Lily Safra, cujos quatro casamentos fizeram dela uma das mulheres mais ricas do mundo e uma filantropa extraordinária nas últimas décadas, morreu neste sábado, em Genebra, de um câncer no pâncreas.
Ela tinha 87 anos.
Seu último marido foi o banqueiro Edmond J. Safra, fundador do Republic National Bank of New York, com quem viveu por 20 anos até sua morte num incêndio em 1999.
De seu segundo marido, Alfredo Monteverde, falecido em 1969, Lily herdou 51% do Ponto Frio, que ela vendeu ao Grupo Pão de Açúcar em 2009.
Após a morte de Edmond, Lily criou a Edmond J. Safra Foundation, que já colaborou com projetos em 40 países nas áreas de educação, saúde, ciência, cultura, bem-estar social e na recuperação de desastres naturais.
Seus agraciados incluem o Instituto Internacional de Neurociência de Natal, encabeçado por Miguel Nicolelis; o Ethics Institute, em Harvard; o Center of Brain Science, na Universidade Hebraica de Jerusalém; a Elton John AIDS Foundation; além de uma doação de 10 milhões de euros para a reconstrução da Catedral Notre Dame, consumida parcialmente pelo fogo em 2019.
Lily também doou para o fundo que apoia as vítimas do atentado de 11 de setembro, um teatro e uma biblioteca no Museum of Jewish Heritage em Nova York, 21 sinagogas em Israel e uma sinagoga em Ipanema, no Rio de Janeiro.
Ela ainda construiu uma sinagoga em Manhattan, cuja inauguração teve apresentação do violinista Itzhak Perlman e discurso de Michael Bloomberg. Todos os lugares levam o nome de seu marido.
Em 2012, um leilão de suas jóias beneficiou 32 projetos filantrópicos. O designer Joel Arthur Rosenthal, fundador da JAR, era um de seus prediletos. Certa vez, Lily deu de presente a todos seus amigos o catálogo de uma exposição do joalheiro em Londres.
“Todos os anos ela enviava cartão de Natal aos amigos, dizendo que fez uma doação filantrópica em nome deles,” Maria Ignez Corrêa Castro Barbosa, sua amiga de longa data, disse ao Brazil Journal.
Fora do Brasil há décadas, Lily tinha residências em Londres, Nova York, Paris, Genebra, Mônaco e na Riviera Francesa – a Villa Leopolda, uma mansão construída por volta de 1929 pelo Rei Leopoldo II da Bélgica.
Íntima de Elton John e do Príncipe Charles, Lily colecionava arte e circulava pelas colunas sociais, mas era avessa à imprensa.
No ano 2000, uma matéria de nove páginas de Dominick Dunne, um colunista da Vanity Fair, insinuava que Lily estaria envolvida na morte do marido, que morreu asfixiado num incêndio em sua mansão em Mônaco. Lily, que também estava no local, se salvou pulando da janela com a ajuda de bombeiros.
Safra, que acabara de vender o banco ao HSBC, sofria de Parkinson em estágio avançado e mantinha uma equipe de oito enfermeiros em revezamento.
No final, o culpado era um deles: o americano Ted Maher, condenado a 10 anos de cadeia. (Maher ateou fogo numa cesta de papel e cortou seu próprio braço e barriga para fingir ter sido atacado por invasores. Antes, desconectou as câmeras de segurança. A ideia era salvar Edmond e sair como herói do episódio, mas o fogo se alastrou e Edmond morreu preso no banheiro.)
As teorias da conspiração contra Lily centraram no fato de que, naquela noite, ela havia dispensado os seguranças, algo incomum em seu cotidiano. Lily nunca andava sozinha.
Irmão de José e Moshe Safra – com os quais Lily mantinha uma relação fria – Edmond doava dinheiro com a mesma voracidade com que ganhava. Em vida, doou US$ 50 milhões para a pesquisa de Parkinson, uma colaboração que Lily continuou e a tornou membro do board da Michael J. Fox Foundation.
Lily Safra, née Watkins, nasceu em Porto Alegre em 30 de dezembro de 1934, filha de um engenheiro ferroviário inglês e mãe uruguaia, uma judia de origem russa.
Seu primeiro casamento, aos 17 anos, foi com o argentino Mário Cohen, com quem teve três filhos: Cláudio, Eduardo e Adriana.
Lily se separou de Mário em 1960, e quatro anos depois, casou-se com Alfredo “Freddy” João Monteverde, um romeno naturalizado brasileiro que em 1949 fundou o Ponto Frio. [O nome foi inspirado nos refrigeradores Cold Spot, que Monteverde revendia no estado da Guanabara].
Em 1969, Monteverde foi encontrado morto com dois tiros no peito.
O episódio foi abordado na biografia Gilded Lily — Lily Safra: The Making of One of the World’s Wealthiest Widows, publicada em 2010 pela jornalista canadense Isabel Vincent. O livro sugere que Artigas Watkins, irmão de Lily, pode ter tido um papel nos eventos que culminaram com a morte de Monteverde.
Segundo o repórter Anderson Antunes, que escreveu sobre o caso na Forbes, o livro diz que “em 1969 Monteverde estava se aproximando de um acordo para se divorciar de Lily” quando foi encontrado morto. “As autoridades brasileiras disseram que foi suicídio, enquanto o testamento de Monteverde deixou todos os seus bens para Lily. A família Monteverde sempre contestou o veredicto de suicídio e desde então questionou o relato da polícia.”
O filho de Artigas e sobrinho de Lily, Leonardo Watkins, foi à Justiça para impedir a publicação no Brasil, dizendo que o livro maculava a imagem de seu pai. “Meu pai era um homem extremamente correto, dedicado à família e que sempre se manteve distante da celebridade da irmã,” Leonardo disse ao Estadão.
Pouco tempo depois, Lily começou a namorar Edmond Safra, mas o romance não vingou. Em 1972, ela se casou com Samuel Bendahan (dizem que para fazer ciúmes a Safra), mas o casamento durou menos de um ano.
Em 1976, Lily Cohen finalmente tornou-se Lily Safra – o casamento com Edmond Safra foi seu mais longevo.
Em 1989, uma tragédia: seu filho Cláudio Cohen morreu em um acidente de carro que também matou seu neto Rafael.
Lily deixa os filhos Eduardo Cohen, Adriana Elia, Carlos Monteverde e os netos Samuel, David e Lily Gabriela.