Fernando Fanchin trabalha há cinco anos na gestão do Teorema, o fundo de ações long-only cujo maior investidor é a família Guilherme Affonso Ferreira.
O fundo ainda não foi testado num bear market, mas, neste período, saiu do último para o primeiro pelotão da indústria, ficando próximo da performance de gestoras como Velt, Atmos e Dynamo na janela de cinco anos (e com Sharpe equivalente).
Agora, a Teorema está mudando de nome e começando uma nova fase, tendo Fanchin como sócio principal. Rebatizada MOS — o acrônimo em inglês para ‘margin of safety’ — a gestora está adotando uma estrutura de partnership: os oito sócios agora têm 80% da gestora e a família Affonso Ferreira o restante.
A MOS tem R$ 330 milhões sob gestão e está aumentando sua exposição às plataformas, agentes autônomos e family offices.
O nome da casa vem de Benjamin Graham, o mentor intelectual de Warren Buffett. Graham cunhou a expressão ‘margin of safety’ pela primeira vez em 1934, e mais tarde desenvolveu o tema em seu clássico, The Intelligent Investor, de 1949.
“Somos um long-only com uma abordagem de private equity em companhias listadas,” diz Fanchin.
Com apenas 12 empresas, o portfólio da MOS é relativamente concentrado, e parte relevante do retorno veio de dois setores. Dos 143% que o fundo rendeu desde o início, 56 pontos percentuais vieram de utilities (Eneva e Energisa) e outros 56 do setor financeiro (B3 e Itaú).
Fanchin conversou com o Brazil Journal sobre a filosofia de investimento e as principais posições do fundo.
O que diferencia a MOS de outras gestoras long only?
Somos uma casa de QARP [acrônimo para ‘quality at a reasonable price’), com critérios rigorosos para a seleção das empresas, uma matriz detalhada para a definição do tamanho de cada uma delas no portfólio e todo um processo bem definido e que já vem sendo recorrentemente praticado no dia a dia ao longo dos últimos anos. Achamos até que esse processo vai ser aperfeiçoado daqui para frente, porque agora temos um time mais sênior e numeroso.
O ponto principal é esse: compramos empresas de qualidade, mas não pagamos caro por elas. Sempre tem que ter um valuation para justificar o caso. O segundo ponto: a gestão de risco é inerente ao processo de gestão. Não tem uma pessoa de risco aqui que me soa o alarme. A gente vai fazer a gestão de risco do ponto de vista do tamanho das posições. Se a posição começa a ficar muito cara, a gente vai reduzir. Podemos morrer de amores pela empresa, mas vamos reduzir. A gente vai comprar put sempre que julgarmos que o mercado está esticado e que tem uma assimetria de preço na parte das opções de venda. Vamos manter uma alta posição em caixa. Temos condições de carregar um nível de caixa maior do que a média, e tudo bem se o mercado andar na nossa frente. A gente acha que no longo prazo isso é benéfico, porque a opcionalidade de ter o caixa é muito alta. Queremos ter caixa para, num evento como foi o março/abril deste ano, a gente poder raspar o mercado.
Tem algum denominador comum entre as companhias do portfólio?
Tipicamente vamos ter companhias que são um pouco mais defensivas, empresas que a gente pode dormir mais tranquilo. São empresas que vamos ter com covid ou sem covid, com Trump ou com Biden. Empresas para sermos sócios de verdade.
Como essa estratégia de gerir o tamanho das posições e de ter um percentual maior em caixa funciona na prática?
A gente não tem um número, uma meta de quanto ter em caixa. O que acontece é que a gente tem essa matriz de sizing que vai me dizer o seguinte: minha exposição ideal numa companhia pode ser de 15,5%, por exemplo. Mas no valuation em que ela está neste momento, na liquidez que ela tem hoje, e com o grau de conhecimento interno e o risco de perda permanente, podemos ficar sobrealocados ou subalocados.
Para cada papel, a cada dia, eu vou ter uma indicação se eu tenho que reduzir ou aumentar a posição. Isso não quer dizer que eu vou ficar girando a carteira — aliás giramos bem pouco — mas eu tenho um roteiro para me mostrar se tenho que reduzir a exposição.
Em dezembro passado e janeiro deste ano, chegamos a ter 17% do fundo em caixa. Mas não foi uma decisão, foi porque o mercado estava eufórico e fomos reduzindo a exposição. Quando chegou a covid, tínhamos 17% em caixa… Aí os preços começaram a melhorar, a matriz foi apontado que precisávamos aumentar as posições e começamos a recomprar. Compramos tudo e fomos a 3% do fundo em caixa. Aí em abril/maio, a Bolsa começou a recuperar e fomos reduzindo de novo as posições e chegamos em agosto de novo com 20% do fundo em caixa. Agora já está em 16%. Então é um processo bem dinâmico.
A maior posição de vocês hoje é a Rumo. Qual é a tese?
Buscamos empresas que tenham alta previsibilidade de geração de caixa e times de management altamente alinhados com o negócio. Queremos empresas para sermos sócios ao longo de anos, ganhar o retorno do negócio, e não só a discrepância de preço e valor que tem naquele momento. Vamos sempre ser diligentes na entrada, mas queremos negócios com retornos bons.
Nesse sentido, nossa maior convicção hoje é a Rumo. Não era nossa maior posição no início do ano, mas fomos aumentando. Achamos que a posição competitiva dela é fenomenal e que a gestão da companhia também é competente e arrojada. Mas ela está tendo um ano difícil. Ela talvez tenha tido o winner’s curse este ano, que é o seguinte: ela se viu como quase monopolista do transporte de grãos e começou a sofrer alguns ataques, seja dos próprios caminhões — porque o preço do diesel caiu e ela não abaixou de forma adequada as tarifas dela — seja porque agora você tem uma saída organizada com a Hidrovias do Brasil via barcaça pelo Norte.
A Rumo acabou sendo um pouco leniente nos contratos dela com as trading companies, particularmente. Mas essa perda de market share é algo que já está incomodando desde o senior management do nível da Rumo até o senior management e o controlador da Cosan, que é o Rubens Ometto. E eles já estão se mexendo… Para você ter uma ideia, a Rumo pela primeira vez contratou um diretor comercial. Parece algo meio absurdo, mas a empresa antes não precisava de uma área comercial ativa.
E achamos que a Rumo é um dos grandes cases do Brasil. Estamos vendo ainda uma TIR real de um dígito alto ou de dois dígitos baixos, dependendo do preço da ação, para os próximos anos. Ela tem a possibilidade de estender a Malha Norte até Lucas do Rio Verde. É uma empresa que sentimos muita segurança, então ela é nossa maior posição, com 13% do fundo.
Vocês recentemente montaram posição em Yduqs. Por que está barata?
É uma posição ainda pequena. O setor de educação continua com preços muito deprimidos na nossa opinião. Claro que com uma carga de risco muito grande, porque tem uma incerteza no ar de como esse setor vai se desenvolver nesse novo mundo que estamos vivendo, de ensino virtual. Tem também o problema de perda de renda, aumento de desemprego… o aluno da Yduqs é tipicamente o cara que paga a própria faculdade, então tem uma elasticidade nesse tipo de ensino.
Mas dito isso, a Yduqs é uma empresa que historicamente gerou muito valor para os acionistas, conseguiu entregar retornos sobre o capital maiores que o custo de capital, e conseguiu crescer o fluxo de caixa livre por ação. Ela também tem um fundo de private equity como acionista de referência, o Advent, que para nós é um dos top 5, e se tornou a empresa com o menor múltiplo do setor — uma posição que historicamente era da Ser.
É uma empresa com alguma relevância, com uns R$ 8 bi de market cap, e que tem um histórico melhor do que qualquer outra empresa do setor se você olhar retorno sobre o capital e crescimento do fluxo de caixa livre, mas está negociando hoje a 12x o lucro do ano que vem. É um múltiplo baixo mesmo para o setor. Também achamos o management competente: tem o Eduardo Parente como CEO e o Eduardo Haiama (ex-Equatorial) como CFO.
A empresa tem várias qualidades que nos agradam, mas nossa convicção ainda não é alta por conta dos desdobramentos do covid, da crise.
Outra posição grande de vocês é Energisa, que sofreu como todo o setor distribuição e ainda não voltou para os highs. O que está acontecendo?
O principal problema é que com a covid as distribuidoras perderam essencialmente o direito de cortar a luz de quem parasse de pagar. E como isso foi conduzido pela ANEEL? ‘Você não pode cortar mesmo, porque é um evento de saúde pública, mas vamos pensar num jeito de recompensar vocês’. Mas esse jeito que a ANEEL vai dar ainda tem toda uma discussão da conta covid que não está pacificada. Ainda não está claro se o reajuste tarifário vai acontecer este ano ou no próximo. A magnitude desse reajuste. Então, eu diria que tem um certo limbo regulatório que ainda não está esclarecido.
Mas em paralelo, a Energisa tem uma situação muito interessante dentro dela, no consolidado, que é o seguinte: a maior exposição que ela tem é Mato Grosso, o estado com maior crescimento do Brasil. Depois, ela tem exposição a Mato Grosso do Sul, Tocantins, que também são estados que crescem… depois ela tem Sergipe, Paraíba, Acre e Rondônia, que ela ainda está digerindo e tem um ganho que ainda vai aparecer em Rondônia. Tem umas variáveis no caso que deixam algumas pessoas apreensivas, mas essa é uma empresa na qual aumentamos a posição recentemente, porque achamos que ela está descontada.
Ela está muito alavancada?
O nível de alavancagem dela não é tão baixo. Mas na nossa opinião ela é o tipo de negócio que aguenta mais alavancagem. Fechamento de 2020, estamos trabalhando que ela feche em cerca de 5x, mas ela teve uma perda de EBITDA porque ela não pode cortar a energia das pessoas que não pagaram….
Em consumo, vocês têm posição em M Dias Branco e Camil. Qual a tese das duas?
A Camil, depois de dois anos de vacas magras no preço de arroz, viu o preço explodir nos últimos nove meses. Para você ter uma ideia, o pacote de Camil azul padrão, que ela vendia a R$ 9,99 no ano passado, ela está vendendo a R$ 24,99. É 2,5x o preço… Realmente, ela está tendo um momento muito bom de mercado, que nem eles nem ninguém acham que é sustentável. Mas dito isso, aparentemente o preço do arroz vinha represado mesmo, então mesmo que haja uma acomodação vamos ver preços maiores do que no ano passado. Vai acomodar num patamar acima. O primeiro ponto é esse: o mercado de arroz melhorou muito. O de feijão e açúcar melhorou em algum grau também.
E o que acontece? A empresa fez aquela bem sucedida recompra de ações do Warburg Pincus no ano passado: pagou R$ 6,25 por uma ação que bateu R$ 12 agora. Então, ela aumentou a sua exposição à sua própria ação num momento em que a ação estava negociada a 5-6x EBITDA, e a 8-9x o lucro. Essa é a diferença de você estar comprado numa empresa que tem dono e alinhamento.
O CFO me falava na época: ‘não vou comprar ninguém no mercado porque os caras tão me pedindo 9-10x EBITDA com meu papel negociando a 5-6x.’ É muito simples: a empresa vai fazer alocação de capital que dá segurança e retorno bom.
Hoje, o papel negocia a 11x lucro para 2021 e EV/EBITDA de 7,5x, em linha com seus múltiplos históricos, só que num momento de melhor geração de caixa. Mas a visão do mercado é que a geração de resultado não é tão sustentável. Então o múltiplo dela de 2021 é mais alto que o de 2020. Já projetamos uma queda de resultados para o ano que vem.
Quando vocês fazem as contas, colocam o saco de arroz em que preço no ano que vem?
A gente acha que o preço cai uns 20-25%. A Camil diz que vai ter uma acomodação, mas menos intensa que essa. Eles acham que 20% é um cenário de queda muito agressiva.
E a M Dias Branco?
M Dias é um caso um pouco diferente de Camil porque, embora ela tenha tido vendas muito boas, os preços não melhoraram o suficiente para defender a alta de custos que a empresa teve. O maior insumo deles é o trigo, que é cotado em dólar. O trigo em reais subiu demais. Então a M Dias vem trabalhando gradativamente para repassar preços para o mercado… ela está tendo um ano muito bom de vendas, mas as margens estão comprimidas. Nossa expectativa é que com o tempo ela vai conseguir repassar mais preço para o mercado e conseguir expandir a margem para níveis mais próximos do histórico.