Mesmo se houvesse uma improvável pausa no desenvolvimento da inteligência artificial, apenas os recursos já disponíveis já são capazes de revolucionar vários setores na próxima década.

Essa é a dimensão do salto tecnológico pelo qual estamos passando, diz Ethan Mollick, um professor de inovação da Wharton School, na Universidade da Pensilvânia, e autor do best-seller Cointeligência: A vida e o trabalho com a AI, que acaba de ser lançado no Brasil pela Intrínseca. (Compre aqui

“Os sistemas de AI atuais são bons o suficiente para  causar disrupção nos negócios pelos próximos dez anos,” Mollick disse ao Brazil Journal. “Ainda não descobrimos como usá-los completamente.”

Cointeligência é considerado um dos melhores livros de introdução aos conceitos essenciais da AI e como tirar proveito da tecnologia – mas está quase ficando datado pela velocidade dos acontecimentos em AI.

Na conversa a seguir, semanas atrás, Mollick comenta sobre o risco da AI fugir do controle dos humanos.

Por que muitas empresas ainda resistem a empregar a inteligência artificial em sua rotina? É devido a questões legais e de segurança?

O engraçado é que as pessoas estão usando a AIem um ritmo alucinante. O ChatGPT é agora o quarto site mais visitado do planeta, é uma uma adoção incrivelmente rápida.

Se tem uma coisa que errei no livro foi a rapidez com que a AI foi adotada. Imaginei que seria algo mais lento.

A adoção é muito, muito rápida. Mas, ao mesmo tempo, as empresas resistem a adotar abertamente.

As pessoas usam individualmente, mas não demonstram que estão usando. Por quê? Se minha empresa não alterar os meus incentivos, não vou querer demonstrar que estou usando AI – não quero que as pessoas percebam que é a AI que é inteligente, e não eu.

Além disso, há fatores que você mencionou. Em muitos casos, as pessoas também estão sendo avisadas por suas empresas de que o uso de AI não é permitido. Então, o que está acontecendo é que todos estão usando AI por conta própria e estão obtendo benefícios, mas as empresas ainda não.

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Você afirmou recentemente que é cedo para atribuir demissões à adoção da AI. Por que você tem tanta certeza de que os anúncios recentes de corte de funcionários por empresas nos EUA ainda não estão relacionados à substituição de funções pela inteligência artificial?

Como eu disse, as empresas ainda não adotaram plenamente os benefícios disponibilizados pelos sistemas de AI existentes. É algo que começa a acontecer agora.

Há algumas poucas empresas cujos negócios já foram de fato arruinados pela AI. Ironicamente, algumas delas são as plataformas que ajudam as pessoas a trapacear nas lições de casa – mesmo que não tenham sido criadas para isso, é assim que elas ganharam popularidade. A AI é muito melhor do que elas para fazer esse tipo de coisa.

Ainda não vimos impactos expressivos, por exemplo, em áreas como tradução, onde a AI funciona muito bem.

Os empregos ainda estão a salvo porque os modelos de AI ainda não são ótimos o bastante para para fazer tudo autonomamente e corretamente. Eles fazem algumas partes do trabalho muito bem, mas outras nem tanto.

Ainda estamos no começo desse processo.

Com base na sua experiência como consultor, quais são as principais preocupações dos líderes empresariais e executivos do C-level?

Eles estão apenas começando a se debruçar sobre essa questão.

Nos EUA, houve dois memorandos muito famosos que circularam recentemente, um do CEO da Shopify, a empresa de compras, e outro do CEO do Duolingo, o aplicativo idiomas. Ambos disseram que não há alternativa, precisamos adotar a AI.

Obviamente, ambos acham que haverá um impacto enorme em suas empresas.

Os líderes precisam fazer questões como: O que a empresa se torna com a AI? Como devemos mudar? O que significa adotar AI na empresa? O que estamos tentando alcançar?

Estamos testemunhando toda essa corrida tecnológica. As Big Techs lançam quase diariamente novos recursos. O que pode deter o avanço exponencial da AI? Restrições na oferta de energia? Gargalos na disponibilidade de hardware?

Há uma diferença entre desacelerar o crescimento exponencial da AI e retroceder no uso dessa tecnologia.

O que eu sempre gosto de dizer é que os sistemas de AI atuais são bons o suficiente para revolucionar os negócios pelos próximos dez anos. Ainda não descobrimos como usá-los completamente.

Não parece haver qualquer indicação de que haverá uma pausa no desenvolvimento.

As barreiras na oferta de energia não parecem um grande problema. Os sistemas estão se tornando muito mais eficientes no uso de eletricidade.

O tempo que leva para escrever 100.000 palavras em um modelo de AI consome a mesma quantidade de energia que assistir Netflix por 45 minutos na televisão. Há sim um impacto considerável em termos globais, mas não é tão dramático assim.

É possível que a curva exponencial do desenvolvimento tecnológico passe por uma desaceleração. Mas simplesmente não sabemos. Neste momento, estamos definitivamente em uma curva de crescimento muito rápido.

E com relação a barreiras regulatórias? Muitos governos chegaram a discutir a necessidade de pausar o desenvolvimento da AI. Era uma ideia defendida também por Elon Musk. Agora ninguém mais tem falado sobre isso. Por quê? A disputa tecnológica com a China acabou se impondo?

Não vejo no horizonte regulamentações que possam impedir o desenvolvimento.

Essa questão passou de um assunto de regulação global para uma corrida armamentista global – para o bem ou para o mal, especialmente depois do lançamento da DeepSeek.

Há pouco apetite por regulamentação nos EUA no atual Governo. A Europa parece estar recuando em algumas de suas regras.

Podemos ver algumas proibições ao uso de deep fakes, o que considero útil. Mas não sobre restringir o desenvolvimento da tecnologia.

O tema do momento é a AI ‘​​agêntica’ – os sistemas que realizam operações e até mesmo programação sem interferência humana. Acha que estamos caminhando para uma situação em que o futuro não será de ‘cointeligência’ e sim de uma AI totalmente autônoma?

Acredito que esse é o objetivo das empresas de AI.

Há muita discussão sobre a definição de o que são os sistemas agênticos, mas podemos chamá-los, de forma ampla, de sistemas de AI que descobrem como realizar objetivos e fazem isso por conta própria.

No momento, agentes de uso geral ainda não são bons o suficiente para fazer tudo, mas agentes específicos, como agentes de pesquisa, estão começando a ficar muito bons.

A AI é boa em algumas coisas, ruim em outras. Esse ainda é o fator dominante. Esses sistemas são sobre-humanos em algumas áreas, mas muito mais fracos que os humanos e outras.

Isso impede que a AI agêntica realmente substitua as pessoas. Por enquanto. Ainda é uma ‘cointeligência’ – embora isso possa mudar nos próximos anos.

Quais atividades humanas você acha que são mais expostas? 

É importante mencionar que afetado não significa destruído, certo?

Sou professor, e meu trabalho está em 22º lugar na lista de 1.016 empregos que mais estão sendo impactados pela AI. Está acontecendo muito rápido.

Mas meu trabalho envolve muitas coisas diferentes. Tenho a oportunidade de ter conversas como essa com você, tenho a oportunidade de escrever livros. Preciso ser um bom professor na sala de aula, corrigir trabalhos.

Preciso também ser um bom conselheiro psicológico, além de cuidar do trabalho administrativo – e, claro, preciso fazer pesquisas sobre esse conjunto de coisas.

Então, se a AI é melhor em corrigir trabalhos do que eu – e ela é –, mas eu não estou usando isso para corrigir porque as pessoas ficariam bravas comigo, será que é uma boa decisão? Se a AI faz a correção, ela não destrói o meu trabalho – ela desloca o meu tempo para outras ocupações.

Uma gestão que pensa com antecedência sobre o futuro pode recriar empregos de novas maneiras. Se as organizações não se preparam para essa realidade, aí sim as coisas ficam arriscadas.

Você tem alguma dica para o Brasil, um país de renda média, aproveitar essa oportunidade e não ficar para trás nessa transformação tecnológica?

Este é um momento único. Não há vantagem tecnológica em nenhum lugar do mundo em usar AI em um lugar em detrimento de outro.

Os modelos aos quais o Departamento de Defesa dos EUA ou a Goldman Sachs têm acesso nos EUA são exatamente os mesmos modelos aos quais todas as crianças no Brasil têm acesso e oferecem gratuitamente.

Se você tem acesso à internet, tem acesso à melhor AI do mundo – e ela fala todas as línguas possíveis.

Se você consegue programar nos EUA, também conseguirá programar no Brasil. Então, há uma oportunidade única de nivelar as diferenças.

Há ainda a incrível promessa na educação, de AI como tutor de ensino.

Esta é uma grande oportunidade para o Brasil dar um salto à frente em alguns aspectos, porque as ferramentas são as mesmas no Brasil e em qualquer outro lugar. Se você tem um celular com acesso à internet, acho que é um momento muito poderoso.

Então você não perde o sono com o cenário imaginado no documento ‘AI 2027’ – no qual pesquisadores estimam que em breve, talvez daqui a dois anos, a superinteligência artificial poderá realizar autonomamente praticamente todas as atividades, superando os humanos?

Acho que isso é ficção científica, mas é ficção científica útil. É bom que alguém tenha estabelecido uma visão sobre como as coisas podem realmente decolar.

Para mim, parece improvável que teremos uma AI superinteligente e que ela dominará o mundo nos próximos dois anos.

Mas eu não sei, ninguém sabe ao certo. Certamente não estou agindo como se isso fosse acontecer – mas posso estar errado.

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