Bill Browder pegou seu diploma em Stanford no ano em que o Muro Berlim foi ao chão, 1989. Trabalhou por algum tempo no mercado financeiro até que um dia lhe veio a ideia de ganhar dinheiro com a abertura econômica no antigo mundo soviético.
Em 1996, abriu escritório em Moscou e, tendo Edmond Safra como sócio, fundou a Hermitage Capital Foundation. A estratégia de investimentos se revelaria tão lucrativa quando suicida.
Bill faturou rios de dinheiro, mas por pouco não perdeu a vida.
A primeira parte dessa jornada insólita ele contou em “Alerta Vermelho: Como me tornei o inimigo número um de Putin”, de 2013. No livro, ele narra como, ao expor a corrupção da oligarquia russa, virou alvo de Vladimir Putin. Proibido de entrar na Rússia em 2005, liquidou seu fundo e deixou o país, não ficando, porém, isento de ameaças, condenações e tentativas de prisão. Escapou ileso, até o momento.
Sergei Magnitsky, um jovem advogado que trabalhava para Browder e ajudou a revelar desvios de dinheiro público, não teve a mesma sorte. Foi preso e morreu no cárcere, provavelmente por maus-tratos, em 2009.
Em Ordem de Bloqueio: Uma história real sobre corrupção e assassinato na Rússia de Putin (Intrínseca, 336 págs.), que chega agora às livrarias brasileiras, Browder narra a segunda parte de seu thriller pessoal. Fala também de seus esforços para ver aprovada nos Estados Unidos e em outros países a Lei Magnitsky, um instrumento jurídico para congelar os ativos de pessoas acusadas de violação de direitos humanos.
Nesta conversa com o Brazil Journal, Browder falou por que não investe um centavo no Brasil, analisou as consequências da decisão de Putin de atacar a Ucrânia e disse que os países que estiverem “do lado errado” dessa guerra pagarão um preço político e econômico maior no futuro.
Sendo o “inimigo número 1” de Putin, que medidas de segurança você tomar em sua rotina diária para não cair em alguma armadilha?
Gostaria de dizer que não sou mais o número inimigo número 1 de Putin. Agora eu sou o número 3.
Volodymyr Zelensky é o número 1 e Alexei Navalny é o seu inimigo número 2. Eu sou o número 3.
Estou sendo perseguido há 12 anos e me acostumei a viver assim. Não posso ter medo a todo instante, mas houve alguns momentos realmente terríveis. Sofri ameaças, tentaram acabar com minha vida. Emitiram mandados de prisão por meio da Interpol. Quiseram me ver extraditado. Fui condenado duas vezes nos tribunais russos a um total de 18 anos de prisão.
Mas as pessoas superestimam Putin. Uma década depois de ter lançado uma fatwa contra mim, ainda estou vivo. Estamos vendo a incompetência deles na Ucrânia. Claro, não tenho o direito de ser arrogante. Eles precisam ter sorte uma única vez. Até agora eles não tiveram sorte.
Algumas pessoas, entretanto, não tiveram a sua sorte. Um deles foi o seu advogado, Sergei Magnitsky. Poderia falar sobre a aprovação da Lei Magnitsky de combate à corrupção e quais os resultados até o momento?
Essa lei permite congelar os bens de violadores de direitos humanos e cleptocratas. Também impede a concessão de vistos. É uma ferramenta poderosa, cirúrgica, porque tem como alvo o indivíduo, não países ou empresas.
O modelo proposto pela lei está sendo usado agora para congelar os ativos dos comparsas de Putin. Não é exatamente a Lei Magnitsky, mas uma ferramenta legal bastante similar.
É uma legislação mais ágil do que os tribunais internacionais?
Sim. Nove dias depois da invasão da Ucrânia já houve um primeiro grupo de pessoas sancionadas. Não vejo esse instrumento como substituto do Tribunal Penal Internacional. Mas é sem dúvida mais ágil. As condenações por crimes de guerra podem levar 10, 20 anos.
Como investidor, que tipo de lição tirou ao fazer negócios em um país com altos níveis de corrupção, como é o caso da Rússia?
Depois de ver todos os danos causados pela falta de leis confiáveis e pela fraqueza dos direitos de propriedade, não invisto mais em países corruptos. Simples assim. O tempo que posso perder lidando com ações judiciais são desproporcionais aos custos e tempos que me tomam um bom investimento.
Digamos que eu tenha colocado 2% de meu portfólio em algo em que mais tarde eu descubra a existência de uma fraude. Provavelmente vou gastar 20% do meu tempo com esses 2%. Não vale o risco. Meu portfólio atual não inclui nenhum país em que não haja rule of law.
Essa decisão exclui o Brasil de seu portfólio?
Não tenho nenhum centavo no Brasil. Se eu tivesse algum problema no Brasil, eu teria que ir aos tribunais. E você sabe que existem tribunais corruptos. Há os interesses dos poderosos locais. Não quero mais passar por isso. O Brasil não está na minha lista.
Os combates na Ucrânia estão entrando em seu quinto mês. Há sinais de fadiga no Ocidente. Putin está ganhando a guerra?
Definitivamente não. O conflito está num impasse. Putin, no início da invasão, tinha 500% mais homens e recursos bélicos do que a Ucrânia. Ainda assim avançou muito lentamente. Os ucranianos têm muito mais motivação. Eles lutam pela sua independência e sua liberdade. Além do mais, a desvantagem de recursos não é tão gritante agora, porque os ucranianos foram capazes de atrair uma enorme quantidade de ajuda militar do Ocidente.
Os ucranianos não vão desistir voluntariamente de seu território. Putin, de seu lado, não pode selar nenhum acordo no momento, porque vai parecer fraco. Minha previsão é que estamos em uma guerra que vai continuar por muito tempo. Todos estamos cansados de assistir a cenas do conflito diariamente na TV, mas não acredito que a Otan nem a aliança dos países ocidentais tenham intenção de abandonar a Ucrânia. A alternativa seria permitir que Putin saia vitorioso – e aí teríamos no futuro uma guerra muito maior com a Rússia.
O conflito aumentou o preço dos alimentos e da energia. Vemos turbulência política em diversos países, com a popularidade de governos em queda por causa da inflação. Isso não joga a favor de Putin?
Putin de fato usa a inflação como uma ferramenta de guerra assimétrica contra o Ocidente. Tem sido muito eficaz, porque a inflação faz com que a população questione os seus governantes. Mas a grande maioria das pessoas não vê conexão da inflação com a guerra.
Putin jogou a sua carta, sabe que pode usar isso como uma arma de guerra, mas essa é a sua única verdadeira fonte de renda. A Alemanha talvez não compre mais gás russo no futuro.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, optou por manter a neutralidade na guerra. Ele tem procurado ampliar negócios com a Rússia. Qual a sua avaliação?
Existe uma expressão nos Estados Unidos que resume essa situação: é como se o peru saísse em defesa do Natal. Ao apoiar Putin, não apenas o Brasil, mas África do Sul, Indonésia, Índia, todos esses países que se dizem não alinhados ou que assumiram uma postura neutra, estão fazendo isso por sua própria conta e risco e contra os interesses de sua população. São países que pagarão um preço político e econômico no futuro. Estar do lado errado nessa guerra é uma atitude ilógica.