O plano de remuneração proposto pelo conselho da CVC está gerando revolta entre alguns acionistas, que pretendem votar contra.
Se a proposta vingar, a CVC pagará a seu time de gestores um total de R$ 118 mihões entre 2017 e 2019 — sendo que mais da metade do butim vai para o CEO e CFO nos próximos dois anos. Este valor inclui os planos de opções antigos (e ainda em vigor) e os novos planos de ações restritas, que incluem pacotes diferenciados para os dois principais executivos da empresa.
Gestores estão fazendo conta e concluindo que o plano é esdrúxulo. Uma ordem de grandeza: o valor global dos incentivos em três anos equivale a dois terços do lucro da CVC no ano passado, que foi de R$ 177 milhões.
O plano — que será submetido aos acionistas dia 28 — foi negociado longamente e aprovado por unanimidade pelo conselho, formado por Guilherme Paulus, Pedro Janot, Marilia Rocca, Henrique Álvares e Silvio Genesini.
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O conselho da CVC está propondo dois planos de incentivo, ambos baseados em ações. O primeiro — chamado de “ILP CVC” — cobre todos “os atuais e futuros diretores da companhia, das suas controladas e gerentes de alto potencial.” Funciona assim: quanto mais um executivo usar seu bônus anual para comprar ações da empresa, maior será o ‘match’ feito pela CVC. Este plano — que causará uma diluição máxima de 0,3% ao ano — não é controverso.
O foco dos acionistas é outro: o plano de incentivo que visa reter o CEO e o CFO da companhia por dois anos, até 31 de julho de 2019.
Pelo plano, o CEO Luiz Eduardo Falco receberá 1,865 milhão de ações, o equivalente hoje a R$ 54 milhões. Seu CFO, Luiz Fernando Fogaça, receberá 226.924 ações, o equivalente a R$ 6,6 milhões. Esse pacote não considera salário, bônus e participação nos resultados, que os executivos continuarão a receber normalmente. Outro detalhe: Falco e Fogaça ainda participarão do ILP CVC, o plano que cobre todos os principais executivos da companhia.
Os gestores que pretendem votar contra consideram que, no caso de Falco, uma recompensa de R$ 54 milhões por um trabalho de dois anos pertence à categoria de ‘exuberância irracional’.
Para começar, a soma corresponde a 0,7% do valor de mercado da CVC ao ano. (A companhia vale R$ 3,8 bilhões.) Para efeito de comparação, em seu plano de incentivo baseado em ações divulgado hoje, a Ultrapar propõe dar 1% da empresa a todos os executivos elegíveis ao plano, e ao longo de 10 anos, ou 0,1% da empresa ao ano.
Em outra comparação, o mercado aponta para o plano de incentivo usado pelas Lojas Renner para reter José Galló, um dos mais respeitados CEOs do Brasil. Apesar da CVC estar usando um plano de ações e a Renner, um plano de opções, a Renner parece ser uma comparação justa: assim como a CVC, também é uma companhia de capital pulverizado. Quando renovou seu contrato, em março de 2014, Galló recebeu um pacote de opções que está produzindo, até agora, um lucro teórico de R$ 93 milhões — o pacote retinha Galló por cinco anos contra os dois de Falco, numa companhia mais de quatro vezes maior. (A Renner vale R$ 17,8 bilhões na Bovespa.)
Uma comparação internacional: no ano passado, o CEO da Goldman, Lloyd Blankfein, recebeu US$16 milhões em ações e um bônus em dinheiro de US$4 milhões, além de um salário anual de US$2 milhões. Remuneração variável total: US$ 20 milhões, ou R$ 63 milhões.
Falco está na CVC desde março de 2013.
Com 20 anos de TAM no currículo e ex-CEO da Oi, a operação de telefonia celular que acabou rebatizando a antiga Telemar, Falco foi contratado pelo Carlyle — então controlador da CVC — para preparar a operadora de viagens para o IPO, que aconteceria em dezembro daquele ano.
De cara, Falco marcou um golaço: trouxe de volta para a empresa Valter Patriani, que por muitos anos havia sido o braço direito de Guilherme Paulus, o fundador da empresa. A saída de Patriani, pouco mais de um ano antes, havia desestruturado a CVC.
De lá para cá, sem contar salário, bônus e participação nos resultados, Falco já acumulou ações e opções que hoje valem mais de R$100 milhões, se exercidas e vendidas a preços de hoje.
Em agosto de 2014, a CVC aprovou o primeiro plano de opções do qual Falco participou. O CEO recebeu 3,78 milhões de ações a R$ 11,82 cada. De lá pra cá, as ações quase triplicaram, e o pacote está rendendo um lucro teórico de R$ 65 milhões, assumindo a ação a R$29. Este plano tem validade até junho deste ano. Além disso, na mesma época, como prêmio por seu trabalho no IPO, Falco recebeu do Carlyle (não da companhia) um pacote de 1,333 milhão de ações, que hoje valem outros R$ 38 milhões.
“Ninguém está questionando o plano de opções que foi negociado lá atrás nem o prêmio que o Carlyle deu voluntariamente,” diz um gestor. “Mas o que se está propondo agora é totalmente fora de proporção.”
O caso de Fogaça é ainda mais particular. Seu contrato com a CVC venceu em dezembro de 2015, e foi renovado por mais cinco anos, ou seja, até dezembro de 2020. Para esta renovação, ele recebeu 500.000 opções de compra e uma cláusula muito importante: se houvesse mudança no controle da CVC, as opções ficariam ‘vested’, ou seja, seriam exercíveis imediatamente.
Aquele contrato foi celebrado meses antes do Carlyle vender sua participação remanescente na CVC, o que disparou a cláusula e antecipou o ‘vesting’.
“Por que o CFO precisa de um novo plano agora, dado que ele já havia renovado até 2020 e já teve, inclusive, o ‘vesting’ antecipado das 500.000 ações?” questiona um gestor.
O debate sobre remuneração na CVC acontece num momento em que a gestão liderada por Falco e Fogaça tem resultados robustos para mostrar, e a ação gravita próxima à sua máxima histórica. A empresa atravessou praticamente incólume a crise do impeachment e a recessão, em parte porque os brasileiros trocaram Miami pelo Nordeste, mas não deixaram de viajar.
Mas a discussão atual também é típica de empresas de capital pulverizado em que os executivos, frequentemente capturando o conselho, passam a ser os donos de fato da empresa. Na BR Malls, outra companhia de capital pulverizado, um novo conselho de viés mais ativista está trocando o CEO Carlos Medeiros, historicamente um dos executivos mais bem pagos do País.
Alguns acionistas minoritários temem que, se Falco e Fogaça saírem, a CVC poderia passar por outra turbulência, como a que aconteceu quando o Carlyle mandou Patriani para casa e passou o comando a um CEO que não vinha do mercado de turismo. O resultado: a CVC, que crescia a 10%-15% na década anterior, viu seu faturamento avançar só 7% em 2012.
Outros acionistas acham que este temor é infundado. Primeiro, porque Falco tem muito dinheiro na mesa: ele ainda não vendeu quase nada de suas ações, e seu ganho de R$ 100 milhões até agora só se sustenta se a ação continuar onde está. (E, se ele sair de repente, ela tende a cair.)
Outro motivo é cultural: “Quando o Patriani saiu, vários diretores saíram com ele, e a empresa perdeu parte de sua cultura. Mas hoje, a CVC tem uma administração muito mais estruturada, com novas diretorias encarregadas de nichos específicos, e muita gente que havia saído voltou.”
Numa conversa com o Brazil Journal, Falco disse que as críticas ignoram o contexto de seu envolvimento com a CVC, que está mudando de uma relação de curto prazo para um compromisso de longo prazo.
“Quando entrei aqui, era para fazer o IPO e sair. Eu só ia até onde o Carlyle ia,” diz o CEO. “Mas fizemos o IPO, deu tudo muito certo, e o mercado foi pedindo para eu ficar.”
No follow-on de agosto do ano passado, quando o Carlyle vendeu sua posição, Falco diz ter visitado mais de 110 investidores, e ouviu dezenas de pedidos para que estendesse seu contrato com a empresa. “Concordei em ficar ganhando exatamente a mesma coisa, nem mais nem menos, só que para um prazo mais curto,” diz.
Ele diz que o valor do pacote de retenção (R$ 54 milhões) parece alto porque a ação quase dobrou de valor no último ano, mas que o pacote atual é essencialmente o mesmo que o anterior.
“Para trabalhar quatro anos na empresa, ganhei cerca de 2,4% da companhia, o que é comum para CEOs que chegam para fazer IPOs. Agora, para ficar mais dois anos, a proposta é que eu ganhe outro 1,2%. Só que agora vou ser conselheiro por cinco anos e um acionista de referência da empresa. Honestamente, não vejo nada aqui que seja ruim para o mercado. Quando eu tiver a chance de explicar isso para as pessoas, elas vão entender. E quando elas virem nossos resultados, vão esquecer isso.”