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Fernanda Mayol e Heloisa Callegaro
Ao contrário do que já se viu um dia, liderança e poder não se baseiam mais em comando e controle, nem o sucesso de um líder é medido exclusivamente pelo desempenho financeiro da sua organização. Num mundo de relações mais horizontais, maior transparência e expectativas elevadas dos funcionários e clientes, a figura do “CEO imperial” se esvai. Não é surpresa que 83% dos CEOs se sintam despreparados para exercer esse papel, que agora exige uma abordagem mais humana e versátil.
A partir da experiência com mais de 500 CEOs que passaram pelo Bower Forum, programa da McKinsey dedicado a lideranças de todo o mundo, identificamos dimensões essenciais para que os líderes possam navegar pelos desafios atuais, alinhando-se com os novos tempos – e consigo mesmos. Confiantes das próprias habilidades para as questões mais práticas da cadeira executiva, eles buscam desenvolver competências menos cultivadas ao longo de suas carreiras, focando em aspectos pessoais e intangíveis.
Essa “liderança de dentro para fora”, centrada em elementos humanos, é detalhada no livro A jornada da liderança, que será lançado na próxima semana no Brasil. Inscreva-se para participar do evento de lançamento em São Paulo (11/03) ou no Rio de Janeiro (12/03).
Ousadia para fazer o impossível acontecer
Grandes líderes reconhecem o movimento ousado mais promissor, reúnem coragem para executá-lo e encontram maneiras de fazer o restante da organização abraçar a nova estratégia ou iniciativa. Alimentar um compromisso inabalável com o propósito da organização é o que inspira as pessoas a vencer a resistência e aderir à visão do líder.
Em 2021, o CEO Stéphane Bancel, da farmacêutica Moderna, se viu diante da decisão da sua vida: seguir o curso estável e seguro de operação da empresa ou redirecionar os esforços para a criação, em tempo recorde, de uma vacina contra a Covid-19. Por mais ousada e arriscada que essa ação fosse – Bancel estaria apostando o futuro da empresa nesse programa –, a possibilidade de salvar milhões de vidas falou mais alto. Embora tenha resistido inicialmente por achar que era algo impossível, a empresa abraçou a missão. E o impossível aconteceu: em menos de um ano, a Moderna tinha uma vacina.
Você não é a pessoa mais inteligente da sala
O CEO que insiste que só existe um jeito de fazer as coisas (o seu) não vai se abrir para ouvir outras pessoas, e muitas ótimas ideias nunca verão a luz do dia. Ao minar o espírito coletivo, esse jeito de liderar resulta em equipes com pouca agilidade e autonomia. É preciso dar espaço para as pessoas brilharem e se desenvolverem – o objetivo é vencer juntos.
À frente do crescimento vultoso do Nubank no Brasil, Lívia Chanes tem como dimensão fundamental do exercício da sua liderança buscar visões diversas e vozes dissonantes. Como ela conta na série CEO Insights, da McKinsey, “quanto mais você assume uma posição de destaque, menos as pessoas julgam que é cabível falar, discordar, confrontar. Cercar-se de pessoas que conseguem dizer ‘não’ e te desafiar se torna mais importante. Eu tento trabalhar muito nessa consciência. É um exercício de humildade.”
A mudança é a única constante
Diante da certeza da mudança, ser versátil e adaptável é o caminho. A unidade de elite da Marinha dos EUA tem uma cultura hierárquica com linhas claras de autoridade. “Mas isso não quer dizer rigidez,” disse Eric Olson, ex-comandante das Operações Especiais e um dos conselheiros do Bower Forum. Pelo contrário, a organização é composta de “indivíduos que, sem hesitação, abandonam o plano principal e passam para o plano de contingência ou desenvolvem um novo. Se o mapa fala uma coisa e o terreno mostra outra, eles seguem o terreno, não o mapa.”
Para Ed Bastian, CEO da Delta Airlines, um líder precisa se sentir à vontade com a mudança e aceitá-la, mantendo a flexibilidade e a prontidão, pois “é assim que melhoramos constantemente nossa resiliência.” Refletindo sobre o cargo de CEO, ele diz que “é o único em que você tem que pensar pelo menos cinco anos à frente. Projetar adiante prazos tão longos e imaginar modificações no modelo de negócios e nas ofertas ao cliente é essencial para a reinvenção, tanto individual quanto institucionalmente.”
Aprender, colaborar e cocriar
À medida que a inteligência artificial avança, é preciso nutrir uma liderança humana capaz de lidar com a disrupção em todos os níveis. A evolução tecnológica aumenta a necessidade de líderes que inspirem e empoderem os funcionários, promovendo a criatividade, flexibilidade e inovação, territórios essencialmente humanos. “É evidente que há governança e gestão, mas autonomia é muito importante para que as pessoas consigam criar, trazer novos elementos e debater. No passado, isso não era possível,” disse Carlos Vanzo, diretor Banco Pessoa Física e Seguros do Itaú Unibanco.
Para manter-se relevante e vencer nesse cenário, o aprendizado é chave. “O legado que eu tenho tentado construir é o de uma organização que consegue constantemente aprender, tanto no nível individual quanto coletivo,” disse Fernando Modé, do Grupo Boticário. Sob sua liderança, o Grupo vem se dedicando a fomentar uma cultura de inovação e cocriação: “Mudamos para favorecer mais a colaboração do que a competição. Hoje, a gente premia mais o coletivo e reconhece mais o indivíduo.” Nos últimos anos, o Grupo vem crescendo de forma consistente a duplo dígito.
Você pertence à posição que conquistou
Os melhores líderes cultivam o senso de pertencimento, mesmo diante de inseguranças. É essa confiança genuína em suas habilidades e na capacidade de exercer o cargo que conquistou que fortalece a coragem para tomar decisões difíceis quando necessário.
Em um cenário em que a alta liderança ainda é predominantemente masculina – a cada 100 executivos C-level, mais de 70 são homens –, esse tema é ainda mais relevante para as mulheres. Lynn Elsenhans, que já foi vice-presidente da Shell e CEO da Sunoco, dedicou parte importante da sua carreira a impulsionar a ascensão de outras lideranças femininas. Como afirmou Paula Bellizia, vice-presidente para a América Latina da AWS, ao McKinsey Talks, “quando uma mulher alcança uma posição de tomada de decisão, ela abre caminho para que outras pessoas de grupos sub-representados também possam ocupar essas esferas nas empresas.” O exemplo tem o poder de mover as engrenagens da diversidade.
Do CEO imperial ao líder compassivo
Em um estudo da McKinsey com funcionários de diversas empresas de todo o mundo, 75% afirmam que o chefe é a parte mais estressante do dia. No recorte nacional, um em cada quatro funcionários não se sente inspirado pelos seus líderes. Nesse contexto, substantivos relativamente novos no vocabulário das mais altas lideranças – como humildade, vulnerabilidade e empatia – passam a ser determinantes para o sucesso dos líderes e das empresas. Nossas pesquisas mostram que as companhias que conseguem equilibrar saúde organizacional e desempenho geram três vezes mais retorno aos acionistas.
Até mesmo o teórico da gestão Peter Drucker – para quem uma organização que não se preocupa com o desempenho financeiro está traindo a sua missão – enfatiza a importância dos traços pessoais de um líder. Segundo ele, grandes dirigentes são os que constroem relacionamentos saudáveis com funcionários, fornecedores, clientes e comunidades. E esses relacionamentos são essenciais para os resultados financeiros. Aí está um dos pilares da excelência.
Inscreva-se para participar do evento de lançamento do livro ‘A jornada da liderança’ dedicado a líderes C-level em São Paulo (11/03) ou no Rio de Janeiro (12/03).
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Fernanda Mayol é sócia da McKinsey no Rio de Janeiro e líder da prática de Pessoas, Organização e Performance na América Latina.
Heloisa Callegaro é sócia sênior e Office Managing Partner da McKinsey no Brasil.