Em seus mais de 30 anos atendendo clientes internacionais em todos os fusos do globo, o inglês Steve Donovan nunca havia pisado na América Latina quando foi designado pela direção do Citi, dez anos atrás, para comandar a área de treasury and trade solutions para a região.
Foi um choque cultural – mas o executivo virou fã das fintechs e das inovações financeiras dos latino-americanos, particularmente dos brasileiros.
Agora como head de services para a América Latina, Donovan vem dedicando boa parte de seu tempo a conversar com autoridades locais para ajudar na criação do arcabouço regulatório do que ele chama do ‘Santo Graal’ das transações financeiras internacionais, uma plataforma tokenizada de pagamentos instantâneos que funcionará como um ‘Pix Global’ 24 horas por dia, sete dias por semana.
“Estamos nessa jornada de adoção digital há vários anos,” Donovan disse ao Brazil Journal, em uma conversa na sede do banco na avenida Paulista.
Internamente, o Citi já usa seu próprio token para realizar transferências entre países onde opera. Agora chegou o momento de dar o próximo passo: integrar sua plataforma com outros sistemas digitais – e aí entram as stablecoins.
A grande trava à engrenagem das transferências internacionais hoje é o fato de existirem múltiplas FMIs – financial market infrastructures – em várias jurisdições, operando sob diferentes regras, cada uma com seu prazo de liquidação.
A tokenização surgiu como a solução ideal para esta antiga dor dos participantes dos mercados globais e, para Donovan, o sistema financeiro internacional parece destinado a ir para esse caminho.
“As stablecoins não são propriamente uma novidade. Estávamos falando sobre elas há cinco ou seis anos, mas não havia clareza regulatória. Faltava segurança. Só vamos investir em algo do tipo se nossos clientes tiverem interesse real nisso.”
O arcabouço regulatório começou a ser construído – ao menos nos EUA – com a aprovação do Genius Act. Agora a China e a Europa correm para apressar suas próprias regulações e não ficar para trás, o que significaria fortalecer a hegemonia do dólar nas transações internacionais.
Para Donovan, ainda resta um caminho regulatório considerável a ser perseguido para que se tornem realidade as plataformas globais tokenizadas de grande escala – além de uma mudança cultural por parte de muitos clientes.
Não adianta apenas os EUA ou o Brasil criarem os seus marcos regulatórios. A interoperabilidade de um ‘Pix global’ depende da criação de uma rede confiável, tanto do ponto de vista tecnológico como regulatório.
Donovan disse que o banco não considera as fintechs de cripto uma ameaça ao seu negócio de prover soluções para movimentar dinheiro ao redor do mundo. Pelo contrário. Elas podem ser complementares, fazendo “a última milha” das transações.
“Desde o início abraçamos as fintechs. Nunca as vimos como uma ameaça competitiva,” disse. “Víamos as fintechs como capazes de preencher uma lacuna no mercado e fornecedores de serviços que não conseguimos entregar, ajudando a atrair mais consumidores.”
E qual o papel do centenário Citi nesse sistema financeiro do futuro?
“Não tenho uma bola de cristal, mas acho que nosso papel hoje e amanhã será extremamente relevante,” afirmou. “A presença global do Citi é inigualável. Conseguimos movimentar dinheiro para mais de 140 países ao redor do globo com bastante facilidade.”
Agora, a ambição é “movimentar dinheiro 24 horas por dia, 7 dias por semana, em todos os mercados do mundo,” disse Donovan.
O que falta para chegar lá? “Clareza regulatória é absolutamente primordial. Os dois pontos principais são: clareza regulatória e demanda dos clientes.”
Jane Fraser, a CEO do Citi, confirmou recentemente que o banco estuda emitir stablecoins para facilitar os pagamentos digitais.
“Estamos considerando a emissão de uma stablecoin do Citi, mas talvez mais importante seja o segmento de depósitos tokenizados,” disse ela. “Essa é uma boa oportunidade para nós.”
O banco também analisa a possibilidade de custodiar criptoativos para seus clientes.
Donovan disse que costuma dizer aos mais jovens que eles têm muita sorte de viver o atual momento de transformações no sistema financeiro.
“Gostaria de estar começando minha jornada profissional agora,” disse. “É realmente muito emocionante. Mal consigo dormir à noite com o ritmo das mudanças e os potenciais resultados de muito do que está sendo discutido e explorado ao redor do mundo agora.”
Com a experiência de acompanhar os outros países da América Latina e tendo vivido muitos anos na Ásia, Donovan diz que o Brasil está na dianteira dessa onda de inovação. Nos últimos, o executivo vem participando de conversas com o Banco Central sobre a regulamentação da emissão de stablecoins no país.
“O Brasil é a Singapura da América Latina,” disse Donovan. “O Brasil é o first mover. Sempre recomendo às pessoas que olhem o que o País tem feito em temas como open finance, pagamento instantâneo e inclusão financeira.”