No mercado de crédito brasileiro, há um estoque de R$ 300 bilhões emprestados a pessoas físicas a taxas acima de 100% ao ano.
E há a Geru, uma fintech de 50 pessoas na Vila Madalena, em São Paulo, que empresta dinheiro a uma taxa média de… 50% ao ano.
A Geru já emprestou R$ 200 milhões desde que começou a operar há quase três anos. Mas suas concessões estão decolando: só nos próximos seis meses, deve emprestar mais do que todo o estoque até agora.
O fundador da Geru, Sandro Reiss, foi CFO da BR Towers, uma investida da GP Investimentos, da Geo Eventos, investida da Globo, e da ERSA, um companhia de energia renovável.
Os investidores da Geru incluem a família Sirotsky, dona do grupo de mídia RBS; Luigi Cosenza, o empreendedor que fez a BR Towers; e Marcelo Kayath, o ex-banqueiro do Credit Suisse, que tem ajudado a empresa a aumentar a base de investidores que injetam capital para os financiamentos.
Financeiramente, a Geru funciona como uma ponte entre financiadores e tomadores. Mas ao contrário de um marketplace tradicional, ela capta o dinheiro na frente. Geralmente a cada seis meses, a Geru vai ao mercado e oferece a investidores uma debênture com vencimento em quatro anos. O fluxo de pagamentos está atrelado à performance dos empréstimos que ela vai conceder. (A debênture é, de fato, a antecipação de um fluxo, e é emitida por uma securitizadora que pertence à Geru.)
Na última emissão, 75% dos compradores das debêntures foram hedge funds americanos, que vêem na Geru uma forma turbinada de capturar o juro alto brasileiro. Por enquanto, todo mundo está satisfeito: os investidores nas debêntures tem conseguido uma taxa de retorno de três vezes o CDI e, do lado do tomador, o juro cobrado pela Geru é em média 60% mais barato que os juros de mercado.
Ao contrário de um banco, a Geru não retém o risco dos empréstimos. Ela origina, empacota e repassa os créditos a investidores financeiros — a maioria internacionais. A empresa recebe uma comissão pela originação do empréstimo (paga pelo tomador do crédito) e uma comissão pelos serviços de cobrança, plataforma de atendimento e meios de pagamento, paga pelos investidores. Há uma terceira linha de receita: cada vez mais, a Geru co-investe em suas próprias debêntures.
O ‘cérebro’ da Geru é seu algoritmo proprietário, que classifica o tomador do empréstimo em uma de 35 classes de risco: isso permite à Geru oferecer taxas personalizadas, ajustadas para o risco individual, que variam de 25% a 80% ao ano.
Dados de agosto do Banco Central mostram que a taxa média do cartão de crédito, que era de 265% ao ano em dezembro de 2014, chegou a bater em 422% no início deste ano. Depois que o BC obrigou os cartões a refinanciar os atrasos de mais de 30 dias na taxa do crédito parcelado (9% ao mês) em vez da taxa do rotativo (cerca de 14% ao mês), a taxa média caiu para 322% ao ano.
Desde outubro do ano passado, a cada mês a Geru desembolsa 20% a mais que no mês anterior, um crescimento de 800% ao ano. Hoje, os empréstimos estão em cerca de R$ 30 milhões por mês. Mas nos próximos 12 meses, a empresa não vai repetir essa taxa de crescimento.
“Crédito você cresce em patamares, e não de forma exponencial,” diz Sandro Reiss. “Você tem que ficar num patamar por um tempo para ter segurança de crescer a partir dali, senão o cara ‘explode’ em algum momento.”
A cada nova leva de empréstimos, a Geru usa os novos dados sobre a performance dos clientes para afinar seu algoritmo e reduzir a inadimplência da próxima leva. A empresa usa dados públicos, disponíveis em birôs de crédito como Serasa e Boa Vista, dados de sua própria carteira de empréstimo e o que Reiss chama de ‘dados alternativos’. Isto inclui a coleta digital de informações de cartórios, sites governamentais, associações de classe e — cuidado no Instagram! — informações de rede sociais.
“A gente tenta encontrar a pegada daquela pessoa no mundo digital,” diz Reiss. “Tudo que está lá é info de crédito, do nosso ponto de vista. É claro que, como as informações que você acha no Facebook são menos fidedignas, elas tem que ser tratadas pelo nosso time de data science.”
Essencialmente, o modelo de crédito desenvolvido pela Geru busca formar uma opinião sobre três coisas: o comportamento de crédito do tomador (que indica se o risco de inadimplência é alto, médio ou baixo), sua capacidade financeira de pagamento e, finalmente, se aquela pessoa é quem diz ser. (As fraudes online são o iceberg que afunda muitas fintechs.)
Ainda este ano, a Geru pretende passar a oferecer crédito consignado em parceria com o Cetelem, o banco de crédito ao consumidor do BNP Paribas. “No Brasil, o consignado é a modalidade de crédito que tem a taxa média mais baixa do mercado (27% ao ano),” diz Reiss. “O nosso processo digital de concessão permite que, com o tempo, a gente ofereça taxas ainda mais baixas.”
Uma circular do Banco Central — atualmente em consulta pública — vai aumentar a segurança jurídica das fintechs. “Até a edição desta regra, alguém poderia olhar e dizer que empresas como a nossa estão operando numa fronteira regulatória, usando uma combinação de regras existentes. Mas agora, o BC fez uma regra bem detalhada, que cria um novo tipo de instituição financeira para empresas como a nossa e diz como pretende nos regular. O BC está ajudando.”
Apesar da crescente desintermediação financeira, Reiss acha que ainda vai demorar até que as fintechs forcem os bancos a reduzir o ‘spread’. Entre defender sua fatia de mercado e preservar margens, ele acha que os bancos ficarão com a segunda opção. Além disso, “ainda tem muito espaço para os bancos aumentarem sua eficiência,” investindo principalmente em usabilidade e automação.
“Nos últimos dois anos, os bancos evoluíram muito na experiência do usuário em pegar um crédito pré-aprovado. O passo seguinte — de reduzir taxas — tem muito impacto no valor do banco, e os incentivos para que isso aconteça ainda não estão aí.”