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Bruno Furtado e Pedro Fernandes
A pandemia de COVID-19 acelerou mudanças que estavam no horizonte, o consumidor saltou anos em dias para se adaptar, e a disrupção, antes um evento excepcional, virou rotina. Cinco anos após o início da crise, os impactos desse período no comportamento de consumo ainda são sentidos.
Globalmente, o sentimento dos consumidores ainda está mais negativo do que no início de 2020, e eles continuam preocupados com o aumento dos preços e a inflação. Apesar da incerteza, eles continuam gastando. Na verdade, a relação entre sentimento e gastos enfraqueceu. Enquanto isso, as expectativas em relação a valor e conveniência têm levado os consumidores a fazer trocas inesperadas entre categorias: economizar de um lado para fazer extravagâncias de outro.
Não é que as escolhas dos consumidores de hoje sejam irracionais. É que os antigos modelos usados para decifrar o comportamento deles não se aplicam mais. A partir da pesquisa State of Consumer 2025, da McKinsey, identificamos no Brasil quatro tendências que as empresas precisam considerar para se manterem relevantes na cesta do consumidor imprevisível.
Mais por menos aqui, escolhas premium ali
A subida de preços está no topo das preocupações. E uma das primeiras estratégias na hora de fazer o dinheiro render é pechinchar: seis em cada dez consumidores brasileiros entrevistados dizem que visitam varejistas mais baratos à procura de descontos. Mesmo preocupados com o preço, apenas um terço afirma planejar adiar compras nos próximos três meses.
O trade down é um caminho para obter mais valor pelo dinheiro gasto. Para itens essenciais, os consumidores estão levando para casa marcas mais em conta: o café de entrada, por exemplo, cresceu 4% no comparativo anual, enquanto o segmento premium caiu 5,5%. Esse movimento de gangorra também aconteceu com o óleo de cozinha (+4,8% vs. -3,9%) e o leite longa vida (+4,1% vs. -1,6%).
E o que é economizado com o trade down de produtos essenciais financia o trade up de categorias associadas à indulgência e ao bem-estar. Barrinhas proteicas que oferecem mais benefícios nutricionais, por exemplo, cresceram 7,2% em volume, ao passo que as versões mais básicas caíram 8,3%. No segmento de vinhos, as opções premium também seguem ganhando espaço.
Local: mais que tendência, preferência
O impacto da pandemia nas cadeias globais de suprimentos acendeu um sinal apontando para a produção mais perto de casa como estratégia para enfrentar o desabastecimento. Ainda hoje, em todo o mundo, 47% dos consumidores afirmam que uma empresa ser local é fator importante na decisão de compra. Por aqui, o apelo do DNA brasileiro é particularmente forte: são 57% considerando a origem nacional relevante na compra.
Essa preferência tem provocado mudanças tangíveis de market share em categorias de supermercado, como limpeza e higiene. Limpadores de marcas globais, por exemplo, registraram queda de 3,3% em volume em relação ao mesmo período de 2024, enquanto as marcas locais cresceram 9,9%. O mesmo padrão se repete para fraldas infantis: as marcas globais encolheram 3,4%, e as locais avançaram 3,2%.
Em contrapartida, marcas globais têm adotado uma estratégia centrada na inovação de produtos para preservar participação de mercado e assegurar relevância nas gôndolas dos grandes varejistas.
Canais digitais: pontos pela conveniência, ressalvas quanto à confiança
Olhando para o último trimestre, seis em cada dez consumidores brasileiros compraram ou pesquisaram online. As compras de supermercado seguem acontecendo mais nas lojas físicas, mas os canais digitais crescem, com 44% dos entrevistados no Brasil consumindo por essa via. Desses, quase sete em cada dez compram em marketplaces, não em canais próprios dos varejistas.
Apesar da crescente preferência pelo online, é no mundo offline, entre amigos e familiares, que estão os influenciadores de compra mais confiáveis. Apesar da crescente utilização das redes sociais como canal de descoberta e pesquisa de produtos, a influência real dessas plataformas na decisão de compra ainda é limitada pela baixa percepção de credibilidade. Para as marcas, isso indica a necessidade de atuar em diversos canais e adequar o discurso como forma de potencializar a mensagem.
Geração Z: o futuro do consumo
O mais surpreendente na geração Z brasileira é que a preocupação com o aumento de preços e o desemprego (motivos de apreensão para 46% e 27% dos jovens, respectivamente) não parece estar freando o consumo. Pelo contrário: 60% dos jovens consumidores pretendem fazer uma “extravagância” nos próximos três meses – mais do que o dobro do percentual de Boomers com essa intenção (26%). Além disso, mais de um quarto dos pesquisados compromete a renda que ainda não recebeu ao optar por pagamentos a prazo (modalidade “compre agora, pague depois”).
Esse comportamento contraintuitivo revela que o consumidor Z aceita um gasto que pese no bolso, desde que não pese na consciência. E vestuário e beleza despontam como as categorias que mais despertam o desejo dos jovens de fazer uma extravagância. Para as marcas, fica a recomendação: criar produtos e experiências que os jovens considerem dignos do investimento é o caminho.
Consumidor imprevisível, marca camaleoa
Com consumidores imprevisíveis, é preciso evitar que os insights de ontem se tornem pontos cegos hoje. As empresas devem ter uma base de dados robusta que possibilite uma visão 360 do cliente quase em tempo real e informe decisões de precificação e sortimento. Acertar a gestão do crescimento da receita (GRM) é essencial nesse contexto de facilidade de comparação de preços e busca constante por valor e conveniência.
Mais do que aprender sobre o consumidor, as marcas precisam aprender com ele e ser elas também camaleoas, se adaptando com rapidez a novas realidades. Esse é o maior imperativo para crescer, independentemente da imprevisibilidade do consumidor.
Bruno Furtado é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder da prática de Consumo na América Latina.
Pedro Fernandes é sócio da McKinsey em São Paulo e atua nos setores de consumo e varejo.