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Heloisa Callegaro, Edson Guimarães e Marcelo Steffen*
No corpo humano, o funcionamento eficiente depende de uma organizada e complexa rede de vasos e órgãos trabalhando em harmonia. O mesmo ocorre nas cadeias de suprimentos: qualquer interrupção pode ser tão prejudicial – e fatal – quanto uma artéria bloqueada. Com CEOs e lideranças de operações pressionados a reagir às mudanças com rapidez e eficiência, resiliência é a prescrição do momento e tecnologia é parte crucial do tratamento.
Uma pesquisa recente da McKinsey com mais de 30 das maiores companhias do Brasil em diversos setores – com faturamento somado de cerca de R$ 1 trilhão ao ano – mostra que as empresas do país poderiam elevar seu EBITDA em até 4 pontos percentuais com a digitalização da cadeia de suprimentos. Afinal, ter mais visibilidade e previsibilidade dos números e maior agilidade na tomada de decisões leva à resiliência. E a oportunidade é grande: apenas 13% das organizações brasileiras que digitalizaram partes de suas cadeias conseguem aproveitar todo o potencial dessas tecnologias.
Posologia digital: as tecnologias de fundação
A maior parte das empresas que declaram estar capturando impacto total de transformações digitais o fizeram investindo nas chamadas tecnologias de fundação, como soluções de planejamento (APS, advanced planning system), apoio ao transporte (TMS, transportation management system) e armazenagem (WMS, warehouse management system), roteirização de transportes e programação de produção.
Do total pesquisado, 24% estão extraindo máximo impacto dessas soluções. Um bom exemplo está em uma companhia do ramo de alimentos: ao apostar em uma solução de APS, ela elevou em quatro vezes a velocidade de reação a mudanças, melhorou o atendimento a pedidos de clientes (case fill rate) em 3,5 pontos percentuais e reduziu seu estoque em 27%.
Alto potencial: os tratamentos avançados
Em um segundo grupo, o de empresas que fizeram investimentos em tecnologias avançadas – aquelas que lidam com alta complexidade e granularidade –, apenas 4% declararam estar conseguindo extrair valor total dessas ferramentas. A categoria inclui mecanismos de previsão de demanda multivariável baseados em aprendizado de máquina (machine learning), otimizadores matemáticos que consideram as múltiplas decisões e trade-offs da cadeia de ponta a ponta e torres de controle digitais.
É o caso de uma companhia produtora de bens duráveis que investiu em uma torre de controle digital e, em três meses, conseguiu reduzir o backlog de entregas em 80% e aumentar o índice de entrega completa (OTIF) em 26 pontos percentuais.
Tecnologias disruptivas: procedimentos experimentais
Em um cenário em que os negócios ainda buscam maturidade digital, os investimentos em tecnologias disruptivas – como a inteligência artificial generativa (Gen AI) e o aprendizado por reforço (reinforcement learning) – ainda estão em fase de estudos e provas de conceito. Ou seja, ainda não capturam o valor projetado.
Estabelecendo as prioridades do tratamento
Embora o potencial máximo não esteja sendo atingido com os atuais investimentos, as empresas pesquisadas planejam aumentar a aposta. Cerca de 75% dos entrevistados acreditam que o uso da tecnologia adequada pode incrementar significativamente as suas receitas ou reduzir seus custos – ou ambos.
Mas como chegar lá?
Definir o foco: o principal desafio consiste em definir um objetivo de negócio claro, apontam 70% das organizações consultadas. Há de se estabelecer uma aspiração, traduzida em um plano técnico e tático de curto, médio e longo prazo. O foco deve estar, necessariamente, onde existe possibilidade real de geração de valor, mensurável por meio de indicadores-chaves. E, se não houver previsão de impacto, o foco está equivocado.
Ganhar o ‘buy-in’ das lideranças: um segundo desafio envolve gestão de mudança, mais especificamente a mobilização de líderes C-level, e a construção de uma equipe com os talentos necessários. Muitas transformações falham ao não contar com o apoio da alta liderança, não revisitar os processos de negócio para o uso da tecnologia e não investir no desenvolvimento de habilidades centrais das pessoas
Começar para aperfeiçoar: apesar de mais de 50% dos entrevistados apontarem como obstáculo a disponibilidade e qualidade dos dados, não é preciso esperar pela perfeição para começar. Basta dispor de um mínimo necessário capaz de fornecer informações confiáveis para a tomada de decisões. A melhoria da infraestrutura e gestão dos dados será consequência de um trabalho bem realizado, além de uma atividade permanente que acontece em paralelo à implementação das soluções tecnológicas.
Capturando valor no que já existe – e um passo além
É sempre desejável iniciar uma transformação digital com as condições ideais de temperatura e pressão. Mas, mesmo que muitas empresas já tenham começado a sua jornada, nossa pesquisa mostra que nunca é tarde para recalcular a rota. Com um plano assertivo e as ferramentas e a implementação corretas, é possível capturar o impacto financeiro das tecnologias existentes. E, é claro, evoluir na busca pelos melhores resultados para investimentos futuros.
Não é demais lembrar que a tecnologia é um meio e não um fim em si mesma. Ela deve estar a serviço da melhoria de desempenho, construção de resiliência e geração de valor. Transformações digitais exigem alinhamento de múltiplos processos, órgãos ou instâncias participantes e escolhas para funcionar em harmonia. Exatamente como o corpo humano.
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Heloisa Callegaro é sócia sênior da McKinsey & Company e líder da prática de operações na América Latina.
Edson Guimarães é sócio associado, expert e líder da prática de supply chain no Brasil.
Marcelo Steffen é sócio associado e expert em supply chain especializado em empresas de bens de consumo e varejo.