A produtividade da agricultura brasileira depende da correção do solo e do uso de fertilizantes – e de um ingrediente adicional: os microrganismos que fixam os nutrientes na planta.
No caso da soja e de outras leguminosas, é a bactéria Bradyrhizobium japonicum que cumpre a função de fixar o nitrogênio.
“Cada planta tem o seu perfil de microrganismo ideal,” diz o biólogo Rafael Silva-Rocha, fundador e diretor de tecnologia da startup ByMyCell. “Isso vale para a soja, o café, a cana, qualquer cultura que você imaginar.”
Sem os microrganismos que atuam de maneira simbiótica com os vegetais e contribuem na absorção do nitrogênio e outros nutrientes, o solo poderá continuar degradado e pouco produtivo, mesmo havendo um uso intensivo de fertilizantes.
Já a presença de fungos que causam doenças provavelmente arruinará uma plantação.
O estudo da chamada microbiota – a diversidade de microrganismos presentes no solo, seja os benéficos ou os patogênicos — é uma das mais recentes fronteiras científicas no desenvolvimento da agricultura.
A ByMyCell, fundada há três anos em Ribeirão Preto, vem se destacando nessa frente. É uma deep tech que concilia big data genômico e inteligência artificial para avaliar os solos e indicar a composição mais adequada para cada cultura. Indica também os defensivos biológicos para combater doenças.
Rafael formou-se em biologia na Universidade Federal do Pará e fez doutorado em Madri, especializando-se em bioinformática. Também é programador.
De volta ao Brasil, estabeleceu-se na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Petro, onde se tornou professor em 2015, aos 29 anos.
Dividindo-se entre salas de aula e laboratórios, Rafael percebeu que havia uma grande demanda por parte dos centros de pesquisas e empresas pelo tipo de análise da microbiota que ele consegue fazer.
Infeliz com o mundo acadêmico, pediu demissão da USP e foi abrir seu negócio.
“Não daria certo tentar conciliar as duas coisas, seria como ter dois casamentos,” diz Rafael. “Sair da USP acabou sendo a melhor coisa que fiz na vida.”
A ByMyCell foi incubada em 2021 no Supera, o parque tecnológico mantido por uma parceria da Prefeitura de Ribeirão Preto com a USP e a Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo. No ano seguinte, o projeto já havia virado empresa – e com uma boa carteira de clientes.
Rafael fundou o negócio ao lado da também pesquisadora Stela Virgilio. Logo em 2022 veio o primeiro aporte de capital, com o investimento-anjo feito pelo Inside Health Group, uma empresa de análises laboratoriais.
No ano passado, a ByMyCell recebeu R$ 1,1 milhão para financiar um projeto de sequenciamento genético de microrganismos. Em janeiro, um novo aporte: da Agrivalle, uma das cinco maiores empresas de bioinsumos agrícolas do País, comprada pela Tarpon em 2020.
A startup mantém ainda uma parceria com a Oracle, sua fornecedora de nuvem e que já tinha um convênio com o parque tecnológico de Ribeirão Preto.
O principal produto da agritech é a plataforma ByMySoil, de identificação dos microrganismos do solo e produção de relatórios. O serviço inclui um aplicativo para celulares e é o mais completo desse tipo no Brasil em um ramo de negócio relativamente novo – as primeiras empresas do tipo surgidas nos EUA possuem menos de uma década de vida.
Para o pesquisador e agora empreendedor, depois de décadas da predominância da análise química chegou a vez de a biologia impactar mais decisivamente a produtividade agrícola.
“São duas frentes: mitigar risco de doenças e aprimorar a entrega de nutrientes,” disse Rafael. “A presença de um fungo patogênico representa uma perda de 20% em média da produtividade. No lado dos insumos, a economia com fertilizantes chega a superar 15%.”
Para receber as análises, os clientes enviam amostras do solo pelo correio. Com o relatório em mãos, conseguem atuar de maneira muito mais precisa – e não na base da ‘tentativa e erro.’
Há, por exemplo, 140 microrganismos patogênicos nos bancos de dados da ByMyCell. A identificação precisa de uma bactéria causadora de doença representa uma economia de tempo e dinheiro.
“Para cada uma dessas doenças já há dez possíveis remédios,” diz Rafael. “Então, sem uma análise precisa, o produtor teria que escolher aleatoriamente entre mais de 1.000 remédios.”
De maneira similar, as análises contribuem para evitar o desperdício com nutrientes.
“Sem o microrganismo para entregar o nutriente, o produtor vai gastar toneladas de fósforo e de potássio, e não terá ganho na produção,” diz Rafael. “Vem uma chuva e desperdiça tudo. Estou jogando os químicos fora – e, além do mais, isso aumenta a pegada de carbono.”
Rafael não abre os números, mas diz que a empresa opera no azul. Os recursos dos aportes são usados basicamente para os investimentos de prazo mais longo e capital de giro.
Uma das principais barreiras para escalar o negócio, como em todas as startups de análise de dados e inteligência artificial, é o custo de nuvem. Por meio da parceria com a Oracle, a ByMyCell conseguiu controlar os custos – os contratos são em reais – e assegurar mais velocidade na disponibilidade de espaço na nuvem, o que diminuiu o prazo de entrega das análises.
“Eles já tinham o algoritmo genômico, mas precisavam de capacidade computacional para escalar o negócio,” diz Leandro Vieira, vice-presidente para empresas high tech da Oracle para América Latina.
Pelo menos por enquanto, a capacidade de processamento não tem sido uma restrição ao crescimento da ByMyCell.
Mesmo sem ter ainda uma operação comercial estruturada – e com os sócios atuando na linha de frente das vendas, ao mesmo tempo em que se dedicam à pesquisa e à gestão do negócio – ela vem conquistando clientes no Brasil e nos países vizinhos.
O faturamento avançou 50% no ano passado e deve dobrar de tamanho este ano.