Mais um Refis está sendo gestado, com amplo apoio no Congresso. Dos programas de refinanciamento de dívidas tributárias lançados pelo governo nas últimas duas décadas, talvez o de agora seja um dos mais necessários de todos, dado o estrago na saúde financeira das empresas provocado pela pandemia — sem precedentes na história.

Esses parcelamentos têm um forte apelo em momentos de crise por parecer casar os interesses do governo em garantir certo nível de arrecadação, de um lado, e o das empresas em reduzir o pagamento de impostos, de outro.
 
Mas foram tantos os programas dessa natureza desde o ano 2000, com pequenos intervalos entre um e outro, que se criou no Brasil a “cultura do Refis”, com resultados nefastos e duradouros para a economia. Esse “casamento” de interesses não gera um ganha-ganha, e sim um perde-perde.
 
Um estudo feito pelo economista e auditor da Receita Federal Nelson Leitão Paes, hoje secretário de Avaliação e Planejamento no Ministério da Economia, mostra que os parcelamentos tributários chegam a acarretar queda na arrecadação equivalente a 1% do PIB por vários anos. Pior: sedimentam a ideia de que não recolher tributos é uma boa jogada.
 
Paes se concentra na primeira década dos anos 2000, quando o País lançou um programa de refinanciamento tributário a cada três anos. “Ora, se ao deixar de pagar seus tributos o contribuinte pode ser premiado com um parcelamento futuro, que com suas benesses represente um valor presente menor do que aquele correspondente ao recolhimento espontâneo, é possível que ele não cumpra com sua obrigação corrente”, Paes ressalta no estudo.
 
Os números sustentam a afirmação de Paes. Ele cita um trabalho feito por alunos da Escola de Administração Fazendária. Os dados mostram que os contribuintes ficaram pulando de programa em programa, no lugar de quitar os débitos. Mais de 70 mil saíram dos primeiros três programas e migraram para o último, o Refis-Crise, lançado em 2009.

De acordo com esse estudo, nada menos do que 90% do estoque parcelado simplesmente não foi pago! Ou seja, não há ganho de arrecadação, “apenas prejuízo com perda de recursos e enfraquecimento da cidadania fiscal”.
Informações mais recentes vão na mesma direção. Entre 2017 e 2018, foram lançados quatro programas especiais de regularização tributária, destinados a públicos distintos, desde a pequena empresa ao grande produtor rural. De acordo com dados da própria Receita, a renúncia total foi estimada em R$ 83,5 bilhões.
 
O pior quadro para a Receita é a morte de uma empresa. Ela deixa de gerar empregos e recolher impostos. Portanto, é óbvio que o governo precisa ajudar os CNPJs combalidos, mas sem baixar a guarda no lado fiscal.
Um recente relatório do Santander traça um quadro trágico para a trajetória da dívida pública se a agenda de reformas não for retomada. No cenário extremo, a dívida chegaria a 160% do PIB em 2030. Mesmo no cenário base, com as reformas e o ajuste fiscal em curso, a dívida pública alcançaria 96% em 2022.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem defendido que um novo Refis — “o último” — seja debatido no âmbito da reforma tributária. Ele reconhece que os sucessivos refinanciamentos dão a sinalização de que pessoas e empresas podem deixar de recolher seus tributos porque “lá na frente vai ter uma solução”.
Mesmo empresários sérios podem achar que os refinanciamentos tributários têm o efeito positivo de compensar a alta carga tributária historicamente vigente no país. Mas esse pensamento é uma ilusão. Os sucessivos Refis servem para estimular a concorrência desonesta, em que os “espertos” se aproveitam da inadimplência para aumentar sua margem de lucro ou tornar seus produtos “mais competitivos”, provocando sérias distorções no livre mercado.
 
Segundo Nelson Paes, somente 6% dos optantes do primeiro Refis, ainda no governo FHC, aproveitaram a oportunidade para liquidar o passivo fiscal.
“A literatura sobre parcelamentos tributários é unânime no sentido de que não se trata de medida adequada do ponto de vista da política tributária, seja pelo seu impacto negativo sobre o cumprimento espontâneo da obrigação tributária, seja pela ineficiência e pouco resultado que traz sobre a arrecadação”, diz.
 
O caminho é uma reforma tributária bem pensada, em que sejam beneficiados aqueles que recolhem seus impostos em dia e de forma espontânea. E não o contrário.