água no local atinge 2.880 metros. A estatal também já investiu na construção de uma base de apoio em Macapá.
Está prevista para os próximos dias uma Avaliação Pré-Operacional, um simulado de emergência exigido pelo Ibama. Deveria ser a última etapa antes de o órgão ambiental decidir se a petroleira pode dar início à perfuração do poço, chamado de Morpho.
Em seu plano de negócios para 2023-2027, a Petrobras programou um investimento de US$ 2,9 bilhões para a perfuração de 16 poços na Margem Equatorial. Metade do capex exploratório da estatal será destinado a essas novas bacias, um valor maior do que será investido nas bacias do Sudeste. O início dos trabalhos, de acordo com a empresa, seria no primeiro trimestre deste ano.
Mas março vai chegando ao fim, e até agora o Ibama não emitiu a licença.
Em uma entrevista que acaba de ser publicada também na agência Sumaúma, o novo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, indicou que poderá exigir avaliações técnicas adicionais antes de publicar sua decisão.
“O Ibama não é irresponsável,” declarou. “Estamos em outro momento, sob nova presidência, nada vai ser autorizado sem que de fato a gente tenha todas as implicações necessárias.”
Em linha com o afirmado por Marina na entrevista da semana passada, Agostinho disse que poderá ser feito um estudo mais amplo dos impactos para a região, um trabalho chamado de Avaliação Ambiental Estratégica.
Se o Ibama realmente fizer essa exigência, a Petrobras poderá ter sua licença suspensa, avalia a agência EPBR, especializada em notícias do setor energético.
Ainda se sabe pouco sobre as reservas brasileiras nessas áreas, mas estudos geológicos iniciais apresentados pela ANP indicam a presença abundante de óleo do tipo leve. Haveria reservas totais entre 20 bilhões e 30 bilhões de barris, ao redor de metade das existentes no pré-sal. O volume recuperável foi estimado em 7,5 bilhões de barris.
Os ótimos resultados nos vizinhos Suriname e Guiana, donos de algumas das maiores reservas descobertas em águas profundas na última década, alimentaram o interesse das petroleiras para prospectar essa nova fronteira.
No Suriname a produção triplicou no último ano e atingiu de 300 mil barris/dia. Na Guiana, a exportação subiu de 100 mil barris/dia em 2021 para 360 mil em 2022. A meta do país é superar 1 milhão de barris/dia ao longo da próxima década.
A Petrobras está de olho neste potencial.
“A Margem Equatorial representa para nós um prospecto promissor, bem como um ativo que poderá contribuir para a segurança energética do País,” Fernando Borges, o diretor de exploração e produção da Petrobras, disse há poucos dias durante sua apresentação na CERAWeek 2023, em Houston.
Com o declínio na exploração nas bacias de Campos e Santos, nas quais se encontra o pré-sal, a Petrobras terá que investir em novas áreas para continuar crescendo. Estima-se que, se o potencial da Margem Equatorial for confirmado, a produção brasileira poderá saltar dos atuais 3 milhões de barris/dia para até 5 milhões de barris na próxima década.
“O Brasil, atual oitavo maior produtor mundial, poderá ficar entre os top 5,” comenta um ex-diretor da ANP. “É louvável a preocupação com o impacto ambiental, mas se trata de uma exploração em águas profundas, distante da costa. A Petrobras tem grande experiência nesse tipo de operação. O País não deveria abrir mão desse potencial.”
Mas para Marina, a estatal deveria priorizar a transição para os combustíveis verdes.
Em sua entrevista à agência Sumaúma, a ministra afirmou: “Na minha opinião, e aí é a minha opinião pessoal, a Petrobras não pode continuar como uma empresa de exploração de petróleo. Isso é um desafio para o governo e um desafio para os seus acionistas. Ela tem que ser uma empresa de energia que vai usar inclusive o dinheiro do petróleo para fazer essa transição, para deixar essa fonte que é altamente impactante para o equilíbrio do planeta.”
Como petróleo debaixo da terra não vale nada, o melhor que o País poderia fazer seria explorar a Margem Equatorial o quanto antes.
“Não faz sentido tratar a região como um santuário ambiental se, do outro lado da avenida, Guiana e Suriname estão explorando essas bacias,” disse um executivo do setor. “Hoje as petroleiras são as mais interessadas em realizar os investimentos com o menor impacto possível. O acidente de Macondo, no Golfo do México em 2010, quase levou a BP à ruína. Por pouco ela não tomou um takeover de uma concorrente.”
Outro ponto que deverá ser ponderado pelo governo é a arrecadação bilionária propiciada pela indústria do petróleo. Apenas em royalties e participações especiais foram mais de R$ 100 bilhões no ano passado.
Um consultor lembra que, se os recursos arrecadados com os futuros poços da Margem Equatorial forem bem usados, poderão levar desenvolvimento para os estados do Norte e do Nordeste – o que sempre foi prioridade em governos do PT.
Mas o Greenpeace, a WWF e outras organizações ambientalistas têm atuado fortemente contra a exploração nas áreas. O embate traz todos os elementos para se transformar numa disputa ainda mais barulhenta do que aconteceu com Belo Monte.
Fontes do setor de petróleo dizem que o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, são favoráveis à exploração da Margem Equatorial.
Não se sabe de que lado ficará Lula, mas o presidente, dizem essas fontes, dificilmente vai querer rasgar dinheiro.
Veremos.