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Roberto Marchi, Paula Castilho e Miguel Van Zeller
O empreendedorismo deixou de ser um caminho de exceção. Hoje, as pequenas e médias empresas formam a base da economia. No Brasil, mais de nove em cada dez CNPJs ativos estão nessa categoria, que contribui com quase um terço do PIB nacional. Mas os pequenos negócios têm fôlego para mais, e as instituições financeiras podem ajudá-los a desbloquear seu potencial.
Historicamente, o segmento foi menos assistido, seja devido à dificuldade de compreender suas particularidades, à complexidade de oferecer soluções em larga escala para esse perfil de consumidor ou à sua menor expressividade em comparação com outros mercados. O jogo, no entanto, está virando.
Há cinco anos, a participação do Varejo PJ no total de receitas bancárias era de 10%, hoje é de cerca de 15%, e a tendência é que ele encoste no Atacado em 2027, chegando perto de 20%. Para entender o consumo dos produtos financeiros e as necessidades ainda não atendidas, a McKinsey conduziu uma pesquisa com mais de 1.500 pequenos e médios negócios. O estudo aponta grandes alavancas de atuação para os bancos, da melhoria da experiência à expansão do modelo beyond banking.
Relacionamentos pulverizados
A chegada dos players digitais e de novos modelos de negócio virou de vez a página da exclusividade e pulverizou as relações. Em quatro anos, a parcela de PMEs com apenas uma conta bancária caiu de quase metade para menos de um terço. Ao mesmo tempo, aumentou o percentual de empresas com duas e três contas. Entre as empresas de médio porte, a média de contas mantidas é ainda maior, chegando a 4,5.
Nesse contexto, a disputa passa pela principalidade. Enquanto os cinco maiores bancos são a instituição principal de, em média, 60% das suas bases de clientes, as fintechs e os players de fora do sistema bancário são o relacionamento primário de 20% dos seus clientes – com destaque para marketplaces, que já passam dos 30% de principalidade.
Novos ganhadores
O avanço expressivo dos marketplaces está relacionado com a sua participação na jornada do cliente PME. Como grande parte das pequenas empresas opera nesse espaço, esses players têm acesso a dados que os colocam em uma posição privilegiada para oferecer soluções de ponta a ponta – incluindo crédito – que podem impulsionar o crescimento das PMEs. A própria natureza de um marketplace já lhe dá vantagens para atuar em duas das três maiores dores do segmento identificadas pela nossa pesquisa: fidelização e aquisição de novos clientes.
As adquirentes também encontraram uma via para abordar as necessidades das pequenas empresas e se consolidaram como provedoras dos MEIs com uma proposta combinada de produtos (conta PJ, maquininha e crédito), jornada de integração rápida e atendimento digital – e já capturaram 80% do pool de lucro deste segmento. O relacionamento das PMEs com esses players mostra-se sólido mesmo diante do avanço do pix: apesar de uma em cada três empresas já receber mais da metade das vendas por essa via, oito em cada dez comerciantes não consideram abandonar as maquininhas.
Experiência é chave
Mesmo decisões que podem parecer puramente financeiras serão influenciadas por fatores ligados à experiência. É o caso da contratação de empréstimo de longo prazo: para 45% das PMEs entrevistadas, a facilidade do processo é o atributo mais importante na seleção do banco, enquanto taxas de juros e tarifas adicionais são critérios-chave para menos de dois em cada dez clientes.
A experiência orienta também a escolha dos canais. Embora a agência ainda seja relevante em jornadas mais complexas, os canais remotos e digitais são os escolhidos para as atividades do dia a dia. E, em termos de preferência, o digital empata com a agência para empresas de médio porte, mas abre vantagem para os negócios menores: 55% vs. 43% para pequenas e 63% vs. 37% para MEIs.
E há espaços para melhorias. Na contratação de produtos online, seis em cada dez relatam dificuldades no processo; na interação com chatbots, a experiência continua aquém das expectativas. Uma possível abordagem dessa dor envolve alavancar a inteligência artificial generativa para viabilizar rotas de atendimento mais simples e maior resolutividade e personalização.
Indo além do básico
Como os clientes PME ainda estão desenvolvendo expertise financeira e capacidade de gestão, o beyond banking – modelo que combina serviços bancários tradicionais com outras funcionalidades mais amplas de gerenciamento – é um caminho que os bancos podem percorrer para agregar valor real às empresas. Nossa pesquisa mostra, por exemplo, que mais de quatro em cada dez empresas se interessam por soluções de ERP (planejamento de recursos empresariais), mas a taxa de contratações via banco ainda é quase nula, cerca de 2%, revelando um território amplamente inexplorado.
Indo além da oferta tradicional, os bancos podem garantir uma fatia mais relevante da principalidade do mercado PJ e capturar informações valiosas para enriquecer a oferta financeira e os modelos de crédito para o segmento. A lógica de atuar como one-stop-shop pode ser a resposta para as necessidades simultâneas das empresas. Porém, se os bancos colocam o pé fora do seu universo de origem, empresas de outros setores também começam a entrar no espaço de serviços financeiros, no modelo de embedded finance. A disputa promete ser acirrada nos dois lados da fronteira.
Jogo em aberto
O crescimento das PMEs coloca o segmento como palco onde as instituições financeiras poderão mostrar suas fortalezas. De um lado, os incumbentes, que ainda dominam esse mercado – principalmente na concessão de crédito e entre empresas de médio porte – e têm à disposição uma miríade de dados para fidelizar o cliente. De outro, os players digitais, que já dialogam com os anseios dos clientes e podem alavancar as experiências simples e integradas que cativaram os clientes PF e MEI para conquistar terreno e expandir o pool de valor.
Sem tirar os olhos do prêmio da principalidade, todos os arquétipos de players financeiros devem se guiar pelo mantra da simplificação e agilidade na jornada e customização das ofertas. É o que o cliente PME quer, precisa e valoriza.
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Roberto Marchi é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder da prática de Serviços Financeiros na América Latina.
Paula Castilho é sócia da McKinsey em São Paulo e líder de Serviços Financeiros para CIB e PMEs na América Latina.
Miguel Van Zeller é sócio associado da McKinsey em São Paulo e líder de Serviços Financeiros para PMEs no Brasil.