Desde que ainda tinha Silvio Santos como controlador, o Banco Pan sempre nadou de braçada no mercado de crédito voltado para as classes C, D e E.
Mas até hoje, seu cliente apenas utiliza o produto — um consignado, o financiamento de um veículo ou um cartão de crédito — e raramente aprofunda seu relacionamento com o banco.
“A maioria entra, paga o que deve, e vai embora, gerando pouca recorrência,” diz um executivo que conhece bem o banco.
Agora, o Pan está começando a implementar uma estratégia para reter e rentabilizar mais o cliente, tentando transformar sua máquina de originação de crédito em uma máquina de fidelização.
Mesmo antes dos primeiros resultados, o mercado está comprando a estratégia e o Pan está sendo reprecificado na Bolsa. Sua ação chegou a subir 500% desde o início do ano — e depois do riskoff do mercado nos últimos dias, ainda acumula alta de 390% — e seus acionistas preparam uma oferta para capitalizar o bom momento.
O banco está trabalhando numa conta digital que deve ser lançada nos próximos meses. A meta é ambiciosa: ter 2 milhões de contas abertas até o fim de 2020.
Trata-se da fórmula clássica adotada pela nova geração de bancos digitais: uma conta corrente em que saques, pagamento de boletos, TED e DOC são gratuitos, permitindo que o banco conheça melhor o cliente e lhe ofereça mais produtos.
O diferencial, aposta o Pan, está em seu ponto de partida: uma ampla base de clientes e a expertise em crédito para a base da pirâmide.
“A gente conhece as classes C, D e E profundamente”, diz Carlos Eduardo Pereira Guimarães, o CFO do banco. “Onde a gente vai fazer diferença é na assertividade do crédito, que a gente não vê outros concorrentes fazendo para o nosso nicho e a gente faz muito bem: limites assertivos com taxas corretas.”
Em outras palavras, o Pan vai pescar num aquário já delimitado, o que, ao menos em tese, reduz seu custo de aquisição.
O banco tem 4,5 milhões de clientes ativos, definidos como aqueles que estão pagando em dia algum tipo de empréstimo. Além destes, há outros 10 milhões de clientes que já quitaram completamente suas dívidas. A cada mês, 120 mil novos CPFs compram algum produto do banco, e 250 mil pessoas entram com um pedido de crédito (aprovado ou negado) e nunca chegam a assinar o contrato.
Hoje, a carteira de crédito é de R$ 22 bilhões, além de outros R$ 10 bilhões que estão cedidos para a Caixa – que divide o controle do banco com o BTG Pactual.
O Pan é um ‘late comer’ num mercado abarrotado de fintechs tentando reinventar a indústria e roubar o almoço dos bancões, mas confia no seu taco.
“Diferentemente de startups, nós somos um banco grande, que tem uma estratégia de cross-sell para fidelizar o cliente”, diz Guimarães. “Abrir conta é uma coisa, rentabilizar e fidelizar são outras duas completamente diferentes, e estamos bem focados nisso.”
O BTG colocou o Pan entre suas prioridades para a área digital com foco no varejo, liderada por Amos Genish, o fundador da GVT e ex-executivo da Vivo e da TIM. A ideia é que o Pan e o BTG Digital, mais voltado para a alta renda, exponham o BTG a todas as demografias de clientes.
O objetivo inicial do Pan com a conta digital é aumentar a participação nos produtos em que o banco já é forte. Hoje, o Pan tem 5,5% do mercado de financiamento para veículos usados, enquanto Votorantim e Santander tem 25% cada um. O banco também é forte no financiamento de motos — atrás apenas do Banco Honda — e consignado.
O Pan também vai oferecer outros tipos de produto, como financiamento imobiliário, crédito imobiliário e seguros, mas ainda não está claro o que será feito dentro de casa e o que será oferecido de terceiros. Como nos outros bancos digitais, a ideia é se tornar um ‘one-stop-shop’ de produtos financeiros e bancários para manter o cliente engajado.
O Pan não está chegando atrasado à festa à toa. Até recentemente, seu management estava focado em arrumar a casa, que nos últimos anos ainda se recuperava do escândalo envolvendo a fraude contábil de R$ 4 bilhões descoberta em 2010, quando o Grupo Sílvio Santos era controlador.
O BTG entrou no banco em 2011, comprando a fatia que estava nas mãos de Sílvio, e juntando-se à Caixa, acionista desde 2009. Os sócios amargaram uma sucessão de prejuízos e injetaram R$ 3,5 bilhões na instituição.
A crise finalmente ficou para trás, e o banco está podendo focar no futuro em vez do passado.
Os resultados vêm se recuperando. No segundo trimestre, o retorno sobre patrimônio do banco ficou em 23,9% contra 12,2% um ano antes.
O número é ajustado para corrigir duas heranças malditas da era Silvio Santos.
Primeiro, considera o lucro líquido excluindo o custo extorsivo de uma emissão bizarra de CDBs que data de 2006 e paga nada menos que 28% ao ano — com vencimento médio em 2023 e último vencimento em 2025. No ajuste, o Pan considera seu custo de captação atual.
O patrimônio também é ajustado para excluir a parte referente a créditos fiscais por conta dos prejuízos acumulados, que não servem de base para o capital regulatório e, portanto, ainda não podem ser rentabilizados.
A nova estratégia do Pan deve ser colocada à prova numa oferta de ações que deve acontecer em setembro. A emissão deve ser tanto primária, para levantar recursos para a expansão do banco, quanto secundária, dando saída parcial à Caixa. O banco já disse num fato relevante que está conversando com bancos para fazer a operação.
A oferta também vai aumentar a liquidez do Pan na Bolsa. Hoje, apenas 16,6% do capital estão em circulação no mercado — abaixo do mínimo de 25% exigido pelo Nível 1 de governança da B3.